ARTIGOS

Da Natureza do Conceito de Avaliação Pedagógica de alunos do 1.º ciclo com Necessidades Educativas Especiais

 

Joaquim Colôa I; Leonor SantosII

I Agrupamento de Escolas Padre Bartolomeu de Gusmão joaquim.coloa@gmail.com

II Instituto de Educação da Universidade de Lisboa mlsantos@ie.ul.pt  

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Resumo

Com este artigo, pretende-se divulgar parte de um estudo de doutoramento de natureza qualitativa sobre a avaliação para as aprendizagens de alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE). Após um breve enquadramento teórico apresentamos os resultados e as conclusões relativas ao pensamento de vários atores educativos no que respeita ao conceito de avaliação quando estão em causa alunos com NEE. Posteriormente confrontam-se esses resultados com o que é expresso em documentos do Agrupamento de Escolas onde foi realizado o estudo e com perspetivas teóricas atuais. Conclui-se que se atribui ao conceito de avaliação natureza diversa. Significados que oscilam entre abordagens essencialmente classificativas e de medida e abordagens que reconhecem a avaliação enquanto processo em que se desenvolvem interações complexas, eminentemente relacionais e com significados multidimensionais. Também emerge alguma tensão entre um discurso do apropriado e narrativas do que na realidade é concretizado.

Palavras-chave: Avaliação, Aprendizagem, Necessidades Educativas Especiais, 1º ciclo do ensino básico.

 

Abstrat

With this article, we intend to disclose part of a PhD study of qualitative nature on the assessment for learning of students with Special Educational Needs (SEN). So, after a brief theoretical framework we present the results and conclusions concerning the thought of various educational actors with regard to the concept of assessment with SEN students are concerned. Subsequently, those results are faced with what is expressed in documents of the group of schools where the study was conducted and with current theoretical perspectives. We conclude that the concept of assessment assigns diverse nature. Meanings that oscillate between classifications and essentially measure approaches with  assessment approaches that recognize the assessment while act developed in complex interactions, eminently relational and with multidimensional meanings. Also emerges some tension between a speech concerning the appropriate and narratives than it actually is reality.

Keywords: Assessment, Learning, Special Educational Needs, Primary school.

 

Résumé

 Dans cet article, nous prétendons divulguer une partie d’une étude de doctorat de nature qualitative sur l'évaluation pour l'apprentissage des élèves ayant des Besoins Éducatifs Spéciaux (BES). Après un bref cadre théorique, nous présentons les résultats et les conclusions concernant la pensée de divers acteurs éducatifs en ce qui concerne le concept d'évaluation lorsqu’il s’agit d’élèves ayant des BES. Par la suite, ces résultats sont mis en regard avec ce qui est exprimé dans les documents du groupe scolaire où l'étude a été menée et avec des perspectives théoriques actuelles. Il se conclut que le concept d'évaluation se revêt de nature diverse. Significations qui oscillent entre des approches, essentiellement, de classification et mesure et des approches qui reconnaissent l’évaluation en tant que processus durant lequel se développent des interactions complexes, éminemment relationnelles et multidimensionnelles. Emergent aussi des tensions entre un discours de l’approprié et un récit de ce qui en réalité est atteint.

Mots clés: Évaluation, Apprentissage, Besoin Éducatifs Spéciaux, Primaire.

 


INTRODUÇÃO

A evolução do significado do conceito de avaliação tem refletido as mudanças que se têm operado ao longo dos tempos. Como referem Stufflebeam e Shinkfield (2007, p. 7), “muito pelas diferentes abordagens de avaliação que houve ao longo dos anos, as definições de avaliação têm elas próprias sido diferentes”. Esta pluralidade concetual faz sobressair, no final dos anos setenta do século passado e, sobretudo, no decorrer dos anos oitenta também do século XX, diferenças que dificultam encontrar respostas únicas (Escorza, 2003) para o conceito de avaliação. Cada autor e investigador tem a sua própria proposta para o significado do conceito de avaliação, o que implica a necessidade de clarificar os fundamentos de avaliação (Figari & Remaud, 2014).

Autores, como Pinto e Santos (2006), salientam o facto de embora a avaliação ser uma das ações mais visíveis na profissão dos professores é também uma das áreas onde os significados a ela atribuídos revelam maior ambiguidade. Na tentativa de contribuirmos para uma clarificação do conceito de avaliação, com o presente artigo pretende-se dar a conhecer os significados atribuídos, por diversos participantes (docentes do ensino regular e de educação especial, psicólogos e terapeutas), ao referido conceito quando estão implicados no processo de avaliação pedagógica de alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE). Os resultados e conclusões que agora apresentamos fazem parte de um estudo mais vasto desenvolvido no âmbito de uma tese de doutoramento que pretendeu saber: Como é que os diversos agentes implicados no processo educativo de alunos com NEE percecionam e põem em prática o processo de avaliação pedagógica dos referidos alunos?

 

1. O conceito de avaliação pedagógica

Atualmente continua a verificar-se uma polissemia relativamente ao conceito de avaliação pedagógica (Figueri & Remaud, 2014). Perrenoud (1999) assinala ser corrente a presença de duas lógicas no emprego da avaliação, a que é posta ao serviço da seleção e a que é posta ao serviço da aprendizagem. A primeira está diretamente associada à classificação e contribui para consolidar uma hierarquia de excelência. A segunda permite subsidiar o processo decisório em favor de intervenções pedagógicas diferenciadas, com base nas necessidades dos alunos e refere-se a um processo, normalmente, denominado de avaliação formativa.

Importa referir que embora o significado de avaliação pedagógica no geral, como temos vindo a constatar, bem como o significado de avaliação formativa seja diverso, existem como escrevem Pinto e Santos (2006), no que respeita à natureza da avaliação formativa, ideias sobre as quais se construíram alguns consensos nomeadamente no que respeita: (i) Ao destinatário – o aluno e a sua própria aprendizagem; (ii) À tomada de consciência das barreiras e dos facilitadores – implica o aluno; (iii) À integração no próprio processo de aprendizagem – não é um aspeto marginal; (iv) À sua abertura e pluralidade – adapta-se à singularidade do aluno; (v) À sua focalização nos processos de aprendizagem – valorizando-se mais o que se observa e a informação que se recolhe, do que os resultados da própria aprendizagem, sobretudo não os tomando de forma isolada; (vi) Ao seu dinamismo – porque desencadeia, de forma interativa, a intervenção sobre o ensino e a aprendizagem; (vii) Ao tratamento do erro e dificuldades – porque pretende perceber as suas causas; e (viii) Aos feedbacks que produz – porque retorna informações múltiplas tanto direcionadas à orientação das aprendizagens do aluno como à orientação para o desenvolvimento de aspetos metodológicos e de materiais didáticos que permitam a multiplicidade de estratégias de ensino.

Uma visão que nos parece importante reforçar com a ideia de Santos (2008) quando destaca a importância da avaliação formativa. Como defende a autora, podemos afirmar que a avaliação formativa procura a participação de todos os atores educativos, nomeadamente dos alunos, e realiza-se através da resolução de problemas. Sugere-se um processo baseado em situações desafiantes e intelectualmente exigentes. Processo que implica a recolha de informação, a interpretação e compreensão da mesma, de forma a gerar novas intervenções de natureza reguladora.

A avaliação formativa, como afirma Afonso (2000), desenvolve-se pelo respeito à diversidade e equidade, princípios essenciais à inclusão e participação de todos os alunos e pilar de todos os sistemas democráticos. As condições atuais e as mudanças sociais a que se assiste a nível mundial impõem, ao complexo e globalizado mundo, desafios aos diversos sistemas educativos no sentido de olharem para a diversidade (Iglesias, García & Hernández, 2010). Um desses desafios consiste em garantir uma educação de qualidade para todos os alunos, nomeadamente no que se refere ao processo de avaliação pedagógica.

Pese as diferenças denotadas pelos alunos, a avaliação formativa responde a este imperativo na medida em que a informação gerada pelos processos de avaliação é interpretada e utilizada, tanto por professores, como por outros profissionais e alunos para que sejam tomadas decisões sobre as etapas que se seguem. A avaliação formativa apresenta-se como uma ação de controlo e de planificação contínua que permite o desenvolvimento equilibrado e realista de outros processos pedagógicos, como o de ensino e o de aprendizagem. É um ato eminentemente comunicacional que assenta na recolha de informação nas interações desenvolvidas em contextos concretos. Como afirma Hadji (1994, p. 31), “o avaliador não é um instrumento de medida, mas o ator de uma comunicação social”. É uma perspetiva de avaliação que segundo Layton e Lock (2008, p. 3), “fortalece o processo de tomada de decisão, incluindo todos os elementos da equipa de intervenção, nomeadamente as decisões relacionadas com o PEI”. Ainda segundo os autores antes citados, o processo de avaliação encarado enquanto processo eminentemente comunicacional centra-se numa perspetiva de avaliação do desenvolvimento das competências dos alunos num tempo e contextos concretos, em vez de proceder a comparações de classificações entre alunos da mesma idade. A importância da comunicação no decorrer do processo de avaliação confere-lhe uma “natureza relacional, assente num processo de comunicação” (Pinto & Santos, 2006, p. 34).

Assim, a avaliação tem como objeto o aluno concreto que desenvolve aprendizagens, a partir das relações também concretas, que estabelece em contextos reais. Aprendizagens mediadas pelo fator comunicação e que, pela sua complexidade, apela a dispositivos de avaliação também complexos e abrangentes. Nesta linha de pensamento, podemos acrescentar que “a avaliação: (i) acontece num contexto relacional (ii) através de um processo de comunicação interpessoal (iii) inscrito num determinado contexto marcado por um sistema de valores e de procedimentos” (Santos et al., 2010, p. 9). Um processo que podemos representar do seguinte modo:

 

 

Um agir comunicacional assumido pelo professor e outros profissionais que são ao mesmo tempo facilitadores do agir comunicacional do aluno e promotores do processo de autoavaliação enquanto avaliação formativa. Deste modo, o processo de avaliação para as aprendizagens é assumido como um processo de interação, de troca e negociação contínuas entre o professor ou outros profissionais e o aluno. Processo de interação complexa que decorre em determinado contexto social e almeja a regulação da ação do avaliador e do avaliado. Daqui decorre que tanto a regulação como a autorregulação decorrem durante os próprios processos de interação e comunicação em sala de aula, no decorrer da atividade tanto de ensino como de aprendizagem.

Em nosso entender, para que esta situação se transforme num facto objetivo e integrante das culturas de escola é necessário que os processos de avaliação: (a) Sejam uma parte fundamental dos processos de ensino e de aprendizagem; (b) Se adequem às finalidades do processo, os métodos, os instrumentos e os procedimentos a que recorrem os diversos profissionais para avaliar os alunos com NEE; e (c) Se proceda a uma planificação, anterior, de todo o processo. Dispositivo que deve produzir informação para a adequação dos processos de ensino e de aprendizagem quer esteja em causa a avaliação diagnóstica, sumativa ou formativa. No decorrer do processo de avaliação a informação recolhida deve ser usada para tomar decisões educacionais que se centrem na melhoria do ensino e das aprendizagens e que resulte num apoio à tomada de decisões, relativamente ao tipo de intervenções que melhor respondem às necessidades dos alunos, nomeadamente aqueles que apresentam NEE. Assim, parece-nos que avaliar pressupõe a definição de um problema que teça, de forma sistematizada, a recolha de informação/dados para que se possam selecionar algumas das alternativas anteriormente generalizadas. O objetivo é a tomada de decisões, a implementação de intervenções e a sua monotorização, pressupondo-se a sua contínua (re)avaliação, um processo que se revela imbuído de uma circularidade dinâmica.

 

 

Deste modo, a avaliação pedagógica observa-se como um processo circular e cíclico que assenta na contínua identificação e resolução de problemas. Dito de outra forma, é a identificação e procura de respostas a evidências relativas às aprendizagens dos alunos, por referência aos contextos de vida dos mesmos, numa perspetiva ecológica.

A perspetiva ecológica dá relevo ao contexto em que decorre a avaliação; estuda a interação entre as pessoas e os respetivos ambientes; encara o ensino e a aprendizagem como processos interativos; a sala de aula está inserida em contextos mais amplos e analisa aspetos não observáveis (crenças, atitudes, sentimentos, perceções dos participantes), sendo que normalmente perspetiva uma observação naturalista. Assim a ação de avaliar é inseparável dos contextos de aprendizagem (Serpa, 2010).

O processo de avaliação pedagógica apresenta-se, nesta linha de pensamento, como um processo complexo. Complexidade que, para além dos objetivos, funções e conceitos, reporta também ao seu papel. Papel que, algumas vezes, é potencialmente discriminatório, o que faz com que possa existir o risco da avaliação funcionar como mais um fator de exclusão:

Assim, precisamos de processos de avaliação que incidam sobre as oportunidades de aprendizagem que foram proporcionadas aos alunos e para isso é necessário que o processo seja holístico. Queremos dizer com holístico, um processo que permita identificar objetivamente todas as aquisições que o aluno fez no contexto da escola e isso inclui não só os conteúdos que foram aprendidos, mas também as competências, as estratégias de abordagem aos problemas e as capacidades de cooperação. (Rodrigues, 2013, p. 95)

Esta perspetiva leva-nos a equacionar perguntas como: o que faz determinado aluno? Como o faz? Quando o faz? Interrogações cujas respostas só farão sentido se forem feitas sobre um aluno concreto por relação com um contexto experiencial real. Questões que poderão mudar o sentido da recolha de informação bem como o significado e utilização que é dada, a essa informação, pelos diversos profissionais. Nesta linha de pensamento, a avaliação formativa é um processo de avaliação para as aprendizagens, definindo-se por: (i) Ser parte efetiva da planificação; (ii) Focar-se no que os alunos aprendem; (iii) Ser central no desenvolvimento de práticas de sala de aula; (iv) Ser uma competência profissional chave; (v) Ser sensível e construtiva; (vi) Motivar rapidamente; vii) Promover a compreensão de objetivos e critérios; (viii) Ajudar a apender e a como melhorar a aprendizagem; (ix) Desenvolver capacidades de autoavaliação bem como da avaliação pelos pares; e (x) Reconhecer todas as realidades educacionais (Isaacs, Zara, Herbert, Coombs & Smith, 2013).

Segundo a European Agency for Development in Special Needs Education [EADSNE] (2008a), a principal diferença entre as práticas de avaliação para as aprendizagens e de avaliação da aprendizagem reside na finalidade da recolha de dados sobre a aprendizagem, efetuada por professores e outros profissionais. Isaacs et al. (2013) assumem que são óbvias as diferenças entre a avaliação de aprendizagens (sumativa) e a avaliação para as aprendizagens (formativa). Harlen (2006) formula, em detrimento das expressões avaliação sumativa e avaliação formativa, também a preferência pela utilização de denominações como: (a) Avaliação para as aprendizagens – expressão utilizada quando nos referimos a tomada de decisões que afetam o ensino e a aprendizagem num futuro a curto prazo; e (b) Avaliação de aprendizagem – expressão usada para registar o que foi aprendido no passado.

O Assessment Reform Group [ARG] (2002, p. 2) refere-se ao processo de avaliação para as aprendizagens como “o processo de recolha e interpretação de evidências por parte dos alunos e dos seus professores para perceberem em que patamar de aprendizagem os alunos se encontram, para onde devem caminhar e qual a melhor forma de lá chegar.” O processo de avaliação para as aprendizagens é um processo contínuo, cientificamente consistente que envolve a recolha de informação com a finalidade de aferir a aquisição de competências. Competências que denotam natureza diversa, ou seja aprendizagens “construídas sobre os saberes e os saberes fazer, sedimentando capacidade e disponibilidade para compreender e agir” (Roldão, 2005, p. 48).

O desenvolvimento de práticas de avaliação para as aprendizagens facilita a consciencialização dos alunos no que respeita ao próprio processo de aprendizagem. Dos avanços e paragens, quais os fatores que os ajudaram a progredir e quais os induziram ao erro. “A avaliação converte-se, assim, num instrumento nas mãos do aluno para tomar consciência do que aprendeu, dos processos que lhe permitiram adquirir novas aprendizagens, assim como regular ditos processos” (Bordas & Cabrera, 2001, p. 4). Nesta perspetiva, o processo de avaliação para as aprendizagens assume-se enquanto dispositivo de regulação. Hattie e Timperly (2007) referem que a possibilidade de dar ao aluno orientações sobre o que aprendeu bem como sobre o como aprendeu e o como poderá melhorar esse aprender no futuro, contribui para que possa refletir sobre o seu próprio processo de aprendizagem. Neste sentido, falamos da avaliação enquanto processo de autoavaliação. A autoavaliação desenvolve o sentido crítico dos próprios alunos e possibilita a tomada de consciência dos seus conhecimentos, assim como dos seus funcionamentos cognitivos. Falamos de processos de metacognição que, conjuntamente com o autocontrolo e a autorregulação das competências, são indispensáveis para o desenvolvimento do pensamento inteligente (Fernandes, 2008). A autoavaliação enquanto processo metacognitivo é percecionado como um processo mental interno e individual de consciencialização dos diversos momentos e aspetos da própria atividade cognitiva. Processo que se consubstancia na atividade do próprio aluno, enquanto entidade aprendente, no sentido de autocontrolar e refletir sobre as suas próprias ações e comportamentos (Hadji, 1994).

O ato avaliativo torna-se, assim, num processo de avaliação de competências entendidas enquanto conjunto de recursos tanto cognitivos como sociais e afetivos que possibilitam aos alunos a resolução, com pertinência e eficácia, de um contínuo de situações problemáticas. Perspetivada desta forma, a avaliação para as aprendizagens baseia-se num saber fazer contínuo e total, ou seja, na aplicação, em contexto vivencial, das aprendizagens desenvolvidas, das competências adquiridas. Nesta perspetiva, uma competência não é a execução de uma tarefa pela mera aplicação de conhecimentos memorizados. Embora estejam em jogo conhecimentos, entra-se em linha de conta com informações, juízos de valor, atitudes, planificações, estratégias de ação e muitas outras capacidades humanas que necessitam ser aprendidas e desenvolvidas em diversos cenários e situações. Assim, competência é um conhecimento que implica a autonomia do aluno e a ação do mesmo num contexto particular.

Como verificamos, o desenvolvimento de competências tem a ver com as aprendizagens que são desenvolvidas por determinado aluno, que age num determinado contexto e que apresenta autonomia face ao próprio saber; em última análise são aprendizagens consideradas, não só social como individualmente, significativas. Bordoni (2000, p. 54) defende que “a avaliação no contexto de uma aprendizagem significativa ocorre no próprio processo de trabalho dos alunos, no dia-a-dia da sala de aula, no momento das discussões coletivas da realização de tarefas em grupos ou individuais.” É uma ação que se desenvolve por recurso a estratégias de trabalho e de aprendizagens colaborativas.

A partir destas premissas, o processo de avaliação para as aprendizagens é olhado como fazendo parte integrante do currículo e relaciona-se tanto com o processo de aprendizagem como com o processo de ensino (UNESCO, 2004). Estes devem assumir-se como processos que permitam aos alunos participar no progresso das suas próprias aprendizagens ou realizações, tendo-se em consideração os vários estilos de aprendizagem desses mesmos alunos, as suas caraterísticas pessoais, os seus interesses e as suas necessidades.

 

2. A avaliação para as aprendizagens dos alunos com Necessidades Educativas Especiais

Como defende a EADSNE (2008b, p. 58), “as políticas educativas sobre avaliação – em geral e especificamente das NEE – devem ter o objetivo de promover a avaliação inclusiva e de ter em conta as necessidades de todos os alunos vulneráveis à exclusão, incluindo os que apresentam NEE”. Num contexto escolar que se perceciona como eficaz e inclusivo, todos os alunos são continuamente avaliados. Como refere a EADSNE (2008a), as únicas diferenças relativamente à avaliação pedagógica de alguns alunos situam-se ao nível das estratégias e dos instrumentos. Realidade que não escamoteia o facto de que os dispositivos de avaliação, quando alicerçados numa lógica de diversidade, direcionados para os alunos com NEE, são válidos para todos os outros alunos (Meijer, 2003). Premissa que ultrapassa a questão pedagógica para entroncar em princípios éticos e de equidade.

No entender de Sacks (2009), relativamente às questões de avaliação, os alunos com NEE têm permanecido um grupo à margem constituindo-se a sua avaliação pedagógica como um desafio particular que se coloca nas escolas, ou seja o desenvolvimento de um processo de avaliação inclusivo. Uma avaliação Inclusiva que se centra em dispositivos avaliativos “que atuam como um facilitador e não como uma potencial barreira à inclusão” (EADSNE, 2008b, p. 47). Numa lógica de avaliação para todos os alunos, confere-se ao processo de avaliação um lugar central que enfatiza as condições de aprendizagem, os sucessos, ao mesmo tempo que desvaloriza o conhecimento das patologias e limites de desenvolvimento dos alunos.

A avaliação, quando referenciada à ação significativa e desenvolvida em contextos de vida concretos, assegura a identificação e valorização do progresso de todos os alunos independentemente das suas condições específicas. No entanto, a EADSNE (2008a) defende que quando estão em causa os alunos com NEE existem algumas áreas de preocupação que se relacionam com caraterísticas específicas destes alunos.

A Avaliação para as aprendizagens aplicada aos alunos com NEE diz respeito à avaliação para as aprendizagens como instrumento para os alunos refletirem sobre a sua própria aprendizagem (por ex: a interação entre alunos e professores no “ciclo de feedback”). Para os alunos que usam formas aumentativas de comunicação, este processo de feedback não se pode operar com base na linguagem “tradicional”. Neste caso, têm de ser exploradas e implementadas abordagens mais individualizadas, novos instrumentos de avaliação e uma variedade de meios para a interação professor/aluno; por exemplo, observação de situações estruturadas que permitam aos professores avaliar as preferências dos alunos. (ibidem, p. 6)

Como defende Sacks (2009), quer o foco sejam os alunos com NEE ou outros alunos, a avaliação pedagógica realiza-se nos comportamentos - escolares, académicos ou sociais - que se podem relacionar: (i) Com a capacidade de aprender e estilo privilegiado de aprendizagem, (ii) Com a capacidade de realização, (iii) Com as barreiras denotadas relativamente à aprendizagem, (iv) Com as faculdades criadoras específicas e (v) Com a adequação socio emocional e afetiva. Os processos de avaliação facilitam a obtenção de uma dimensão total do aluno e, se porventura, se recorrer a estratégias que se baseiam em instrumentos psicométricos estes devem constituir uma pequena parte do processo de avaliação. Embora esta seja a perspetiva mais defendida, na prática nem sempre é uma realidade. Exemplo desta afirmação é alguma legislação portuguesa onde a qualificação do processo de avaliação é, em grande parte, reduzida a um mero processo de procedimentos de classificação com vista à elegibilidade de alunos para serviços de educação especial. Referimo-nos ao Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 janeiro. Legislação que remete quase todo o processo de avaliação para a utilização da Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF).

Na compreensão de Üstun (2002), a CIF é um instrumento de classificação que pertence à família de classificações desenvolvidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). É um documento para aplicação em vários aspetos da saúde, no qual as dimensões valorizadas nos procedimentos de classificação são os inerentes à identificação das NEE e à elegibilidade de alunos para determinadas respostas educativas e não ao contrário do que deveria acontecer.

Em Portugal, ao mesmo tempo que existem movimentos no sentido do desenvolvimento de uma educação mais inclusiva, elaboram-se orientações para a implementação de procedimentos de identificação das NEE baseados na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde – Crianças e Jovens (CIF – CJ) (Florian, 2010). Temos, por um lado, uma legislação geral que relativiza os aspetos quantitativos que possam estar implicados na avaliação dos alunos. Por outro lado, uma legislação específica e normativa da denominada educação especial que acentua os aspetos quantitativos e classificativos do referido processo de avaliação pedagógica. Em Portugal, como noutros países, a legislação produzida é produto de sensibilidades políticas e de perspetivas de avaliação que, inevitavelmente, se relacionam com diferentes conceções, não só acerca do processo de avaliação como dos processos de ensino e de aprendizagem. Para além do antes referido, como corrobora a ideia da EADSNE (2008b, p. 13), nem sempre se utilizam os “mesmos termos, conceitos ou procedimentos com o mesmo significado, quando se fala de processo de avaliação”. Para além disso constata-se que a palavra inglesa assessment não tem uma tradução direta nas restantes línguas europeias. Em muitos países os termos assessment e evaluation umas vezes são sinónimos e outras vezes referem-se a aspetos particulares e específicos.

Segundo o Technical Assistance and Training System [TATS](2007): (a) Avaliação (Evaluation) - corresponde à recolha de informação sobre as necessidades de aprendizagem, forças e interesses de um aluno. Este processo é levado a cabo por um conjunto de profissionais qualificados que decidem, da análise da informação, se determinado aluno com NEE é elegível para programas e/ou serviços de apoio, no fundo refere-se ao momento da elegibilidade; (b) Avaliação (Assessment) é o ato de recolher informação, utilizando mais que uma fonte, sobre o que os alunos sabem, o que podem fazer e o que necessitam aprender. Esta recolha de informação pode ser levada a cabo através de testes, da observação de trabalhos do próprio aluno e pode decorrer em sala de aula.  Destas definições podemos afirmar que o TATS (2007) descreve, relativamente aos alunos com NEE, dois momentos diferentes de avaliação: um (evaluation) que se refere a um momento de avaliação que podemos identificar como sendo desenvolvido para fins de elegibilidade e afetação de recursos e um outro momento (assessment) que se refere essencialmente à avaliação para as aprendizagens, uma avaliação contínua das competências do aluno. A primeira designação refere-se, ainda, ao ato de atribuir uma classificação após a conclusão de uma tarefa, uma atividade e/ou aprendizagem de determinado conteúdo. Já a segunda denominação refere-se a um olhar contínuo e compreensivo sobre os desempenhos do aluno, sobre a sua atividade enquanto um todo, é um olhar holístico sobre determinado aluno. Embora numa primeira abordagem os dois momentos descritos pareçam exclusivos, um e outro conjunto, de dispositivos de avaliação pedagógica podem ser complementares sempre que integrados numa prática formativa de avaliação, o que nem sempre acontece.

Assim, embora no nosso país os dois momentos se designem, geralmente, de avaliação parece-nos que podemos adaptar a ideia do TATS (2007) às perspetivas institucionais e normativas portuguesas referentes à educação especial, uma perspetiva que podemos esquematizar do seguinte modo:

 

 

A clarificação destes dois olhares sobre o conceito de avaliação parece-nos de extrema importância pois um e outro implicam procedimentos e práticas bem como aspetos organizativos que poderão denotar algumas diferenças. Como defende Morgado (2007, p. 42), essencialmente no que se refere à perspetiva de avaliação para fins de elegibilidade, é necessário salientar:

A importância de que o debate da elegibilidade para dispositivos de apoio educativo seja clara e definitivamente estabilizado e sublinhamos o entendimento atual de que os destinatários potenciais de dispositivos de apoio educativo são o universo da população escolar e não grupos tipificados de problemas: Dito de outra forma, parece-nos que a discussão sobre a elegibilidade, a colocar-se, seria no sentido de «eleger» a resposta adequada para cada aluno e não «eleger» o aluno adequado para as respostas que definimos.

O autor anteriormente citado (ibidem, 2007) alarga o debate sobre esta questão, ao enunciar que se assiste a discrepâncias na forma como são avaliadas ou classificadas as necessidades dos alunos. Prosseguindo no sentido de identificar que estas discrepâncias inferem enorme variabilidade de taxas de incidência entre áreas geográficas do nosso país, mesmo que estas apresentem “populações com as mesmas caraterísticas genéricas”. O autor acima referido (Morgado, 2007) defende que a evidência, antes enunciada, contraria os indicadores de incidência que nos são fornecidos pela literatura, o que denota o caráter pouco consistente e rigoroso do processo de avaliação. Ainda na compreensão do mesmo autor a inconsistência dos processos de avaliação compromete o empenho dos docentes no momento de equacionarem respostas para as necessidades dos alunos.

Outro aspeto a salientar é o de que alguns dos defensores de atos avaliativos dos alunos com NEE, baseados em perspetivas mais relacionadas com aspetos quantitativos, classificativos e de psicometria, propõem o desenvolvimento de intervenções e/ou respostas/serviços muito restritos no pressuposto de que esses alunos se adaptam aos contextos de forma passiva. Modelo organizacional enraizado no paradigma funcionalista que remete toda a ação da denominada educação especial para um sistema paralelo. Perspetiva que, segundo Kauffmann (1993), tem vindo a suscitar alguns alertas, nomeadamente no que se refere aos tópicos: (i) Partilha de espaço – o facto dos alunos partilharem espaços comuns não é condição suficiente para usufruir das mesmas oportunidades educativas, nomeadamente no que se refere ao processo de avaliação; (ii) Separação – o pressuposto de que para assegurar uma educação apropriada para todos é necessário separar não só os alunos em educação especial e educação do ensino regular, mas separá-los segundo tipologias de deficiência; (iii) Reflexão e autocritica – o facto das discussões se centrarem mais em determinados preconceitos que se têm vindo a construir sobre a educação especial, do que em ideias advindas de um conjunto de interrogações e inerentes respostas, assentes na autocritica potenciadora de respostas coerentes e reais que permitam uma verdadeira mudança; e (iv) Fundamentalismo – o facto de muitos dos debates sobre a educação especial se basearem em algum fundamentalismo, o que distorce a realidade e afasta o diálogo critico potenciador do pluralismo e da diversidade. Este tipo de modelo organizacional assenta no princípio de que existe uma dinâmica unívoca que se traduz na adaptação do aluno às respostas oferecidas pelos serviços bem como aos contextos. Um modelo eminentemente médico que assenta num olhar sobre as problemáticas do aluno como se este fosse portador de “uma «doença» (...) que pode ser objeto de cura, baseada numa melhoria dos sintomas do indivíduo” (Ford, Morgan & Whelan, 1982, p. 35).

Na compreensão de Ford et al. (1982), o modelo médico visa o processo de etiquetagem e elabora aspetos relacionados com o controlo social. Ideia que converge para um pressuposto de sucesso escolar que se baseia no princípio de que a capacidade do indivíduo ser treinado e funcionar num determinado contexto, na maior parte das vezes muito restrito, lhe permitirá o seu funcionamento em todos os outros contextos em que desenvolve atividades. No entender de Costa (1999), as intervenções baseadas nesta crença são ineficientes no que diz respeito à construção de uma vida autónoma, pois o afastamento entre a idade cronológica dos alunos e as aprendizagens aumenta progressivamente. Situação que leva a que os alunos com NEE, na prática, desenvolvam competências descontextualizadas e, na maior parte das vezes, inúteis para uma vida diária autónoma. Constrangimento que advém, muitas vezes de um atendimento que é:

Dado fora da sala de aula e/ou fora da Escola, em situação individual, sem o envolvimento efetivo dos docentes nos aspetos relacionados com a avaliação, a programação e a intervenção. Reproduz-se, desta forma, atuações tradicionais, perspetivando-se o modelo clínico. (Lima-Rodrigues et al., 2007, p. 178)

Segundo o Roeher Institute Toronto [RIT] (2004), está mais do que documentado que a categorização dos alunos com NEE, com base em pressupostas problemáticas, contribui para disfunções nos aspetos de ensino e para o aparecimento de problemas acrescidos nomeadamente o abandono escolar. De forma geral, os indivíduos interagem em determinado contexto enfrentando situações de vida desiguais, mesmo no que se refere a recursos intelectuais e culturais. Esta desigualdade existe tanto em sociedades menos escolarizadas como nas fortemente escolarizadas. No entanto a emergência da escolarização modifica o estatuto, a natureza e a própria visibilidade dessas desigualdades (Perrenoud, 2008). Como defende o autor antes citado a avaliação síncrona, referida à norma e que se baseia na comparação com outros indivíduos, constitui um obstáculo à utilização de estratégias de diferenciação de ensino bem como da individualização dos percursos de aprendizagem e formação. Bolt e Roach (2009) quando referem, relativamente aos alunos com NEE, o desenvolvimento de avaliações sumativas, sugerem algumas fragilidades, decorrentes da variabilidade das adequações e das práticas dessa avaliação. Variabilidade que, segundo os autores, pode ser atribuída à falta de confiança dos profissionais relativamente às práticas de avaliação. Os autores antes referidos acrescentam que os alunos com NEE têm todos uma caraterística em comum: a dificuldade em mostrar as suas competências quando são utilizados materiais de avaliação estandardizados. Os autores referem que muitos dos alunos com NEE são excluídos de alguns processos de avaliação devido à desadequação desses materiais. Assim, estes autores avançam com uma ideia partilhada pela EADSNE (2008b) que é a de “um processo de avaliação universal” ou seja, a alteração dos materiais de avaliação que devem ser construídos para se tornarem acessíveis a todos os alunos, em detrimento de uma modificação dos níveis da sua utilização. Ainda no entender de Bolt e Roach (2009) cada aluno apresenta diferentes caraterísticas e diferentes necessidades e isso leva a que, por vezes, seja necessário mais que um tipo de adequação.

Na linha de pensamento anterior, Perrenoud (2008) defende a mudança de práticas que permitam a inflexão das perspetivas de avaliação essencialmente referidas à norma. No entender da EADSNE (2008b), devemos caminhar no sentido de abandonarmos as estratégias de avaliação centradas no deficit, no modelo médico. A alternativa é adotarmos estratégias que recorram a abordagens mais educativas e interativas. Assim devemos privilegiar o desenvolvimento de processos de avaliação que apoiem as decisões referentes aos processos de ensino e de aprendizagem, e ter em consideração os diversos ambientes onde decorre essa aprendizagem. No entendimento do organismo anteriormente referido, este tipo de avaliação: (i) Usualmente não utiliza a comparação valorizando a informação que possa ajudar os docentes a planificar as diversas etapas do processo de aprendizagem; e (ii) Por vezes pode recorrer a elementos sumativos, mas estes estão associados a aspetos específicos dos programas de ensino e informam o processo de avaliação formativa. Deste modo, a avaliação pedagógica não é uma atividade em abstrato.

 

METODOLOGIA

O presente estudo, de forma assumida, seguiu um modelo de cariz qualitativo. Estudo que neste quadro de referência responde aos constructos respeitantes às investigações baseadas nas linhas de ação dos estudos de caso de índole interpretativa. A investigação decorreu em duas salas de aula de uma escola do 1.º CEB (ER) de um agrupamento de escolas da cidade de Lisboa (AE). Os participantes no estudo foram em número de dez. Profissionais que interagiam diretamente com crianças com NEE: duas docentes do ensino regular, uma lecionava numa turma do 3.º ano e outra no 2.º ano de escolaridade (DRA e DRB respetivamente), uma docente de educação especial (DE), uma terapeuta da fala (PA), uma psicóloga (PB) e uma terapeuta ocupacional (PC). Profissionais que não interagindo diretamente com os referidos alunos, foram considerados pertinentes devido às suas funções de direção e/ou coordenação: o diretor do AE (DA), a coordenadora do departamento do 1.º CEB (DB), o coordenador da equipa interdisciplinar (DC) e a coordenadora da ER (DD).

Os dados foram recolhidos com base em documentos disponibilizados pelo AE, na entrevista semidiretiva. A análise dos dados foi desenvolvida com recurso à análise de conteúdo. Análise que, no que respeita aos significados atribuídos ao conceito de avaliação para as aprendizagens, fez emergir as seguintes categorias de análise: (a) avaliação pedagógica como medida; (b) avaliação pedagógica como relação congruente entre objetivos e desempenhos; (c) Avaliação pedagógica como julgamento de especialistas; e (d) Avaliação pedagógica como relação complexa, eminentemente relacional e com significados multidimensionais.

 

SIGNIFICADOS ATRIBUIDOS AO CONCEITO DE AVALIAÇÃO PEDAGÓGICA

1. Avaliação pedagógica como classificação e medida

O processo de avaliação pedagógica enquanto ato que pretende medir as aprendizagens é relatado por alguns dos participantes do estudo, enquanto dimensão que nos remete, essencialmente, para a certificação. Aspeto que nos parece patente tanto nas palavras da docente de educação especial como do coordenador da equipa interdisciplinar, deste último o exemplo que se segue:

A avaliação no final do ano é para se perceber quais foram as competências adquiridas, a evolução de todo o processo educativo do aluno ao longo do ano. (DC)

Para além deste sentido de certificação, da análise dos diversos discursos dos entrevistados, nomeadamente de uma das docentes do ensino regular e do diretor do AE, emergem narrativas no sentido da avaliação enquanto ação que tem por principal objetivo medir os desempenhos dos alunos, com base na hierarquização de classificações, de medidas:

Avaliação, no fundo, é escalonar… Dentro de cada parâmetro pôr uma ordem, por uma escala. Portanto ao avaliar eu sei se atingiu, não atingiu, está longe de atingir. (DRB)

Normalmente, aliada a esta visão está o pensamento de avaliação e medição enquanto conceitos inseparáveis. Essencialmente o que se pretende é verificar o domínio dos assuntos abordados pelos professores e dos objetivos progressivamente mais amplos, definidos por estes para determinado programa. A aprendizagem é avaliada como a capacidade dos alunos memorizarem e reproduzirem os esquemas de ação difundidos pelos docentes. Processo que apela, quase sempre, à ideia de medição do saber, ao processo de avaliação enquanto ato classificativo e de seleção. Este exercício da avaliação pedagógica, enquanto medida ou atribuição de um número resultado de uma média aritmética, assenta, por vezes, na crença de que uma menção quantitativa exprime, com maior justiça, o valor do aprendido. Pensamento que defende que, assim, mais facilmente se conseguem estabelecer comparações entre alunos e, com base em sucessivos processos de validação, se possibilita a generalização a outros alunos, pressupostamente com as mesmas caraterísticas. Como confirmam as palavras da psicóloga, é um processo de avaliação que se identifica mais com o interesse em certificar as dificuldades: “As avaliações, muitas vezes, atestam as dificuldades dos alunos e, às vezes fica-se por aí” (PB).

O processo de avaliação, quando demasiado centrado nas dificuldades dos alunos, normalmente assume como principal objetivo equacionar respostas de remediação demasiado fragmentadas. Respostas que têm como fim específico a colocação dos alunos em programas, também eles específicos e restritivos. Este tipo de respostas radica no pressuposto de que estes programas respondem a determinado perfil de desenvolvimento, definido por uma avaliação diagnóstica inicial, muitas vezes também ela de índole meramente classificativa. Processo que não encara o aluno como uma entidade complexa que é produto e produtor de interações, condicionadas pelos contextos em que estas ocorrem; crítica que é assumida pela psicóloga que entrevistámos:

Toda a gente fala do modelo biopsicossocial... A verdade é que, embora as pessoas tenham mais em conta ou tentem ter mais em conta... Na prática ainda ficamos muito num modelo clínico das avaliações e não se dá o devido valor à avaliação que é feita em contexto, à avaliação que é feita de outras áreas do desenvolvimento e do comportamento adaptativo que é tão importante nos alunos com NEE. Embora eu ache que estejamos a caminhar nesse sentido, embora o que me pedem muito são as avaliações de desenvolvimento... Normalmente quem me faz esses pedidos são os professores de educação especial. (PB)

O modelo psicométrico radica na crença de que toda a aprendizagem se traduz num número confundindo-se, muitas vezes, a medida com o próprio desempenho do aluno e que este, em resultado de uma avaliação de índole clínica, traduz a própria condição de deficiência de dito aluno. Perspetiva de avaliação que se centra, muitas vezes, nas caraterísticas cognitivas dos alunos, dimensão também patente na narrativa da psicóloga. Assim, os resultados da avaliação raramente são utilizados para a melhoria dos processos de ensino e de aprendizagem. É um processo que, algumas vezes, é externo aos próprios contextos de vida do aluno e que, ao atestar incapacidades e limitações, se presta mais a eleger o aluno para respostas específicas do que o contrário. Este é, muitas vezes, o único objetivo do processo de avaliação. Um objetivo que apela a processos de avaliação referidos como mais formais e funcionais. Os primeiros são teoricamente vistos como desenvolvidos por profissionais externos aos contextos de vida dos alunos e assentes em perspetivas essencialmente clínicas e de medição; quanto aos segundos, normalmente encaram os problemas identificados como sendo de cariz eminentemente patológico e têm como principal objetivo o desenvolvimento de programas, equacionados para determinada categoria de alunos:

Portanto, alguns alunos que eu já conhecia foram avaliados fora do contexto do agrupamento e depois essa avaliação tem sido atualizada, mas mais de uma forma funcional do que formal. (PB)

Para além da perspetiva quantitativa para que aponta o recorte discursivo anterior, aponta-se para a elaboração de programas específicos assentes em processos de avaliação baseados na classificação e categorização. Assim desloca-se o objeto de avaliação do aluno para o próprio programa.

2. Avaliação pedagógica como relação congruente entre objetivos e resultados

A avaliação perspetivada como relação congruente entre objetivos e desempenhos é uma conceção do processo de avaliação que decorre de um pensamento convencionado e normalizado sobre determinada realidade, normalmente com base nos registos efetuados em grelhas construídas para esse fim. Perspetiva que ao pretender, essencialmente, certificar o nível de aprendizagem dos alunos evidencia um pensamento em que domina a preocupação de que o professor detenha determinado saber científico. É um saber, como concretizam as palavras de uma das docentes do ensino regular, normalmente visto como prescrito por determinado programa de ensino e cujo sucesso é aferido pela medição da capacidade do aluno atingir, ou não, os objetivos definidos no dito programa:

Avaliar é definir os parâmetros ou os objetivos que os meninos têm que atingir, as competências que os meninos têm que atingir e escaloná-los nesses parâmetros. Chegaram lá na totalidade? Será que estão a meio? Será que ainda estão muito atrás? (DRB)

Se no ponto anterior referíamos a valorização do fator quantitativo e de medição como forma de comparação entre alunos, em princípio com as mesmas caraterísticas, pelo sentido da última unidade de registo percecionamos que esta ideia é relegada para segundo plano. Agora o racional assume, como central, uma abordagem de classificação, de quantificação, enquanto verificação da capacidade do aluno atingir os objetivos definidos anteriormente. É um significado de avaliação em que está subjacente um quadro concetual eminentemente comportamentalista. As dificuldades detetadas na relação entre objetivos e desempenhos remetem para respostas por vezes como: dar mais tempo para aprender, repetir mais vezes, simplificar as tarefas, etc. O processo de avaliação assume-se como um sistema criterial que é, por sua vez, referência do próprio ato de avaliação bem como das próprias aprendizagens. Aqui o termo de comparação deixa de ser os outros alunos para passarem a ser os próprios critérios, na medida em que estes permitem verificar, para além da capacidade de reprodução dos conteúdos ministrados, a validade dos próprios objetivos a eles associados. Para além disso, como percecionamos no discurso da docente de educação especial, a avaliação pedagógica, baseada em determinado programa e desenvolvida enquanto relação entre objetivos pré-estabelecidos e o desempenho dos alunos, tende a desenvolver-se num período pré-definido e temporalmente delimitado.

Mesmo quando elaborado com base nas caraterísticas específicas de determinado aluno, é o próprio currículo que é construído numa perspetiva de medição. Com base neste pensamento, o ato de avaliação pedagógica pressupõe que os objetivos devem ser definidos de forma sistemática e sequencial, com base nas expetativas dos diversos profissionais que se responsabilizam pelo programa de determinado aluno. A avaliação, enquanto verificação da consecução dos objetivos definidos para os alunos é, como confirmam as palavras do coordenador da equipa interdisciplinar, o próprio currículo enquanto instrumento de avaliação numa perspetiva de medição: Avaliar é perceber, dos objetivos delineados no seu PEI, o que foi atingido, particularmente nos alunos que têm CEI” (DC).

O discurso anterior relativamente aos alunos com Currículo Específico Individual (CEI), ou seja, alunos com um tipo de currículo que, em teoria, se afasta mais do currículo comum da turma parece acentuar um processo de avaliação que, por enfatizar mais os resultados do que os processos, é paralelo ao processo de aprendizagem bem como ao processo de ensino. Avaliação que, só por si, não produz informação clarificadora das possíveis mudanças que devem ser introduzidas nos referidos processos de ensino e de aprendizagem e, assim, promover de forma mais efetiva o sucesso dos alunos. É um processo que, embora decorra ao longo de todo o ano, como defendem alguns entrevistados, como por exemplo a terapeuta da fala, é preponderante no final do ano: No final do ano é então para se ver os objetivos que foram atingidos ao longo do ano (PA). Aspeto que nos parece acentuar o cariz sumativo.

A avaliação pedagógica, tida como a medição da congruência estabelecida/encontrada entre os objetivos e os desempenhos dos alunos, remete para duas componentes que normalmente estão associadas a esta perspetiva. Componentes que se assumem como essenciais a todo o processo: o diagnóstico, e a posterior definição de medidas de remediação. Neste caso, o sucesso do aluno pode ser confundido com o sucesso do próprio programa de intervenção, na medida em que o programa e o que este define, como emerge do discurso da docente de educação especial, é o eixo central de todo o processo de avaliação.

Deste modo, o modelo de avaliação pedagógica de e por objetivos torna-se o ponto fulcral de toda a atividade desenvolvida com alunos com NEE. Perspetiva que é complementada por narrativas que defendem que, mais pela complexidade da condição dos alunos do que pela complexidade do processo de avaliação, todo o processo de avaliação pedagógica deve ser desenvolvido por determinados profissionais vistos como especialistas, com o argumento de que estes estão melhor preparados para levar a cabo essa função.

3. Avaliação pedagógica como julgamento de especialistas

Das respostas de alguns entrevistados emerge a ideia de que a avaliação dos alunos com NEE deve ser desenvolvida por profissionais que são considerados especialistas. Especialização que mais do que se referir à área da avaliação nos remete para a área das NEE, da educação especial. Nesta linha de pensamento, e segundo as narrativas de alguns participantes no estudo, são os docentes de educação especial que são encarados como os profissionais melhor preparados para desenvolverem as ações de avaliação pedagógica dos alunos com NEE. É neste sentido que se encaminha o discurso de uma das professoras do ensino regular:

É assim, o professor de educação especial está mais vocacionado para abordar determinados aspetos que o professor do ensino regular não está preparado para isso, não é! Não está à vontade, porque os professores de educação especial têm uma formação especializada é para isso. (DRB)

Embora o argumento anteriormente utilizado seja o da formação especializada dos professores de educação especial, o discurso parece também indiciar que o processo de avaliação dos alunos com NEE não é desenvolvido por referência ao contexto de sala de aula. Assim, ao ser um processo que se realiza à margem das dinâmicas do referido contexto, perceciona-se que também poderá não ser uma mais-valia para as aprendizagens que acontecem em contexto de sala de aula. Para além desta leitura, parece-nos poder inferir que existe, por parte dos docentes do ensino regular, pouco envolvimento em todo o processo de avaliação pedagógica. Este aspeto parece-nos ser visível nas palavras de uma outra professora do ensino regular (DRA) entrevistada. Esta professora não só reconhece que os docentes de educação especial estão mais preparados para desenvolverem o processo de avaliação, como assume que o seu papel no referido processo é meramente opinativo. Ideia que é acrescida do facto, segundo as suas palavras, do papel dos docentes de educação especial ser preponderante na tomada de decisão:

A perspetiva de que os docentes de educação especial estão mais capacitados para trabalharem com os alunos com NEE, como sugerem as professoras do ensino regular, é reforçada pela narrativa da terapeuta ocupacional:

Eu acho que quem está mais preparado para fazer essa avaliação são os professores do ensino especial. Sem dúvida nenhuma! (PC).

O afastamento dos docentes do ensino regular, relativamente ao processo de avaliação dos alunos com NEE é, ao mesmo tempo, um afastamento no que respeita à continuidade de interações desses docentes com os referidos alunos. O argumento relativo ao menor conhecimento dos alunos com NEE, por parte dos docentes do ensino regular, parece-nos ter subjacente o facto de estes alunos estarem pouco tempo em contexto de sala de aula. Esta realidade infere que os tempos de interação com os alunos com NEE são maiores no que se refere aos docentes de educação especial do que no que respeita aos docentes do ensino regular. Ideia que nos parece estar presente no recorte do discurso de uma das docentes do ensino regular entrevistadas:

Acho que o professor de educação especial é o que está mais próximo no dia-a-dia, porque interage com eles tanto na sala de aula como quando está individualmente em trabalho com eles. É uma relação diferente. O meu papel, o papel do professor do ensino regular, resume-se mais ao dia-a-dia da sala de aula, é diferente. (DRB)

Esta suposta insuficiência relativamente à interação e, inerentemente, à comunicação com os alunos com NEE, por parte dos docentes do ensino regular, é uma realidade aludida também pela terapeuta da fala. Um discurso que reforça o pouco envolvimento dos docentes do ensino regular no processo de avaliação pedagógica:

Outra questão é que os professores do regular por vezes descartam-se das crianças com NEE e, portanto, nem sequer fazem parte da equipa... Porque se demitem completamente dessas funções. (PA)

Constrangimento acrescido, segundo as palavras de uma das docentes do ensino regular, pela dificuldade em atribuir menções aos alunos com NEE, sobretudo quando estas decorrem de avaliações sumativas.

Eu acho que é difícil avaliar os alunos com NEE porque eu conheço-os mas não os conheço tão bem como o professor que os esteja a acompanhar na educação especial. Eu conheço-os no contexto de sala de aula e vejo o que conseguem e não conseguem fazer, mas para mim é um bocadinho difícil porque eu não sei se estou a ser justa. Por exemplo, ao dizer que um aluno tem suficiente se o suficiente dele é igual ao suficiente dos outros alunos, há sempre uma dúvida. (DRB)

Esta realidade poderá pressupor o desenvolvimento de um trabalho, com os alunos com NEE, menos colaborativo por parte dos diversos profissionais e mais restritivo no que se refere aos contextos de interação dos referidos alunos. A ideia de que o processo de avaliação dos alunos com NEE deve ser desenvolvido por determinado tipo de profissionais específicos é reforçada por outros participantes no presente estudo. A psicóloga defende mesmo a criação de uma equipa que teria não só profissionais específicos para concretizarem o processo de avaliação, mas que assumiria o desenvolvimento e a utilização de instrumentos também específicos:

Eu acho que as escolas deveriam ter mais... Uma equipa e um procedimento mais instituído em termos de avaliação, em termos de instrumentos, em termos de equipa que faz esse processo... Eu acho que isso era importante para que a equipa de educação especial e os SPO pudessem fazer esse processo de avaliação e trabalhar nesse procedimento, sem ser só no momento do início do ano para construção do PEI. Eu acho que poderia ser um processo mais rico e muito mais proveitoso depois para os docentes trabalharem com os alunos. (PB)

A abordagem organizacional, sugerida na anterior narrativa, parece-nos poder agravar o facto do processo de avaliação dos alunos com NEE ser, como já referimos, marginal aos contextos de vida dos alunos. Embora a leitura do recorte narrativo nos proponha uma equipa formada por profissionais da escola, pertencentes tanto ao Serviço de Psicologia e Orientação como à equipa interdisciplinar, também neste caso nos parece estar subjacente o desenvolvimento de um processo com pouca relação com os contextos de vida do aluno. Aliás, facto que é relatado como concretizado relativamente a alguns alunos com NEE. Ainda segundo o discurso da psicóloga, o processo de avaliação pedagógica concretiza-se não só em contextos estranhos aos contextos de vida dos alunos, mas também em contextos externos à escola. Um processo autónomo e paralelo aos processos de ensino e de aprendizagem. Perspetivas a que nos referimos anteriormente e que, com o argumento da condição dos alunos com NEE, implicam, pressupostamente, recursos tanto materiais como humanos muito especializados.

Com base nas palavras da psicóloga, os alunos são encaminhados para profissionais exteriores à escola, pela ideia disseminada de haver alguns alunos que, pelo seu perfil comportamental, pela complexidade da sua problemática, necessitam de avaliações tão especializadas que são impossíveis de desenvolver pelos profissionais que estão mais próximos das dinâmicas da escola. Estas avaliações são, algumas vezes, meramente diagnósticas e não produzem informações para enriquecer e orientar os processos de ensino e de aprendizagem. São avaliações que poderão, mais uma vez, estar focadas na condição de deficiência e não se relacionarem nem com os agentes responsáveis pelos referidos processos nem, como já referimos, com os contextos onde os mesmos ocorrem.

Como já tivemos oportunidade de referir, quando o foco é o problema, a condição de deficiência, tende-se a defender perspetivas de avaliação pedagógica assentes em modelos psicométricos e de categorização. Linha de pensamento que tende a desvalorizar a ideia de relação, como inerente e necessária ao processo de avaliação pedagógica. Relação que deve ser equacionada em contextos de vida progressivamente mais alargados. Aliás, esta é uma outra ideia de avaliação que contraria as anteriores e que também emerge das narrativas de alguns dos participantes no presente estudo.

4. Avaliação pedagógica como interação complexa, eminentemente relacional e com significados multidimensionais

O processo de avaliação desenvolvido com base numa perspetiva multidimensional tende a encarar o desenvolvimento das aprendizagens como uma partilha de informação entre diversos intervenientes. Informação que deve ter em conta: (i) As caraterísticas dos contextos de vida do aluno e que necessariamente influenciam as suas aprendizagens e desenvolvimento; (ii) As interações que o aluno estabelece com os elementos desses contextos; (iii) As caraterísticas dos alunos que facilitam essas interações; e (iv) A sequência temporal em que essas interações se desenvolvem. Uma perspetiva que implica, necessariamente, diversos intervenientes e diversificados instrumentos de recolha de dados, não se excluindo os instrumentos de cariz estandardizado, como defende a psicóloga que entrevistámos. Nesta perspetiva, o processo de avaliação é encarado como um processo que adquire significados diversos que advêm do desenvolvimento de interações complexas. Interações que acontecem em contextos significativos, tanto para o aluno avaliado como para o profissional que avalia, e que pela sua multidimensionalidade apelam a uma ação diferenciada e colaborativa, como advogam algumas palavras da terapeuta da fala.

O processo de avaliação, ao assumir significados diversos implica, como já antes aludimos, uma particular atenção ao fator comunicação. Comunicação que emerge das redes de inter-relações e interdependências que se estabelecem nos diversos contextos de tomada de decisão. Esta dimensão multidimensional subjacente ao processo de avaliação emerge da complexidade das relações inerentes a esse processo, assim como da complexidade dos contextos em que estas ocorrem. Uma dimensão relativamente ao processo de avaliação que é complementada pela forma como é olhado o próprio objeto dessa avaliação. Um objeto, como emerge mais uma vez da narrativa da terapeuta da fala, também ele multidimensional.

A coerência estabelecida entre a perspetiva que estas narrativas inferem, tanto ao processo, como ao objeto de avaliação, ao dar importância às próprias aprendizagens, assume-se como um processo para as aprendizagens. Um significado de avaliação que dá relevância ao saber, mas também ao saber fazer e às necessidades que os alunos têm para conseguirem ser autónomos tendo em conta aprendizagens socialmente requeridas, ideia veiculada pela coordenadora da ER:

É a autonomia, é a preparação para a vivência diária, para a capacidade de eles desenvolverem determinadas tarefas importantes dentro das capacidades de cada um. Tentarmos que eles consigam desenvolver determinadas competências que possibilitem que a vida deles seja mais fácil. (DD)

Deste modo, o processo de avaliação para as aprendizagens é desenvolvido com base em alunos concretos, que têm expetativas e necessitam de respostas diferenciadas e também elas concretas. Processo de avaliação que recolhe informação com vista à ação e (re)adequação contínua das estratégias de ensino e de aprendizagem. Neste sentido, a avaliação permite a qualificação das próprias aprendizagens e dos desempenhos nos contextos de vida dos alunos e tem como principal objetivo o sucesso:

O maior desafio é uma avaliação objetiva e muitas vezes subjetiva que permita uma intervenção com mais eficácia. Por exemplo, uma avaliação que até possa ser uma observação em contextos naturais, em contextos do dia-a-dia destes alunos e que seja mais eficaz conduzindo ao sucesso destes alunos. (DC)

Abordagem de avaliação que encara o aluno como uma entidade total e complexa, uma pessoa com condições específicas e únicas que estabelece interações que decorrem em determinados tempos e contextos também específicos. Ao cruzarmos os discursos anteriores com as narrativas constantes em alguns documentos do AE surge uma primeira evidência: a de que, mais do que uma divergência relativamente à natureza da avaliação pedagógica, emerge uma tensão relativamente ao seu caráter mais formativo ou mais sumativo. Tensão que revela ambiguidades no plano coletivo, o que (in)forma as políticas do AE e, no plano individual, no que concerne às práticas. No primeiro plano, realçamos os registos normativos. Por um lado, as orientações normativas para a avaliação dos alunos (ONAA) que consideram estruturante, de todo o ato avaliativo, a avaliação formativa.

Identifica-se com a visão formativa da avaliação. (…) Mais do que uma certificação final, pretende-se a capacitação dos alunos nos mais variados domínios de aprendizagem, numa cultura de avaliação baseada em critérios claros, rigorosos e coerentes. (…) Entende-se a avaliação não como um objetivo a atingir mas sim como um instrumento ao serviço da melhoria do desempenho dos alunos. (ONAA, p. 6)

Tipo de avaliação que realça a recolha contínua de informação adequada às caraterísticas de cada um dos alunos, fazendo sobressair essas caraterísticas e a elegibilidade de respostas adequadas. Ação de avaliação que integra outros momentos de avaliação também formativa, reguladores da atividade dos docentes e aglutinadores de dimensões como o saber, o fazer, o ser e o estar dos alunos que importa ter em atenção no decorrer da avaliação, sentido para que nos remete o guia de avaliação dos alunos (GAA):

As menções classificativas a atribuir decorrem da frequência com que são verificados (em momentos formais ou informais de avaliação) e registados nos instrumentos de avaliação utilizados pelos professores, indicativos de desenvolvimento das competências estabelecidas, da apropriação dos conhecimentos abordados e de expressão de atitudes e valores. (GAA, p. 1)

Por outro lado, as ONAA que, para além de realçarem a sua identificação com a avaliação formativa, como já exemplificamos, também sublinha que “a avaliação sumativa dá origem a uma tomada de decisão sobre a progressão ou retenção do aluno (ONAA, p. 10). Referimos ainda, o regulamento interno que aponta para uma avaliação diagnóstica dos alunos com NEE eminentemente classificativa. Tipo de avaliação cujo objetivo é, essencialmente, a elegibilidade para serviços e respostas específicas. Regulamento interno que estrutura as narrativas referentes ao processo de avaliação pedagógica dos alunos com NEE numa lógica de enclave estabelecido entre diplomas legislativos gerais e diplomas legislativos enquadradores da educação especial. Nesta lógica de tensão entre o plano do apropriado e o plano do concretizado, sublinhamos as palavras da coordenadora da ER e do diretor do AE que explicitam o afastamento entre os sentidos dos discursos (o que se diz) e os sentidos da ação (o que se faz).

Como é que posso explicar... Embora as pessoas apresentem de início os critérios que vão utilizar as ponderações...o que eu percebo é que no fundo, no fundo as pessoas só ligam aos testes que os alunos... Não falo tanto no primeiro ciclo e aqui na nossa escola... Mas no fundo, no fundo as pessoas agarram-se muito aos resultados dos testes. (DD)

A avaliação é contínua, vamos acreditar piamente que é, devia ser assim... Mas não é assim. (…) Aquele documento de que eu há pouco falava, um documento que foi produzido durante um ano e meio... Normas orientadoras para a avaliação dos alunos do ensino básico... Do ensino básico porque o secundário é uma coisa que fica naturalmente fora disto... Era um documento cujo objetivo era encontrar uma linguagem comum, como já disse há pouco... Mas nós percebemos que aquilo é um documento ainda pouco vivenciado. O feedback que eu tenho é: aquilo está ali, foi normalizado, foi discutido e às duas-por-três tu estás a perceber que as pessoas estão a fazer completamente ao arrepio daquilo que elas próprias acordaram e está cada uma a fazer por si. (DA)

Narrativas que confirmam um sentido de qualificação da avaliação pedagógica que nem sempre encontra equivalente nas práticas reais.

5.Considerações finais

Da análise dos dados emerge um caleidoscópio de compreensões concetuais individuais e mesmo organizacionais que podem influenciar negativamente a implementação de um autêntico processo de avaliação formativo. Eixos axiológicos que se deslocam continuamente entre o que seria apropriado e o que é na realidade concretizado. Um movimento discursivo estabelecido de forma contínua e pouco clara entre o caráter formativo e o caráter sumativo da avaliação pedagógica. Por um lado, discursos que encaram o processo de avaliação pedagógica como uma mais-valia para os processos de ensino e de aprendizagem, na medida em que recolhe informação reguladora desses mesmos processos. Ação que não se confina ao desenvolvimento de interações em sala de aula mas remete para todos os contextos de aprendizagem, um processo eminentemente comunicativo. Por outro lado, a defesa de uma ação que remete para procedimentos que permitem a atribuição de números, pontuações a caraterísticas de determinado aluno de modo a preservar as relações especificadas no domínio comportamental. Perspetiva que se alarga à dimensão da medida encontrada entre objetivos definidos a priori e os desempenhos observados. Perspetiva que se generaliza de tal modo que é o próprio PEI, o currículo, que se transforma em instrumento de medição.

Das diversas narrativas, parece-nos considerar-se apropriado o desenvolvimento de processos de avaliação para as aprendizagens mas concretizar-se o desenvolvimento de processos de avaliação de aprendizagens. Constata-se a existência de um discurso tendencialmente mais orientado para ações de avaliação (evaluation), com vista à elegibilidade de alunos para programas e recursos, do que para a avaliação (assessment), com o fim de aferir o que o aluno sabe e o que necessita de saber. Mesmo que emergindo alguns recortes narrativos contrários, o que prevalece é o ato avaliativo que valoriza as habilidades e capacidades observadas e quantificáveis/medíveis. Ação que recai sobre as aprendizagens tidas, em si mesmo, como comportamentos socialmente adequados, requeridos e, essencialmente, prescritos. Embora se constate, no que respeita à avaliação formativa, a presença de ideias atuais, também emerge a dificuldade em transformar perspetivas vindas da investigação em práticas educativas reais, no que respeita à avaliação enquanto ato formativo.

 

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Contacto:

Joaquim Colôa, Agrupamento de Escolas Padre Bartolomeu de Gusmão, Escola Josefa de Óbidos, Rua Coronel Ribeiro Viana, 1399-040, Lisboa, Portugal / joaquim.coloa@gmail.com
Leonor Santos Instituto de Educação, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação Universidade de Lisboa, Alameda da Universidade, 1649-013, Lisboa, Portugal / mlsantos@ie.ul.pt

 

(recebido em novembro de 2014, aceite para publicação em março de 2014)