ARTIGOS
Pedagogia da Infância: interlocuções disciplinares na pesquisa em Educação
Eloisa Acires Candal Rocha I; Juliana Schumacker Lessa II; Márcia Buss-SimãoIII
I Universidade
Federal de Santa Catarina - CED/UFSC eloisa.rocha@ufsc.br
II Universidade
Federal de Santa Catarina PPGE/UFSC juliana.lessa@ufsc.br
III Universidade
do Sul de Santa Catarina - PPGE/UNISUL marcia.simao@gmail.com
Este
artigo tem como objetivo situar interlocuções disciplinares na busca de
caminhos para a delimitação de uma área específica da pesquisa em Educação no
Brasil, a qual se denomina de Pedagogia da Infância ou da Educação Infantil
(Rocha, 1999). Inicialmente e de forma sintética, são recuperados elementos conceituais presentes em publicações e pesquisas para, em seguida, apresentar uma revisão do percurso
e das construções teóricas já realizadas, as quais afirmam a necessidade de
consolidação de um diálogo disciplinar para o estudo da educação infantil,
sobretudo a partir dos estudos sociais da infância. Posteriormente, o artigo
apresenta alguns exercícios de possibilidades dessas interlocuções, em
particular, tomando o estudo de Buss-Simão (2012) acerca das relações sociais
no âmbito do contexto educativo para a pequena infância. Por fim, concluímos
com a indicação de perspectivas e demandas de aprofundamentos relativas aos
processos de socialização e à constituição da experiência das crianças na
educação infantil. Palavras-chave:Infância.
Pedagogia. Teoria e Prática. Educação Infantil.
Abstract This
paper seeks to situate disciplinary dialogues on finding ways for the
delineating a specific area of research in Education in Brazil, otherwise known
as Pedagogy of Childhood or Pedagogy of Early Childhood Education (Rocha,
1999). Initially, conceptual elements present in publications and research are
concisely recovered in order to present a review on the pathways and
theoretical constructs already dealt with, which claim for the need of consolidating
a disciplinary dialogue for the study of early childhood education, especially
from social studies of childhood. Moreover, the paper presents some exercises
on the possibilities of these dialogues, taking in particular the study of
Buss-Simão (2012) as a reference, for dealing with the social relations in
educational settings for early infancy. Finally, the study indicates some
perspectives, and warrants the in-depth search for socialization processes and
the establishment of infant experience in early childhood education. Keywords: Childhood, Pedagogy, Theory and Practice, Early Childhood Education.
Resumo
Résumé
Cet
article vise à situer les dialogues disciplinaires afin de trouver des moyens
pour la délimitation d´une zone spécifique dans la recherche en Éducation au
Brésil, qui est appelée Pédagogie de l'Enfance ou Pédagogie de l´Éducation
Infantile (Rocha, 1999). D'abord, et d'une façon assez synthétique, ce sont
repérés des éléments conceptuels présents dans des publications et des
recherches, afin de présenter une mise à jour de l'itinéraire et des
constructions théoriques déjà réalisées, lesquelles affirment la nécessité de
consolidation d'un dialogue disciplinaire pour l'étude de l'éducation
infantile, surtout à partir des études sociales de l'enfance. Par la suite,
l'article présente des exercices de possibilités de ces dialogues, prenant en
particulier l'étude Buss-Simão (2012) sur les relations sociales dans le
contexte éducatif de la petite enfance. Enfin, nous avons conclu en montrant
les perspectives et les demandes d'approfondissements concernant aux processus
de socialisation et à la mise en place de l'expérience des enfants dans
l'éducation infantile.
Mots-clés: Enfance, Pédagogie, Théorie et Pratique, Éducation Infantile.
PERCURSOS E PERCALÇOS DA CONSOLIDAÇÃO DE UMA PEDAGOGIA DA INFÂNCIA
Os estudos que temos realizado ao longo destes últimos 20 anos no âmbito do NUPEIN [1] vêm buscando construir delimitações em torno de uma área de pesquisas no interior da Pedagogia que toma como objeto de preocupação, particularmente, os processos educativos que envolvem as crianças. Esta área ou subárea, a qual temos
denominado de Pedagogia da Infância ou da Educação Infantil (Rocha, 1999),
ganha visibilidade científica com a acumulação de estudos, sobretudo a partir
da instauração e da disseminação social de instituições educativas para as
crianças. Ou seja, na medida em que crescem as creches e pré-escolas ou
sistemas educativos que incluem crianças (antes da escola elementar), crescem
também as investigações sobre elas e seus principais ocupantes, as crianças
pequenas.
A análise das funções sociais e a demarcação da especificidade educativa destas “novas” instituições, inaugurada pela definição social da primeira infância no âmbito das écoles maternelles, no contexto francês, com os estudos de Chamboredon e Prévost (1986)[2] e, mais recentemente, os de Pascale Garnier (2014)[3] têm preocupado estudiosos das Ciências Sociais e da História, desde a consolidação desta área educacional. No Brasil, esses estudos tomam forma sobretudo a partir da década de 1980, com a publicação de um conjunto de artigos que tinham como eixo de preocupação as crianças e sua educação no número temático “Criança” do Cadernos de Pesquisa da Fundação Carlos Chagas [4].
Neste artigo, buscaremos recuperar algumas das questões que nos mobilizaram na busca desta delimitação de uma área específica da pesquisa em Educação, o que significa, ainda que de forma breve, uma revisão de percurso e, em certa medida, uma crítica e autocrítica de trajetórias acadêmicas vividas e formuladas a partir de um movimento de reflexão iniciado ainda no final dos anos de 1990, no âmbito da Pedagogia e da educação infantil no Brasil. Neste sentido, pretendemos aqui resgatar, em parte, construções teóricas já realizadas, dado que temos afirmado a necessidade de consolidação de um diálogo disciplinar para o estudo da educação infantil, sobretudo a partir dos estudos sociais da infância [5], recuperando elementos conceituais presentes em produções anteriores.
A denominação Pedagogia da Infância ou da Educação Infantil foi formulada a partir do reconhecimento do nascimento de uma área, ou subárea da Educação, que se vinha preocupando com instâncias educativas específicas, diferentes e anteriores à escola, mas não só. A acumulação destes estudos também apresentava uma marca peculiar, ao tomar como objeto de preocupação a infância e os processos educativos voltados para ela, de forma diferente daquelas tradicionalmente consolidadas nas teorias educacionais, ou seja, contestando criticamente as Pedagogias da criança, cimentadas nas teorias educacionais liberais do século XX.
Nos estudos sobre a produção científica brasileira em torno da educação infantil, alertávamos que sua curta história no Brasil não vinha escapando da reprodução dos antigos binômios que deram base às pedagogias, currículos e práticas, seja de orientação tradicional e conservadora (em que ensinar é igual a transmitir e ao professor cabe dominar os processos de instrução da criança, concebida como única, abstrata e natural e que deve assimilar os conteúdos); seja de orientação nova e liberal (em que a criança, também única, abstrata e naturalizada, para aprender, necessita que o professor conheça seus níveis de desenvolvimento organizando as condições para que este se dê espontaneamente). Identificávamos, ainda, que, mesmo perspectivas pedagógicas mais recentes, supostamente ancoradas em perspectivas histórico-culturais, não vinham superando modelos de assimilação passiva, que reafirmam as funções de reprodução hegemônica visando um resultado homogeneizador, tomando as crianças e a infância como referências abstratas e universais (Coutinho & Rocha, 2007).
Desde essa altura, temos constatado a afirmação de políticas educacionais marcadamente neoliberais, que submetem os projetos educativos aos apelos do mercado pela ilusão da equiparação dos conhecimentos pela via da transmissão e do ensino de mão única, rendendo-se às definições, orientações e práticas educativas focadas num domínio individual descontextualizado. Para além disso, retomam-se frequentemente rotas ultrapassadas, instaurando práticas, processos e materiais padronizados e uniformizadores, com o intuito de uma preparação para o futuro ou para a escolarização posterior.
A superação destas perspectivas pedagógicas nos projetos educativos para a pequena infância ainda depende de um esforço de consolidação, tanto no campo teórico como no campo das práticas educativas (admitidas as relações entre estas duas dimensões na constituição da Pedagogia). Depende, fundamentalmente, da afirmação do pressuposto de que a formação das crianças e as aprendizagens neste percurso são consequências das relações que elas estabelecem com a realidade social, no âmbito de uma infância determinada e não se resumem a conteúdos escolares descolados da realidade social, restritos a uma “versão escolarizada” [6].
A identificação da exigência de consolidação de uma Pedagogia da Infância vem-se pautando em análises das produções científicas realizadas e de um conjunto de estudos com base empírica [7], produzidos em instituições de educação infantil pertencentes aos sistemas públicos de ensino. Esses estudos apontam para uma relativa insuficiência de solidez em torno de uma teorização pedagógica e de sua correspondente orientação para as práticas educativas voltadas para as crianças, sobretudo em creches e pré-escolas. Outros estudos que realizamos, a exemplo de Albuquerque (2014), Kiehn (2007) e Bonetti (2004), também mostram uma forte indefinição quanto às funções sociais e educativas e os caminhos da ação pedagógica delas decorrentes nos documentos de orientação educativa (ou curricular) e nos cursos de formação de professores para a educação infantil.
Nesta direção é que, em estudos anteriores, temos insistido na necessidade de construção e consolidação de uma Pedagogia própria para a educação das crianças pequenas, considerando as configurações que a infância e as próprias instituições que se tornam corresponsáveis por sua educação passam a assumir contemporaneamente. Falamos numa Pedagogia que se volte para os processos de constituição das crianças como seres humanos concretos e reais, pertencentes a diferentes contextos sociais e culturais, os quais são também constitutivos de suas infâncias.
Os currículos de formação de professores são exemplos da exigência desta construção teórica. Os cursos de Pedagogia [8], voltados para a atuação docente com crianças entre 0 a 10 anos (incluindo a educação de bebês), vêm revelando essa “nova” exigência, sobretudo quando se evidencia a insuficiência teórica presente em seus currículos e na própria formação dos professores do curso. Essa constatação demonstra a necessidade dos cursos de Pedagogia, tanto no que diz respeito aos seus currículos como à formação de seus formadores, de uma maior aproximação com as teorizações em torno da infância, ainda pouco consideradas no âmbito dos fundamentos gerais da Educação. Até mesmo as disciplinas que visam as orientações metodológicas específicas da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental tendem a privilegiar enfoques cognitivistas de caráter transmissivo e individual de ensino, representando, por um lado, uma insuficiência na formação e, por outro, um retrocesso ou simples estagnação teórica. Ao oferecer poucos subsídios teóricos para que professores em formação conheçam criticamente a realidade social da infância, ou seja, subsídios que permitam identificar os determinantes históricos, sociais e culturais que conformam as diferentes infâncias, estes cursos, e consequentemente a formação de que se encarregam, fortalecem uma tradição de orientações de prática educativa com base em parâmetros de verticalidade e hierarquização na relação com as crianças. Estas orientações e práticas, portanto, tendem a segmentar os grupos etários de crianças na organização do espaço e do tempo institucional, reduzindo suas ações a atividades nomeadas como “pedagógicas”, no entanto, limitadas em possibilidades de experiência educativa.
A dificuldade em se instaurar uma consistência da unidade teoria-prática que tome a categoria infância como pressuposto, na formação inicial e continuada, resulta de uma fragmentação já tradicional dos cursos de formação de professores, que separam as disciplinas de fundamentos da educação das de metodologias de ensino (por áreas do conhecimento). Estes cursos vêm-se caracterizando por uma orientação de práticas para o exercício da docência, ainda com pouca tradição de estudos sobre as especificidades da educação de crianças na pequena infância, que muitas vezes não ultrapassam a oferta de disciplinas 'avulsas' no currículo, ou que dão atenção aos aspectos históricos e políticos, mas nem sempre associados às mediações com a prática e comprometidos com indicações educacionais-pedagógicas.
A articulação teórico-prática como eixo formativo para uma Pedagogia da Infância envolve uma dimensão que temos chamado de praxiológica, uma vez que a prática é resultante da reflexão ancorada nos estudos teóricos da infância e sua educação. Ou seja, a prática é fruto da reflexão crítica sobre ela própria, dando contorno para uma ação educativa orientada para as crianças, suas infâncias e contextos sociais.
Neste sentido, podemos dizer que é no âmbito dos cursos de formação inicial e continuada de professores que se revela um processo incipiente de consolidação de uma área, ou subárea, da Pedagogia da Infância, que toma como objeto de preocupação as crianças e sua educação na área das relações sociais e dos processos de apropriação e produção cultural.
Portanto, falar da consolidação de uma Pedagogia da Infância implica considerar o início de um percurso que, - como já afirmamos outras vezes (Sarmento & Cerisara, 2004) - tem como ponto de partida teórico e prático o reconhecimento das crianças enquanto sujeitos que são determinados pelas condições sociais, as quais dão conformação a um complexo acervo linguístico, intelectual, expressivo, corporal, enfim, às bases culturais que constituem sua experiência social (Rocha,1999). Nestes termos, esta consolidação pressupõe a interlocução disciplinar, que extrapola os limites de uma “didática para a educação infantil” ou de uma remissão às “Pedagogias da criança” que, ainda que integrem esta construção disciplinar, revelam ser insuficientes, na medida em que estabelecem uma regularidade e uma padronização pedagógica com base numa concepção universal de criança.
A BUSCA POR UMA CONSOLIDAÇÃO CIENTÍFICA: PRESSUPOSTOS E CAMINHOS
Em continuidade com o que identificamos até aqui, compreendemos que a função
socioeducativa da educação infantil [9] envolve um compromisso com os direitos das crianças numa relação com os projetos educativos voltados para elas, incluindo sua participação e ação no processo de apropriação e produção cultural. Enquanto contexto multirreferenciado pelas experiências dos adultos e das crianças nas relações educativas, a construção de estratégias comunicativas coloca-se como base para o estabelecimento de relações de troca cultural de sentido horizontal de compartilhamento, necessário à compreensão de pontos de vista diferentes, mas que convivem num mesmo espaço e tempo – seja nas situações de investigação, seja nas ações de intervenção socioeducativas.
No entanto, o que as crianças fazem, sentem e pensam sobre a sua vida e o mundo, ou seja, as culturas infantis, não tem um sentido absoluto e autônomo ou independente em relação às configurações estruturais e simbólicas do mundo adulto e tampouco é mera reprodução. As crianças não só reproduzem, mas produzem significações acerca de sua própria vida e das possibilidades de construção da sua existência concreta.
Esses pressupostos acarretam, portanto, uma tomada de posição, sobretudo no que se refere à participação infantil. Deixar as crianças falar não é suficiente para o pleno reconhecimento de sua inteligibilidade, embora nem isso ainda se tenha conquistado no campo científico e da ação. Esse reconhecimento depende de uma efetiva garantia de sua participação social, da construção de estratégias, em especial no âmbito das instituições educativas da qual fazem parte e que têm representado espaço e contexto privilegiados das vivências da infância. A tese defendida por Fernandes (2005), na qual buscou fazer uma análise entre os discursos teóricos sobre o direito à participação das crianças e as representações destas sobre este direito, é elucidativa sobre esta questão quando afirma que os aspectos que condicionam as imagens de infância são distintos. Para a autora,
[...] são inegáveis as competências das crianças para fazerem leituras críticas e distintas dos seus quotidianos e do exercício dos seus direitos, por outro lado, é também inegável a influência das estruturas na forma diversa como estas crianças apresentam tais representações e identificam, explicita ou implicitamente, os poderes que constrangem ou promovem o exercício dos seus direitos (Fernandes, 2005, p.476).
A autora conclui ainda que o direito à participação das crianças no plano legal é muito mais quimérico do que efetivo. De igual modo, Vasconcelos (2010), ao tentar buscar compreender a participação das crianças no plano pedagógico, também anuncia esta dualidade (plano legal e plano da prática social) entre a competência das crianças para participar e aponta alguns dos constrangimentos sociais que interpelam tanto a ação das crianças quanto à dos professores. Corroboram esta afirmação estudos recentes no âmbito da Pedagogia e da Sociologia da Infância, que tratam a participação de crianças pequenas, Agostinho (2010) e Tomás (2011). Nestes trabalhos, aponta-se um abismo conceitual e social entre o que as crianças revelam e o que lhes é possível socialmente.
Fazer da educação um espaço de participação remete para muitos desafios, a começar pela significação das expressões: educação e participação. Segundo Wertetheim e Argumedo (1985, pp. 16-17), a reunião destas palavras exige atenção especial pois:
De um lado, educar significa necessariamente uma ação cujo centro está fora do sujeito. Não se trata apenas de aprender, mas de ser educado, conduzido, guiado, dirigido a realizar certos aprendizados que se consideram válidos. De outro lado, participar, quando se carrega de todo seu significado, implica ter parte nas decisões e não apenas ser informado ou receber parte de alguma coisa. Além do mais, o conteúdo semântico das palavras leva, às vezes, a sucessivas transposições de nível, que confundem ainda mais quando se pretende pensá-las unidas, educar não parece permitir a participação a nível individual senão dentro de certos limites; e as possibilidades de participar diminuem na medida que se considera a realidade social ou pelo menos aparecem condicionantes que restringem e orientam as possibilidades individuais de participação, aparentemente ilimitadas.
A tensão presente entre as expressões educação e participação precisa ser cuidadosamente trabalhada para que não se torne apenas uma utopia e se reduza a um discurso vazio, repetidamente replicado. A educação das novas gerações, e da pequena infância, como todo processo educativo, é social, e constitui-se pelo confronto de lógicas, das crianças entre elas, dos adultos entre eles, e entre ambos, lógicas adultas e lógicas infantis. Nas práticas pedagógicas, no entanto, esse confronto de lógicas ou o diálogo só será preservado na medida em que haja uma intencionalidade educativa nesta direção. A produção partilhada de significados e sentidos, ou seja, de cultura, se efetiva se houver uma pedagogia que dê lugar e construa estratégias de ação para tal. Na formação da criança, não há emancipação pela via do silenciamento, nem pelo controle exacerbado da ação. Ainda que em toda e qualquer prática educativa haja algum controle da ação e alguma subordinação, há também um conjunto de possibilidades de liberdade de expressão, de ação e de participação. Estas possibilidades não estão dadas no repertório de lógicas de ação das pedagogias da infância e vêm exigindo a construção de estratégias permanentes de conhecimento das crianças, com base em diálogos disciplinares.
Nesta direção, o esforço em buscar a contribuição de outras áreas para pensar a educação das crianças pequenas extrapolou as disciplinas que tradicionalmente vinham informando a área da educação infantil, tal como a Psicologia e a Linguagem. Nesse exercício, buscamos aproximação com os estudos da Sociologia da Infância, que passou a estabelecer um novo marco na orientação das pesquisas em nosso grupo, no sentido da reafirmação da criança como partícipe de seus próprios contextos educativos, redefinindo seu lugar na relação adulto-criança, passando a buscar conhecê-las a partir delas mesmas e de suas produções culturais. Daí resultaram várias investigações que enfrentaram o desafio de consolidar análises dos contextos educativos com base na confrontação e diálogo disciplinar, a exemplo das pesquisas de Vasconcelos (2010), Lessa (2011), Buss-Simão (2012) e Schmitt (2014). A revisão retrospectiva da trajetória das pesquisas na área da infância e educação e, particularmente, na área da educação infantil que temos frequentemente realizado, permite destacar o fortalecimento dos diálogos possíveis:
Em primeiro lugar, esse avanço se concretizou a partir da abertura científica para colaborações disciplinares e teóricas na direção da consolidação de uma ciência da educação que tem como foco os processos educativos que envolvem as crianças pequenas considerando sua concretude social e cultural (Rocha & Buss-Simão, 2013, p.953).
Esta aproximação reforçou ainda mais nossa compreensão sobre a necessidade de uma maior interlocução disciplinar para a construção teórica em torno de uma Pedagogia da Infância ainda não consolidada a ponto de orientar claramente a formação e as práticas educativas. Esta construção teórica tampouco se constitui ou pretende se constituir como uma teoria independente, tal como por vezes é compreendida. Mas representa uma área em constituição que permite congregar conceitualizações em torno de um mesmo objeto e abre possibilidades para uma imaginação pedagógica, que tome como fundamento os direitos das crianças e as suas produções culturais, orientando projetos educativos pautados pelo diálogo e pela mediação, no adensamento e diversificação das experiências infantis. É, pois, necessária, uma área de estudos e pesquisas que tome como pressuposto a necessidade de conhecimento sobre as crianças, incluindo as estratégias pedagógicas com elas, a observação e o registro sistemático para um permanente diálogo com as lógicas infantis, de forma a projetar uma ação em torno do adensamento, da diversificação de uma experiência significativa.
A auscultação das crianças implica desdobramentos na prática pedagógica que, associada ao conhecimento sobre os contextos educativos, permite o permanente dimensionamento das orientações e das práticas educativo-pedagógicas dirigidas a elas. A aproximação às crianças e às infâncias concretiza um encontro entre adultos e a alteridade da infância e exige ainda que eduquemos o nosso olhar, para rompermos com uma relação verticalizada, passando a constituir uma relação na qual adultos e crianças compartilham amplamente sua experiência de viver parte de suas vidas nas creches e pré-escolas.
Neste sentido, a definição de projetos educacionais pedagógicos exige tomar as crianças como fonte permanente e privilegiada da orientação da ação, base para a confrontação de lógicas.
Nesse processo, os estudos sociais da infância colocam como desafio a superação de um adultocentrismo, ou seja, a superação de uma determinada cultura adulta sendo tomada como padrão superior e predominante para entender os processos educativos na infância. E ainda o desafio de compreender a infância num sentido mais amplo que a sua redução a uma categoria universal que, como qualquer pretensão de universalização, tende a padronizar os comportamentos e as culturas infantis. Enfim, o desafio de atribuir representatividade e legitimidade, tanto a aspectos de homogeneidade como de heterogeneidade na constituição das crianças e dos seus diferentes modos de viver a infância.
Esta perspectiva vem sendo reconhecida também entre estudiosos da Sociologia da Infância. Em recente publicação no Brasil, Sarmento (2015) indica, entre os modelos paradigmáticos da educação infantil, um quarto modelo:
d) finalmente, a orientação dos direitos da criança como configuradora da educação da infância, associando a educação ao cuidado e promovendo uma 'pedagogia da educação infantil' (Rocha, 2002) centrada nos processos de auscultação das crianças e na promoção da cidadania da infância (Sarmento, 2015, pp. 74-75).
O estabelecimento desta profícua relação disciplinar em que se inter-relaciona o conhecimento sobre as crianças e sobre a constituição da infância no âmbito das relações sociais e o conhecimento sobre as relações educativas com as crianças, numa perspectiva indicativa das implicações pedagógicas para contextos educacionais específicos (no caso, creches e pré-escolas), apresenta inúmeros desafios, como temos afirmado:
Mesmo sendo resultado da consolidação dessa área, sobretudo a partir do fortalecimento das relações internacionais dos programas de pós-graduação e, da própria demanda científica por uma maior articulação disciplinar para o estudo da educação na infância, a perspectiva de colaboração disciplinar para uma compreensão mais articulada dos processos sociais e culturais que determinam a infância ainda está longe de ser hegemônica, mas esse crescimento vem acompanhado de mudanças conceituais na área (Rocha citado por Nascimento, 2013b, p. 113).
Em pesquisa recente que realizamos sobre a produção acadêmica da Região Sul do Brasil, encontramos um surpreendente crescimento quantitativo das pesquisas sobre a educação das crianças (na educação infantil, mas não só), que tomam como base teórica referências sociológicas, especialmente no âmbito da Sociologia da Infância. Deste conjunto de pesquisas analisadas [10] porém,
[...] podemos afirmar que poucas conseguem superar a abstração das marcas sociais e culturais de classe, etnia e gênero da infância, tomando a infância por vezes apenas como um coletivo genérico, poucas vezes analisando-a de forma multirreferencial. Limites metodológicos e analíticos têm mantido um apagamento dos pertencimentos socioculturais, e mesmo quando os propósitos das pesquisas é o estudo das culturas e produções infantis, os investigadores mantêm uma referência às crianças, sem sua identificação sexual ou étnica (Rocha & Buss-Simão, 2013, p.953).
Compreendemos que estas dificuldades podem estar relacionadas com o próprio fortalecimento de uma interlocução disciplinar, que nos remete para campos exteriores àquele no qual temos uma trajetória de base, no caso, a Educação. Estes diálogos constituem uma tarefa complexa, pois, além de esbarrar em fronteiras relativas às escolhas teóricas no interior de cada área, exigem aproximações com percursos de áreas alheias e apropriações de conceitos teóricos até então desconhecidos ou pouco familiares (Rocha & Buss-Simão, 2013).
No processo de consolidação de uma Pedagogia da Infância, a construção de pressupostos teórico-práticos para a educação da pequena infância tem exigido abrir novos aprofundamentos e interlocuções. Dentre eles, o aprofundamento da necessidade de conhecer do que e como se constitui a experiência das crianças nesses espaços educativos, de forma que também temo-nos confrontado com o conceito de experiência, sobretudo na interlocução e diálogo com a Filosofia, a História e Sociologia e na perspectiva das relações sociais em contextos educativos, de forma a dar atenção aos processos de socialização nestes espaços educativos.
DIÁLOGOS EM TORNO DOS PROCESSOS DE SOCIALIZAÇÃO E EXPERIÊNCIA NOS CONTEXTOS EDUCATIVOS
O esforço de análise [11]
das relações educativas, com atenção aos contextos de pertencimento das
crianças e ao cruzamento de lógicas de ação, exige, conforme dissemos, o
diálogo disciplinar. Em especial, os modos de relações sociais nos contextos
educativos têm-nos levado a um aprofundamento sobre os processos de
socialização, visando superar a perspectiva centrada na relação verticalizada e
hierarquizada, portanto, de caráter eminentemente impositivo e coercitivo.
Entretanto, uma noção de socialização que engloba algo até então
desconsiderado, a ideia de que “as crianças têm algo original a dizer,
socializam-se ao longo de uma relação dialógica com o mundo à sua volta” (Silva
& Nunes, 2002, p. 22), é uma noção um tanto cara para uma Pedagogia da
Infância. Nesta perspectiva, que toma as crianças como atores sociais plenos,
os planos da ação e da estrutura entram em relação e não em oposição, ou seja,
ao mesmo tempo em que as crianças se socializam entre si, elas também são
vistas e compreendidas na relação com outras gerações e na relação com as
estruturas sociais.
A contribuição decorrente da ampliação da ideia de socialização subsidia o fortalecimento das bases teórico-práticas da ação docente na educação da infância, bem como possibilita indicativos de uma participação efetiva das crianças, na busca por retirá-las da posição periférica, ou, da posição de subalternidade frente às discussões pedagógicas que lhes dizem respeito.
Na pesquisa “Relações sociais em um contexto de educação infantil: um olhar sobre a dimensão corporal na perspectiva de crianças pequenas”, Buss-Simão (2012) revela-nos a importância desta concepção relacional de socialização para o reconhecimento e legitimação das ações e relações das crianças e dos conhecimentos que elas mobilizam ao interagirem quotidianamente, entre pares e também com os adultos, os quais constituem as relações educativas. Perfazendo uma incursão nos espaços-tempos institucionais, a pesquisa revela indícios dos repertórios de competências sociais, relacionais, práticas corporais e discursivas que as crianças são capazes de mobilizar ao se confrontarem com uma lógica estrutural adulta, como também com as diferentes lógicas de seus pares. Atenta às relações sociais, em particular, às relações sociais durante os momentos de sono na instituição de educação infantil, Buss-Simão (2012) põe em evidência esse repertório de competências sociais na organização espaço-temporal, pensada e legitimada pelos adultos. A análise da pesquisa mostrou que, por um lado, as crianças vão-se apropriando de uma ordem institucional adulta, reproduzindo-a junto aos seus pares, ao mesmo tempo em que também elas fazem uso seletivo desses conhecimentos criando e incluindo elementos, qualitativamente diferentes, dando emergência a uma ordem instituinte das crianças [12], nas quais, na relação com os adultos, vão produzindo significados sociais e culturais. Nesta perspectiva, partindo de Goffman, acerca de suas noções de ajustamentos primários e secundários, a pesquisa indica que:
por meio dos vários ajustamentos secundários evidenciados na organização dos espaços, sobretudo no tempo das crianças, mas também na rotina do sono, efetivada no tempo dos adultos, é possível salientar que as crianças são exímias em trabalhar o sistema (Goffman, 1961). O que significa reconhecer que elas têm um profundo conhecimento do seu funcionamento, como destaca Giddens (2000) “as instituições não funcionam apenas ‘por detrás’ dos actores sociais que as produzem e reproduzem. Todo membro competente de qualquer instituição sabe bastante sobre as instituições” (p. 46). É com base nessa capacidade das crianças de, ao mesmo tempo reproduzir, mas, também produzir e inserir elementos, qualitativamente diferentes, no mundo adulto, que se entende que a ordem institucional, ao mesmo tempo em que constrange as atividades das crianças, também fornece bases para a introdução de elementos qualitativamente diferentes. Como define Giddens (2000): “a estrutura não deve ser concebida como uma barreira para a acção, mas sim como encontrando-se envolvida na sua produção” (p. 44).
A investigação de Buss-Simão (2012) mostrou que as crianças apontam possibilidades reais de gerarem atividades ou organizações novas e qualitativamente diferentes, na busca por se afirmarem perante os enquadramentos primáriosdefinidos pela ordem institucional adulta. Essa possibilidade somente é admitida quando se concebe o processo educativo e sua aproximação a uma perspectiva de socialização em que as crianças são consideradas atores sociais plenos que socializam também nas relações que estabelecem entre si. Ao mesmo tempo, sem desconsiderar que elas igualmente socializam nas relações que estabelecem com as demais gerações que compõem a estrutura e as diferentes ordens sociais e culturais.
Reconhecer essa forma de socialização tem sido nosso esforço nas análises das relações educativas, todavia, isso implica também compreender a complexidade desse processo de socialização, o qual revela:
[...] assim como destaca Dubet (1994, p. 137) que as crianças percorrem um espaço de lógicas de ação em circulação, ou seja, “tudo ao mesmo tempo”, compondo arranjos ou produtos das experiências sociais. [...] uma combinação de ações, em que, ao mesmo tempo, as crianças agem num sentido das lógicas de integração aderindo à ordem institucional adulta [...] em outras situações as crianças agem num sentido das lógicas estratégicas, apontando para interesses que entram em conflito com essa ordem institucional, a exemplo de quando, estrategicamente, aproveitam a ausência dos adultos, no momento da higiene, para usar os espaços dos colchões para realizar coisas que gostam de fazer. E ainda, em outras situações, agem num sentido de subjetivação compondo uma lógica de ação que traz elementos qualitativamente diferentes à ordem institucional adulta (Buss-Simão, 2012, p. 177).
Nesse sentido, para se compreender a complexidade do processo de socialização que propomos em nossas análises, é fundamental considerar a própria noção de experiência social, um conceito que tanto pode ancorar-se na sociologia da experiência, de François Dubet, como na filosofia histórica, de Walter Benjamin. Quando mencionamos em proporcionar, integrar, ampliar, garantir, articular experiências (DCNEI, 2009) que sejam significativas às crianças, qual a raiz teórica da noção de experiência? Por um lado, a partir de Dubet, compreendemos a experiência social como as “[...] condutas individuais e coletivas dominadas pela heterogeneidade dos seus princípios constitutivos, e pela actividade dos indivíduos que devem construir o sentido das suas práticas no próprio seio desta heterogeneidade” (1994, p. 15). Por outro lado, a perspectiva filosófico-histórica benjaminiana nos leva a questionar se é possível pensar numa experiência infantil? Como o autor, - que escreve sobre a experiência e, fundamentalmente, uma experiência da infância, seja ela narrada por meio da experiência de sua própria infância, seja por meio da transmissão de experiência por meio de narrativas radiofônicas para crianças - poderia nos ajudar a pensar a experiência na infância? A questão que nos desafia é, na área da infância, e particularmente no contexto nacional em que viemos pautando nossas pesquisas, a definição das propostas educativas para a infância deve tomar como eixos norteadores interações e brincadeiras que busquem como horizonte garantir experiências que: “promovam o conhecimento de si e do mundo por meio da ampliação de experiências sensoriais, expressivas, corporais” que “possibilitem às crianças experiências de narrativas” (Brasil, 2009).
Ainda que Benjamin não desenvolva uma teoria sobre a infância, este autor nos deixa contributos para a teorização acerca da infância e de sua educação. Apesar de escrever fragmentadamente e por meio de variadas expressões literárias, que nos remetem para um pensamento imagético, podemos encontrar nos escritos benjaminianos uma concepção de infância como o lugar em que reside a capacidade de reconhecer o novo. É na infância, pois, que reside a capacidade de estranhar-se e introduzir esse novo estranho no espaço simbólico.
Ao relacionar-se com a memória, a experiência benjaminiana também não nega a relação vertical própria da experiência, não nega aquilo que é passado de geração em geração, aquilo que tem o peso da tradição. Ao mesmo tempo, por se situar no âmbito da transmissão geracional, a experiência concebida por Benjamin nos permite relacionar seu conceito com a Educação. E a experiência na perspectiva vertical é a transmissão de histórias pela narração:
[...] ela sempre fora comunicada pelos mais velhos aos mais jovens. De forma concisa, com a autoridade da velhice, em provérbios; de forma prolixa, com a sua loquacidade, em histórias; às vezes como narrativas de países longínquos, diante da lareira, contadas a filhos e netos (Benjamin, 2012, p. 123).
Neste sentido, a experiência é, portanto, aquilo que pode ser transmitido de geração em geração, e esta ideia nos leva a equacionar o ato de transmitir como um ato educativo, formativo, ou seja, nesta perspectiva, a experiência está no cerne da formação humana. Aqui, neste momento da reflexão, lembramos dos livros infantis, das fábulas, que ainda sobrevivem na infância e que nos remetem para a tradição, a narração, a experiência. Fábulas de bruxas, de personagens típicos de uma dada cultura, figuras e fatos misteriosos que rondam a história, aparecem como possibilidades de experiência e fornecem pistas que garantam a possibilidade de experiência na infância contemporânea.
As massas, a massificação das informações, das imagens, e a produção em série da indústria cultural têm o poder de alcançar a formatação das subjetividades, de produzir a subjetividade, de aniquilar a experiência. A fábula não se externaliza do sujeito, a fábula media uma relação entre pensamento e linguagem, assim como a arte: ao ouvir contos, a criança-ouvinte perlabora o que ouve na sua imaginação, cria imagens, transforma em ação mimética, mimetisa e cria memória. Assim, entendemos como funciona o conceito de experiência em Benjamin e o relacionamos com a possibilidade de experiência infantil na educação da infância.
O conceito de experiência tem-se apresentado com intensidade nas discussões da infância. No trecho que se segue, encontramos a experiência na definição do que vem a ser o currículo para a infância nas políticas para a educação infantil: “Conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico” (Brasil, 2009, grifos nossos). Nesta direção, o percurso realizado até então indica-nos a necessidade de um aprofundamento do conceito de experiência relacionando-o com a experiência educativa na pequena infância.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Se ainda não se tem uma Pedagogia da Infância consolidada, a ponto de orientar
claramente a formação e as práticas educativas, dependemos também de um
fortalecimento dos diálogos disciplinares para esta construção, num esforço que
exige confrontação conceitual e redefinições semânticas. A limitação do uso de
termos vinculados a perspectivas educacionais conservadoras constrange a
construção de possibilidades educativas. Exemplo disso pode-se ver em usos que
se tem feito em torno da noção de aprendizagem, já suprimida e despolarizada da
ideia de ensino, porém, esvaziada de sentido. Nesta direção, percebemos que a
noção, ainda que despolarizada, continua a carregar em si uma semântica que
está vinculada a conservadorismo a ponto que acaba por reduzir os direitos das
crianças, nos seus sentidos mais amplos, a direitos a aprendizagem, limitando o
sentido educativo a aprendizagens específicas. Ou seja, mantém uma tradição
escolar de reduzir a formação cultural a versão escolar de conhecimento.
Permanece, ainda, no âmbito pedagógico, uma concepção restrita de
desenvolvimento e aprendizagem, centrada em concepções clássicas e
conservadoras de socialização e na criança individual e universal.
A aproximação com a interlocução disciplinar (os processos de socialização, dando ênfase ao confronto de lógicas, e a questão da experiência) tem indicado a necessidade de uma recolocação e de uma ressignificação do sentido que escola, ensino e aprendizagem têm assumido quando não rompem com essas concepções clássicas e conservadoras.
A responsabilidade de dirigir o desenvolvimento da ação educativa envolve, para nós, um compromisso com o desenvolvimento e a aprendizagem das crianças a partir da ampliação das experiências, sem o caráter de uma finalidade cumulativa ou de terminalidade em relação à elaboração de conceitos.
A crítica que temos definido como antecipação da escolarização não se identifica, como vimos até aqui, com qualquer negação da função de formação intelectual das crianças e da apropriação de outros saberes, mas exige uma centralidade no adensamento e diversificação das experiências infantis.
Optamos por uma imaginação pedagógica que dê conta das demandas contemporâneas em torno desses pressupostos - da horizontalidade da relação educativa, das crianças como partícipes dessa relação, dos direitos das crianças, de um projeto educativo que estabeleça a mediação entre as culturas infantis e a cultura mais ampla. Tal é necessário para compreender o processo educativo como parte de um contexto mais amplo que se dá no âmbito de um processo de relação social, de cultura e de socialização.
Isso também tem relação com uma leitura e análise de qual função educativa têm essas instituições na contemporaneidade, pois não nos parece razoável que retomemos as bases de um modelo educativo que tenta responder às demandas sociais e educativas de um outro momento histórico. De novo, afirmamos que nosso entendimento e nosso posicionamento prescinde do diálogo disciplinar. Como já afirmamos em outro momento (Rocha & Buss-Simão, 2013), mesmo sendo esse um caminho sem volta, precisamos estar alerta para os riscos de superficializações e generalizações, especialmente com relação às contribuições vindas das Ciências Sociais. O interesse em conhecer as crianças e sua infância coloca, para a pesquisa educacional, mais um outro passo que, às vezes, pode exigir uma volta para casa, em um permanente processo de busca que permita apontar para a urgência da ação e possibilidades de uma ação educativa mais respeitosa, de uma formação humana que dê espaço para a criação e a originalidade, próprias das novas gerações.
REFERÊNCIAS
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Contacto: Eloisa Acires Candal Rocha, Centro de Ciências da Educação da Universidade
Federal de Santa Catarina - CED/UFSC, Cep: 88034-102 Florianopolis/ SC/Br, Rodovia Amaro
Antonio Vieira 2740, ap. 107C., Florianópolis, Brasil / eloisa.rocha@ufsc.br
Juliana Schumacker Lessa, Universidade em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina PPGE/UFSC, SC CEP 88062-201, R. Laurindo Januário da Silveira, 3203, ap. 302 - Lagoa da Conceição, Florianópolis, Brasil / juliana.lessa@ufsc.br
Márcia Buss-Simão, Universidade do Sul de Santa Catarina - PPGE/UNISUL, SC.
CEP. 88.036-135., PPGE-Unisul. Rua Europa 370, ap. 1144 Bairro Trindade. Florianópolis,
Brasil /marcia.simao@gmail.com
(recebido em outubro de 2015, aceite para publicação em janeiro 2016)
NOTAS
[1]
Referimo-nos aqui à produção do Núcleo de Estudos e Pesquisa da Educação na
Pequena Infância - NUPEIN/UFSC/CNPq, anteriormente denominado NEE0a6,
especialmente a partir de Rocha (1999
[2]O
referido artigo se intitula: O “ofício de criança”:definição social da
primeira infância e funções diferenciadas da escola maternal.
[3]O referido artigo se intitula: A educação
infantil e a questão da escola: o caso da França.
[4] Para
maiores informações ver: Cadernos de Pesquisa - Fundação Carlos Chagas, n. 31
(1979).
[5] É
importante esclarecer que o que estamos considerando aqui como estudos sociais
da infância engloba um conjunto de estudos e pesquisas que vêm sendo
desenvolvidos e difundidos num âmbito tanto nacional, como internacional e que
têm como eixo temático comum as infâncias e os determinantes sociais que as
configuram e as diferenciam. O diálogo com estes estudos foi iniciado,
particularmente, com os pesquisadores do Instituto de Estudos da Criança, da
Universidade do Minho em Portugal (IEC/UMINHO) e da Faculdade de Educação da
Universidade do Porto, também em Portugal (FE/UPORTO). Num primeiro momento,
ainda incipiente, estes estudos deram emergência a uma área de pesquisa
denominada de Sociologia da Infância. Posteriormente, com o diálogo destes
pesquisadores com outras pesquisas, sobretudo localizadas no contexto anglo-saxão,
o conjunto destes estudos vem-se definindo como “estudos sociais da infância”,
já configurando um momento de crítica aos estudos da própria área.
[6] Uma 'versão
escolar do conhecimento' compreende a forma fragmentada e parcializada que o
conhecimento toma ao ser traduzido para o currículo e o ensino na escola
(Rocha, 1999).
[7] A
exemplo de Schmitt (2008; 2014), Vasconcelos (2010), Duarte (2011), Lessa
(2011), Buss-Simão (2012), Bezerra (2013), Gaudio (2013); Mafra (2015). Estas
pesquisas podem ser localizadas no endereço eletrônico da Biblioteca
Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina: http://portal.bu.ufsc.br/.
[8] No Brasil, os cursos de Pedagogia formam, indistintamente, docentes para atuação na creche, na pré-escola e nos anos iniciais do ensino fundamental.
[9] É importante esclarecer que, por função social da educação infantil, estamos entendendo a especificidade da educação de crianças pequenas, que, ainda que tenha uma função de complementaridade relativamente às ações da família, tal como está previsto na legislação nacional - Constituição de 1988 e Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/1996) - tem uma função diferente tanto da escola, como da família, como também de outras instâncias que se preocupam com a criança ou voltadas para ela. Neste sentido, entendemos como função social da educação infantil a demarcação e cumprimento da ampliação, diversificação e sistematização das experiências infantis a partir de uma intencionalidade pedagógica, tal como afirmamos outras vezes (ROCHA, 2010).
[10] O levantamento da produção acadêmica relacionada com o tema educação e infância, no âmbito dos programas de pós-graduação em Educação da Região Sul do Brasil - Paraná, Santa Cataria e Rio Grande do Sul - nos últimos cinco anos (2007-2011), localizou um total de 169 pesquisas, sendo 26 teses e 143 dissertações entre os três estados que compõem a região. Cf. Rocha & Buss-Simão (2013). Infância e educação: novos estudos e velhos dilemas da pesquisa educacional. Educação e Pesquisa. 39(4), 943-954.
[11] No decorrer dos últimos 5 anos, algumas pesquisas foram desenvolvidas no NUPEIN aprofundando, especificamente, questões pertinentes aos processos de socialização em contextos de creches e pré-escolas, tais como as teses de Agostinho (2010), Coutinho (2010), Buss-Simão (2012) e a de Schmitt (2014); e as dissertações de Vasconcelos (2010), Lessa (2011), Gaudio (2013) e a de Mafra (2015).
[12] Conceito elaborado por Denzin (1977) e utilizado por Ferreira (2002), que é decorrente da adoção de uma ordem social adulta, ou também um contraponto ou confronto a essa ordem adulta, da qual emergem regras, princípios, rotinas de ação no interior do grupo de crianças.