ARTIGOS
Leitura - Dificuldades de aprendizagem,
ensino e estratégias para o desenvolvimento de competências
Marco Ferreira I; Inês Vasconcelos HortaII
I Faculdade de
Motricidade Humana - Universidade de Lisboa marcoferreira@fmh.ulisboa.pt
II Psicóloga Educacional
- ISPA, Instituto Universitário vasconcelos.ines@gmail.com
O domínio da leitura é de extrema importância para as aprendizagens escolares. Um
número significativo de alunos apresenta, no entanto, dificuldades de
aprendizagem específicas (DAE) ao nível da leitura, que interferem com o
processo global de ensino e aprendizagem. O presente artigo pretende rever os
factores associados às DAE de leitura e apresentar estratégias que promovem o
ensino eficaz e o domínio desta competência, nomeadamente, ao nível da
consciência fonémica e da fluência da leitura, indicando metodologias e
actividades que podem ser desenvolvidas em contexto de sala de aula. Palavras-chave:
dificuldades de aprendizagem específicas, aprendizagem da leitura, consciência
fonémica, fluência da leitura, estratégias para o ensino da leitura.
Abstract The mastery of reading is extremely important for
scholar acquisitions. However a significant number of students present specific
learning disabilities in reading processes, which interfere with the overall
process of teaching and learning. This article aims to review the factors
associated with specific learning disabilities in reading processes and suggest
strategies to promote effective teaching, namely, at phonemic awareness and
reading fluency levels, indicating methodologies and activities that can be implemented
in the classroom. Key-words:
specific learning disabilities, learning of reading, phonemic awareness, reading
fluency, strategies for the teaching of reading.
Résumé La maîtrise de la lecture est extrêmement importante
pour l'apprentissage scolaire. Un nombre important d'étudiants présente,
cependant, des troubles spécifiques d’apprentissage au niveau de la lecture,
qui interfèrent avec le processus global d'enseignement et d'apprentissage. Cet
article vise à examiner les facteurs associés aux troubles spécifiques
d’apprentissage au niveau de la lecture et à présenter des stratégies qui
favorisent un enseignement efficace et la maîtrise de cette compétence, en
particulier au niveau de la conscience phonémique et la fluence en lecture,
indiquant des méthodologies et des activités qui peuvent être développées dans
le contexte de salle de classe. Mots-clés:
difficultés spécifiques d'apprentissage, apprentissage de la lecture,
conscience phonémique, fluence en lecture, stratégies pour enseigner la lecture.
Cruz
(2007) refere que é necessária a distinção entre os problemas de aprendizagem
da leitura gerais e específicos. As actividades gerais são resultantes de
factores exteriores ao individuo ou inerentes a ele. No primeiro caso podem derivar
de situações desfavoráveis à aprendizagem normal da leitura, tais como:
relações familiares perturbadas, meio sócio-económico e cultural desfavorecido,
pedagogia e didácticas inadequadas, entre outras. No segundo caso, quando se
trata de alguma deficiência(s) manifesta(s). As dificuldades específicas na
aprendizagem da leitura assentam ao nível do plano cognitivo e neurológico, não
existindo uma razão evidente para as alterações que se observam no acto de
ler. Heaton
e Winterson (1996) sugerem a existência de causas visíveis (dificuldades
gerais) e desvantagens escondidas (dificuldades específicas) para os atrasos na
leitura, como apresentado na figura seguinte.
Podemos
observar que as dificuldades gerais parecem estar ligadas a seis tipos de factores:
baixa inteligência, escolaridade inadequada ou interrompida, desvantagem
sócio-económica, deficiência física, desordem neurológica. Estes factores,
isoladamente ou em combinação, revelam-se num conjunto de comportamentos, entre
os quais se encontra a leitura. Relativamente
às dificuldades de aprendizagem específicas, Correia (2005; 2008) refere que
dizem respeito à forma como um indivíduo processa a informação, tendo em conta
as suas capacidades e o conjunto das suas realizações. Segundo o mesmo autor as
dificuldades de aprendizagem específicas podem manifestar-se nas áreas da fala,
da leitura, da escrita, da matemática e/ou da resolução de problemas,
envolvendo défices que implicam problemas de memória, perceptivos, motores, de
linguagem, de pensamento e/ou metacognitivos. Acrescenta ainda o autor que
estas dificuldades não resultam de privações sensoriais, de deficiência mental,
de problemas motores, de défice de atenção, nem de perturbações emocionais ou
sociais, podendo, no entanto, ocorrerem em concomitância com estas patologias. Assim,
as dificuldades de aprendizagem específicas (DEA) poderão criar alterações mais
ou menos incompreensíveis na aprendizagem da fala, da leitura, da escrita, do
raciocínio, bem como noutros aspectos da vida diária, podendo prolongar-se na
adolescência e na vida adulta (Ferreira, 2001). Os
indivíduos com DAE constituem um grupo de difícil definição. Em geral,
caracterizam-se por uma discrepância acentuada entre o potencial cognitivo
estimado do indivíduo e a sua realização escolar, situando-se o seu desempenho
abaixo da média numa ou mais áreas académicas, mas nunca em todas (Cruz, 2009). Relativamente
à leitura, o seu domínio é de extrema importância para as aprendizagens
escolares. Quando este domínio não é atingido, determina dificuldades de
aprendizagem de âmbito mais geral (Hallahan, Kaufman & Lloyd, 1999; Lerner,
2003). Fletcher,
Lyon, Fuchs e Barnes (2007) referem que a literatura tem apontado para a
existência de, pelo menos, quatro factores que adiam o desenvolvimento da
leitura, independentemente, do nível socioeconómico e etnia do individuo. Estes
factores envolvem défice na consciência fonémica e no desenvolvimento do
princípio alfabético, défice na aquisição de estratégias de compreensão da leitura
e sua aplicação, défice no desenvolvimento e manutenção da motivação para
aprender a ler e a inadequada preparação dos professores. Assim,
qualquer indivíduo com défice ao nível da consciência fonémica - habilidade
para percepcionar, identificar e manipular os sons (fonemas) da língua falada -
tem dificuldades em relacionar os sons da fala com as letras, fazendo com que
os processos de descodificação sejam morosos, tornando a leitura num processo
lento e de difícil acesso à compreensão. De facto, a maioria das dificuldades
de leitura pressupõe dificuldades nos processos de descodificação e de
reconhecimento de palavras, associados normalmente a défices na consciência
fonémica e a atrasos no desenvolvimento do princípio alfabético (Cruz, 2007).
Mas a consciência fonémica não é condição só por si suficiente para a
aprendizagem da leitura. Com
efeito, a aprendizagem da leitura implica também a compreensão do significado
dos sons que estão a ser descodificados. Esta competência pressupõe, pelo
menos, três princípios: a fluência da leitura, o conhecimento do vocabulário e
o conhecimento acerca do conteúdo (Cruz, 2007). Quando
não se consegue extrair o significado do que foi lido, verifica-se uma
dificuldade na compreensão leitora. Esta dificuldade pode levar a um défice no
desenvolvimento e manutenção da motivação para aprender a ler (Fletcher, Lyon,
Fuchs & Barnes, 2007), o que, por sua vez, pode levar a comportamentos de
recusa, que se irão reflectir na aprendizagem da leitura, pois o sucesso nesta
tarefa passa pela sua prática sistemática (Ferreira, 2001). As
dificuldades dos alunos variam em grau e intensidade, pelo que é importante
conhecer e caracterizar quer o tipo de dificuldades que podem surgir, quer o
tipo de leitores que essas dificuldades originam, pois esta caracterização é
fundamental para o delinear do processo de intervenção pedagógico-terapêutico
(Ferreira, 2001). Spear-Swerling
e Sternberg (1996) mostraram como as dificuldades na leitura têm implicações no
seu processo de aquisição normal. Apresentam quatro modelos diferentes de
dificuldades na leitura: leitores não alfabéticos, leitores compensatórios,
leitores não automáticos e leitores tardios. Consideram-se
leitores não alfabéticos os leitores que se desviam do caminho normal de aquisição
da leitura logo na sua primeira fase (reconhecimento de palavras por via
visual), não tendo assim nenhum conhecimento acerca dos princípios alfabéticos.
São considerados muito limitados, as suas habilidades de reconhecimento de
palavras são muito pobres, a sua compreensão de leitura é muito lenta e podem
mesmo ser leitores não alfabéticos em adultos. Estes leitores só reconhecem um
número reduzido de palavras e não conseguem ler palavras novas (Morais, 1997).
Os leitores não-alfabéticos são incapazes de utilizar as regras de
correspondência grafema-fonema, tendo muita dificuldade na operação de
descodificação dos signos escritos nos seus correspondentes fonológicos, o que
implica distinguir letras, segmentar palavras e combinar os sons para produzir
palavras (Lopes, 2005). Os
leitores compensatórios alcançam um conhecimento alfabético e um conhecimento
do princípio alfabético, pelo que podem fazer um uso parcial das pistas
fonéticas para reconhecer as palavras (Spear-Swerling & Sternberg, 1996).
Este tipo de leitores pode também adquirir algum conhecimento ortográfico,
embora não atinjam um nível suficiente para descodificar as palavras na sua
totalidade. Começam, desde muito cedo, a “adivinhar” as palavras que aparecem
nos textos, atitude que deriva, essencialmente, da incapacidade de
reconhecimento automático de palavras, da ansiedade face à tarefa e da
motivação para evitar o insucesso. Estes leitores tendem a utilizar outras
habilidades, como o reconhecimento visual da palavra ou habilidades contextuais,
para compensar as fracas habilidades de descodificação das palavras,
apresentando ainda algumas debilidades na compreensão da leitura
(Spear-Swerling & Sternberg, 1996). Os
leitores não automáticos conseguem descodificar as palavras de um modo preciso,
mas apenas com enorme esforço. Tal como os leitores compensatórios, estes
leitores podem utilizar o contexto da frase para aumentar a velocidade de
reconhecimento da palavra, mas essa possibilidade torna-se numa dificuldade uma
vez que é feita com prejuízo na compreensão (Cruz, 2007). A diferença essencial
entre os leitores compensatórios e os não automáticos reside na eficácia do
reconhecimento de palavras pelos leitores não automáticos. Em termos teóricos,
é possível afirmar que os leitores não automáticos têm interiorizado, ainda que
de uma forma pouco segura e consistente, o denominado princípio ortográfico
(Morais, 1997). A
leitura ortográfica permite que o leitor faça um reconhecimento das palavras
escritas com base numa categorização dos elementos que a constituem (as letras
ou estruturas maiores que a letra). Este tipo de leitura pressupõe a
constituição de um léxico mental ortográfico, onde representações desta
natureza se encontram armazenadas (Morais 1997). Estes leitores poderão
desenvolver uma difícil relação com a leitura, sendo muito provável que apesar
de minimamente aptos para ler textos, não tenham normalmente prazer de o fazer.
Contudo, é possível que o façam com textos que versem temas que lhes sejam
familiares e cujo vocabulário seja relativamente restrito. Os
leitores tardios constituem o grupo de indivíduos com dificuldades na leitura,
que com um grande esforço e uma velocidade menor do que os leitores com um
rendimento normal, conseguem adquirir as habilidades necessárias para reconhecer
as palavras de um modo preciso e automático (Spear-Swerling & Sternberg,
1996). Estes leitores desviam-se do caminho para a leitura proficiente na fase
de reconhecimento automático das palavras. Embora “saibam ler” revelam níveis de
fluência leitora inferior ao que seria esperado para o seu grupo etário. Ora,
numa sociedade em que as exigências de literacia não cessam de aumentar e em
que os suportes informativos apresentam formas cada vez mais variadas, torna-se
difícil, a estas pessoas, acompanharem os desenvolvimentos socioculturais onde
estão inseridos, por incapacidade de lidar com a informação escrita (Morais,
1997). Para
Cruz (2007) existe ainda um outro grupo de leitores, os leitores suboptimais.
Estes, não são considerados como leitores com dificuldades de leitura porque o
seu rendimento não está suficientemente debilitado. Estes leitores desviam-se
do caminho da aprendizagem proficiente na fase de aprendizagem da leitura
estratégica, conseguindo, desta forma, adquirir um reconhecimento automático
das palavras e um uso efectivo de, pelo menos, algumas estratégias de
compreensão, falhando porém nos níveis superiores de compreensão (Cruz, 2007). Foi
anteriormente referido como factor de adiamento da aprendizagem da leitura a
falta de preparação dos professores (Fletcher, Lyon, Fuchs & Barnes, 2007),
o que poderá conduzir à desvalorização das primeiras dificuldades apresentadas
pelas crianças, precisamente porque aprender a ler e a escrever é uma tarefa
complexa. Sabe-se que uma em cada três crianças experimenta significativas
dificuldades na aprendizagem da leitura (Shaywitz, 2006) e que um número
elevado de alunos com dificuldades de leitura no final do 9º ano de
escolaridade apresentava já dificuldades no final do 1º ciclo do ensino básico
(Shaywitz, 2008). Desta forma, se for dada a devida atenção às dificuldades
iniciais, para além do processo de intervenção ser mais fácil, as repercussões
sobre outras aprendizagens serão menos valorizáveis. A investigação tem vindo a
demonstrar que o atraso no processo de intervenção, à espera que as
dificuldades sejam, por si só, ultrapassadas, sem uma intervenção eficaz e
atempada, conduz um número cada vez maior de crianças para um trilho
irreversível de insucesso escolar. Assim, importa rever quais as estratégias
para um ensino da leitura eficaz.
Tal
como referido anteriormente, défices na consciência fonémica e na compreensão
da leitura são alguns dos aspectos ligados às dificuldades na aprendizagem da
leitura. Desta forma, autores como Bernice & Wong (1991), Cruz (2007) ou
Shaywitz (2008) referem a importância do treino da consciência fonémica. O
aluno deverá desenvolver a consciência de que as palavras podem rimar,
decompondo as palavras em sílabas de forma ritmada, facilitando, desta forma, o
processo de leitura (Shaywitz, 2008). De
acordo com Cruz (2007) as actividades que permitem desenvolver esta área
envolvem: identificação de fonemas; categorização de fonemas; junção de fonemas
para formar palavras; segmentação de palavras; eliminar ou adicionar fonemas
para formar novas palavras e substituição de fonemas para fazer novas palavras.
Por sua vez, a audição de diversos textos com rimas e aliterações, constituem a
base para o processo da fluência da leitura (Shaywitz, 2008), que segundo
Sim-Sim (1997) é a meta da aprendizagem da leitura. A
autora considera que a fluência da leitura implica rapidez de decifração,
precisão e eficiência na extracção do significado do material lido e que sem
esta fluência não é possível que o leitor possa canalizar a capacidade de
atenção para a compreensão do texto. Nos primeiros anos de escolaridade, os
professores devem, então, fazer de cada aluno um leitor fluente e crítico,
capaz de usar a leitura para obter informação, organizar o conhecimento e
usufruir o prazer recreativo que a mesma pode proporcionar. Cruz
(2007) e Shaywitz (2006) referem ainda que, para desenvolver a fluência da
leitura, é necessário primeiro reconhecer automaticamente as palavras escritas
e que este desenvolvimento depende muito do treino que se faz, uma vez que os
alunos adquirem a fluência pela exposição repetida a uma palavra (Shaywitz,
2006). A
fluência da leitura é considerada fundamental porque permite ao indivíduo
disponibilidade para a compreensão do que lê, visto a leitura se efectuar de
modo preciso e rápido. Assim, deve-se tomar em consideração três dimensões
importantes: a precisão na descodificação de palavras; o processamento
automático e a leitura prosódica. Estes três elementos contribuem para a
compreensão do texto (Shaywitz, 2008). De
acordo com investigação acerca do ensino da fluência da leitura, concluiu-se
que os programas que funcionam mais eficazmente e que promovem mais ganhos
partilham três aspectos importantes: ênfase na leitura em voz alta;
oportunidades para o aluno praticar, permitindo-lhe ler e reler em voz alta
palavras de um texto articulado e constante feedback do professor enquanto a
criança lê (Bernice & Wong, 1991; Cruz, 2007; Shaywitz, 2008). >Ferreira
(2001) dá forte ênfase à leitura em voz alta, orientada e repetida, destacando
que esta actividade permite passar de forma ordenada para o reconhecimento
automático das palavras, frases e textos. Com base na extensa análise que
realizou, Shaywitz (2008) concluiu que a leitura em voz alta orientada e
repetida “ajudam a desenvolver as competências de leitura do aluno, pelo menos
até ao 5º ano de escolaridade e ajudam a desenvolver a leitura de alunos com
dificuldades de aprendizagem muito para lá desse nível de ensino”( p. 256). Ler
em voz alta torna possível o feedback da actividade por parte do aluno e também
por parte do professor. O feedback é essencial porque permite ao aluno
modificar a forma como está a ler uma palavra específica, corrigindo, ao mesmo
tempo, o modelo neural dessa palavra que está guardado, de forma a reflectir,
cada vez mais, a maneira exacta de ler e de escrever a palavra, devendo ser
efectuado de forma construtiva e positiva (idem, 2008). Ferreira
(2004) refere ainda que a fluência leitora se desenvolve através da leitura
assistida, da repetição de leitura, bem como da implementação de uma
monitorização do progresso dos alunos. Esta monitorização serve de avaliação
das capacidades da leitura, mas pode também ser útil como elemento motivador,
uma vez que, torna visível a evolução da criança. Além
da consciência fonémica e da fluência da leitura, o National Reading Panel
(cit. em Cruz, 2007) refere ainda a importância da compreensão do princípio
alfabético – que facilita a aprendizagem das relações entre as letras escritas
e os sons falados – e da aquisição de vocabulário no âmbito do desenvolvimento
das capacidades da leitura. De
acordo com Shaywitz (2008), os aspectos essenciais de um programa de
intervenção eficaz para o desenvolvimento das capacidades de leitura são: -
Consciência fonémica – discriminar os sons, identificar e manipular os sons da
linguagem falada;
Resumo
Dificuldades de aprendizagem na leitura
As dificuldades no acto de ler continuam a constituir um dos principais obstáculos
ao sucesso e desempenho escolar, originando, com alguma frequência,
dificuldades noutras áreas de aprendizagem, reflectindo-se em todo o percurso
escolar do aluno. As dificuldades de aprendizagem da leitura podem
manifestar-se na aquisição das competências básicas, sobretudo na fase de
descodificação, mas também, posteriormente, na fase da compreensão e
interpretação de textos (Rebelo, 1993).
Estratégias
para o ensino da leitura
A escola é o espaço privilegiado para se aprender a ler. A aquisição das
competências da leitura é, quase sempre, resultado de uma aprendizagem formal,
onde os professores dotam os alunos de ferramentas indispensáveis para o acto
de ler. Neste sentido, é fundamental considerar um conjunto de princípios e
actividades para que o ensino da leitura seja eficaz.
Relativamente aos alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem específicas (DAE) de leitura, Baker (2002) apresenta-nos orientações para uma reeducação da leitura. Estas orientações referem-se ao cuidado que se deve ter na escolha dos materiais a serem lidos, à importância de se ajudar os alunos a compreender o sentido do texto e à exploração de palavras num contexto real de leitura e escrita.
A intervenção na área do enriquecimento do vocabulário é então bastante pertinente, como salienta Ferreira (2004), uma vez que o processo de leitura é facilitado quando os leitores têm conhecimento prévio das palavras que estão a ler. De forma lúdica, através do jogo, podemos ensinar novo vocabulário, dando instruções explícitas e indicações para que o aluno construa estratégias de memorização conceptual.
A criança deve ser incentivada para a leitura como forma de aumentar o vocabulário. A compreensão de textos, o objectivo essencial da leitura, pode ser desenvolvida através do ensino de estratégias de compreensão. O professor deve aumentar o acesso e o tempo de trabalho com textos informativos, narrativos, centrados nos interesses e nas vivências dos alunos, criando possibilidades do uso deste tipo de textos em pequenas dramatizações, diálogos, entre outros (Ferreira, 2001).
Hennigh (2003) sugere ainda as actividades de leitura partilhada como uma técnica eficaz, que pode possibilitar quer o progresso académico, quer o sentimento de sucesso por parte do aluno. No desenvolvimento das capacidades de leitura nos primeiros anos de escolaridade, a leitura partilhada deve englobar os seguintes passos: seleccionar o texto; levar os alunos a mobilizar conhecimentos prévios; ler o texto em voz alta; solicitar as reacções iniciais dos alunos; segunda leitura realizada pelo professor, com debate; terceira leitura individual.
Pensamos que o professor deve utilizar um texto com repetições, ritmo, estruturado, enérgico e com boa qualidade literária. Quando o material apresenta ritmo e outras sonoridades, os alunos com DAE podem mais facilmente recordar o texto e o significado de cada palavra. A seguir, o professor pode utilizar a estratégia de brainstorming, assim como, colocar algumas questões de antecipação do conteúdo do texto que vai ser lido. Estas questões farão apelo às experiências pessoais dos alunos (conhecimento prévio). Outra forma de antecipação do conteúdo consiste em mostrar a capa do livro, imagens alusivas ao conteúdo do texto de modo a que os alunos façam previsões do conteúdo. A seguir poderá ouvir a história promovendo padrões correctos de leitura, a fim de servirem como modelos de compreensão da história de carácter geral e a audição da história com os alunos a acompanhar a mesma. Durante esta leitura é fundamental desenvolver competências de leitura como a entoação, os sons de palavras e o vocabulário. Por fim, tem lugar a leitura final, lendo os alunos os textos de forma autónoma.
A invenção de rimas e palavras, as actividades de reconhecimento e utilização de palavras que rimam, a mistura e a segmentação de sílabas, a identificação de fonemas iniciais e a ligação de símbolos a sons, os jogos de discriminação de vogais, as canções com rimas, são algumas das actividades que devem ser desenvolvidas em contextos de aprendizagem da leitura (Shaywitz, 2008). Alguns estudos indicam que intervenções específicas, com a ajuda do computador, podem ajudar a superar alguns dos problemas característicos das dificuldades da leitura (Shaywitz, 2006).
Morais (1997) refere ainda que o computador pode ser um auxiliar valiosíssimo na aprendizagem da leitura. Este autor e Rose & Meyer (2006) mencionam que se começa a entender e a utilizar o verdadeiro poder dos computadores no ensino e na aprendizagem da leitura. Nesta perspectiva “(…) as Novas Tecnologias estão: a aumentar a perspectiva acerca dos objectivos implicados no ensino e no domínio da leitura; a incrementar a informação relativa às pessoas que queremos ensinar; e a ampliar o conhecimento sobre o que devemos ensinar e sobre o como devemos fazer” (Cruz, 2007 p.168). A utilização dos computadores oferece muitas vantagens para praticar e desenvolver as capacidades da leitura, ajudando os alunos a ultrapassar dificuldades na leitura.
Considerações Finais
O ensino da leitura orienta-se no sentido de formar um leitor activo, autónomo,
criativo e crítico. Contudo, para que tal aconteça será necessária a utilização
de estratégias adequadas em todo o percurso escolar. Considera-se que para que
haja sucesso na leitura é necessário que o docente promova o uso de estratégias
facilitadoras e adequadas, motivadoras reflectindo-se este comportamento na
predisposição dos alunos para a leitura.
Neste âmbito, advogamos um conjunto de precursores da aprendizagem da leitura que terão de ser considerados num processo de ensino do acto de ler: criar gosto pela leitura; desenvolver consciência sobre o funcionamento da linguagem; ensinar o alfabeto; desenvolver a consciência fonológica; ensinar a relação entre os sons e as letras; ensinar a ler palavras; desenvolver uma leitura fluente reflexiva.
Sublinhamos, ainda, o valor da motivação como um factor muito importante na aprendizagem da leitura. Para que se mantenha em níveis adequados, os pequenos progressos dos alunos devem ser valorizados (Shaywitz, 2008). De uma forma geral, devem ser utilizados métodos e estratégias num contexto significativo que, por um lado, ajudem o aluno a manter a consciência de que se encontra em fases sucessivas de desenvolvimento de competências parcelares (de análise de palavras, de reconhecimento de letras, de desenvolvimento da consciência fonológica e de reconhecimento de sílabas) e, por outro lado, o apoiem na utilização de pistas contextuais.
Através de estratégias adequadas, os alunos com DAE na leitura podem conseguir progressos e atingir a habilidade necessária para ler de forma funcional, impedindo repercussões ao nível das outras aprendizagens académicas (Ferreira, 2004).
Conclui-se então que, quanto mais precoce for o diagnóstico das dificuldades da leitura, maior sucesso terá uma intervenção terapêutica. Esta deve ser sistemática e centrada nas necessidades da criança, devendo englobar todos os intervenientes do processo de desenvolvimento da criança, incluindo a família. O professor com a in(formação) necessária poderá desenvolver estratégias e práticas eficazes, de forma a minorar as dificuldades dos alunos na arte do saber ler.
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Contacto: Marco Ferreira, Centro de Estudos de Educação Especial, Departamento de Educação, Ciências Sociais e Humanidades, UIDEF-UL, Faculdade de Motricidade Humana, Universidade de Lisboa, Estrada da Costa, Estrada da Costa 1499-002 Cruz Quebrada - Dafundo, Lisboa, Portugal / marcoferreira@fmh.ulisboa.pt (recebido em junho de 2014, aceite para publicação em setembro de 2014)
Inês Vasconcelos Horta, Unidade de Investigação em Psicologia Cognitiva do Desenvolvimento e da Educação, Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida, Rua Jardim do Tabaco, nº34, 1149-041 Lisboa, Portugal / vasconcelos.ines@gmail.com