ARTIGOS

Práticas de Inclusão de Alunos com Perturbações do Espetro do Autismo

 

Dídia Lourenço I; Teresa Leite II

I Agrup. Escolas Vale da Amoreira /UIDEF-UL didia_a@hotmail.com

II ESELx/UIDEF-UL teresal@selx.ipl.pt  

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Resumo

Este artigo surge no âmbito de um estudo mais vasto que tem como principal objetivo identificar as Necessidades de Formação dos Docentes de Ensino Regular e de Educação Especial para a inclusão de alunos com Perturbações do Espetro do Autismo (PEA) nas escolas do ensino regular. Para a realização desse estudo, realizámos observações diretas em sala de aula e auscultámos os vários agentes educativos que podem contribuir para a inclusão efetiva destes alunos, nomeadamente os docentes de ensino regular (1º ciclo) e educação especial, diretores de agrupamentos de escolas com unidades de ensino estruturado para alunos autistas e encarregados de educação dos alunos com PEA. Paralelamente, analisámos os documentos de suporte ao desenvolvimento do processo educativo destes alunos. Mais especificamente, com as observações em sala de aula do ensino regular, pretendemos conhecer as práticas pedagógicas desenvolvidas e as formas de organização e gestão curricular da turma e de apoio e acompanhamento específico a estes alunos. Neste artigo apresentamos a análise das observações, tendo em conta: (i) o contexto de observação; (ii) as estratégias e atividades desenvolvidas; (iii) a relação comunicativa estabelecida.

Desta análise, é possível inferir necessidades de formação que se situam tanto ao nível da compreensão da problemática das crianças como do planeamento e gestão curricular da turma.

Palavras-Chave: inclusão, perturbações do espetro do autismo, observação direta, necessidades de formação dos professores para a inclusão

 

Abstract

This article arises from a wider study and it aims to identify the Training Needs of General Education Teachers and Special Needs Teachers in order to allow the inclusion of students with Autism Spectrum Disorders (ASD) in mainstream schools. To perform this study, we conducted direct observations in the classroom and inquired several educational agents that can contribute to the effective inclusion of these students, namely general education teachers (1st cycle), special needs teachers, school groups directors with structured education units for autistic students, and parents of students with ASD. In line with this, we examined the documents supporting the development of the educational process of these students. In particular, with the observations in the regular education classroom, we intend to get to know the pedagogical practices developed, the organization and curricular management of the classroom and the means of specific support and monitoring of these students. In this article, we present the observations analysis, taking into account: (i) the context of the observation; (ii) the strategies and activities developed; (iii) the communicative relationship established. From this analysis, it is possible to infer training needs both in understanding the children’s problematic and in the curriculum planning and management of the classroom.

Keywords: inclusion, autism spectrum disorders, observation, teacher education needs for inclusion

 

Résumé

Cet article fait partie d'une étude plus large qui vise à identifier les besoins de formation des professeurs de l'enseignement régulier et l'éducation spéciale pour l'inclusion des élèves ayant des troubles du spectre autistique (TSA) dans les écoles ordinaires. Pour réaliser cette étude, nous avons effectué des observations directes dans la salle de classe et écouté les différents agents éducatifs qui peuvent contribuer à l'inclusion effective de ces élèves, y compris les professeurs de l’enseignement régulier (1er cycle) et de l’éducation spéciale, des directeurs de groupes scolaires avec des unités d’enseignement structurées pour les élèves autistes et des parents d'élèves atteints de TSA. Parallèlement, nous avons analysé les documents d'appui au développement du processus éducatif de ces élèves. Plus précisément, avec les observations dans la salle de classe de l'enseignement régulier, nous voulons connaître les pratiques pédagogiques mises en place et les formes d'organisation et de gestion de classe, des programmes, de soutien et de suivi spécifique à ces élèves. Dans cet article, nous présentons l'analyse des observations, en tenant compte: (i) du contexte de l'observation; (Ii) des stratégies et des activités mises en place; (Iii) de la relation communicative établie. De cette analyse, nous pouvons déduire les besoins de formation qui se situent aussi bien au niveau de la compréhension du problème des enfants qu’à celui de la planification et gestion de la classe et des programmes.

Mots Clés : inclusion, troubles du spectre autistique, l'observation directe, les besoins de formation des enseignants pour l'inclusion

 

Introdução

A Educação Inclusiva pressupõe que todos os alunos, independentemente das suas necessidades, efetuem as suas aprendizagens nas Escolas de Ensino Regular (EER). Portugal tem vindo a assumir progressivamente, no campo legislativo, este pressuposto. No entanto, no campo da prática, a inclusão tem sido um processo demorado e difícil, quer ao nível das atitudes e ações dos principais atores, quer ao nível das formas de organização e funcionamento das escolas e do ensino.

A inserção de alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE) está legislada em Portugal desde 1991 (Decreto-lei nº319) e tem um impulso decisivo com a Declaração de Salamanca (1994), mas é o Decreto-lei nº3/2008 que vem preconizar o atendimento, nas escolas do ensino regular, de alunos com perturbações específicas e complexas, até aí atendidos geralmente em instituições de Educação Especial. Com efeito, este diploma consagra a criação, nos Agrupamentos de Escolas (AE), de Unidades de Apoio Especializado para a educação de alunos com Perturbação do Espetro Autista e Multideficiência.

Estas medidas abriram as portas das escolas de Ensino Regular aos alunos com NEE que necessitam de respostas muito específicas, nomeadamente aos alunos que apresentam problemáticas de baixa frequência e alta intensidade (Simeonsson, 1994), tais como a cegueira e a surdez, o autismo, a paralisia cerebral, o síndroma de Down, entre outras.

Ao longo das últimas décadas, as necessidades e capacidades das crianças com Perturbação do Espetro Autista (PEA) têm sido objeto de um número considerável de estudos, dando origem a uma maior consciencialização dos professores e das escolas em relação a esta problemática (Daniels & Porter, 2007). Por outro lado, nos últimos anos, assistiu-se a um aumento significativo da prevalência de alunos com esta problemática, criando novos desafios educativos (Frederickson, Jones & Long, 2010; Eman & Farrel, 2009). Com efeito, não basta colocar um aluno com PEA numa turma de ensino regular e esperar que a modelagem e interação entre pares favoreçam o seu desenvolvimento pessoal e social e as aprendizagens escolares. O planeamento e gestão do currículo comum e das suas adequações para estes alunos e a criação de ambientes de aprendizagem organizados, participativos e colaborativos são fatores essenciais para que a inclusão não seja equacionada apenas como quimera mas se torne uma possibilidade concreta e atingível (Rodrigues, 2006)

Este artigo surge no âmbito de um estudo mais amplo que tem como principal objetivo identificar as Necessidades de Formação dos Docentes de Ensino Regular (ER) e de Educação Especial (EE) para a inclusão de alunos com Perturbações do Espetro do Autismo (PEA) nas Escolas do Ensino Regular. Para a identificação dessas necessidades, procurámos conhecer: (i) as conceções dos professores de ER e EE, dos diretores das escolas e dos pais sobre a inclusão dos alunos com PEA e sobre a formação profissional considerada necessária para levar a efeito esse processo; (ii) as práticas pedagógicas nas salas de aula em que estes alunos se integram e as formas de organização e gestão curricular da turma e de apoio e acompanhamento específico a estes alunos. Neste artigo, incidimos sobre o terceiro objetivo, analisando as práticas pedagógicas em contexto inclusivo.

 

1-Inclusão de alunos com PEA nas Escolas Regulares

1.1.Intervenção Educativa Inclusiva

Existe uma grande variedade de opiniões e de atitudes por parte dos professores no que diz respeito à implementação de práticas inclusivas (Ravet, 2011). No entanto, de um modo geral, há uma notável falta de evidências empíricas para fundamentar a prática e a política a adotar relativamente a “melhores práticas” nas salas de aula (Parsons et al., 2011).

A “Pedagogia Inclusiva”, proposta por Florian e Hawkins (2011), defende uma perspetiva de inclusão que envolve todos os alunos e integra a necessária reflexão dos professores sobre o que os alunos precisam de saber, de modo a operacionalizar o ensino eficaz e as aprendizagens para todos.

Pretende-se que a aprendizagem se faça em ambientes inclusivos, com a ajuda do professor, com/e no grupo dos pares, no contexto ao qual pertence cada um dos alunos com NEE, valorizando-se saberes e experiências de todos, com o seu nível de funcionalidade, numa perspetiva ecológica de desenvolvimento (Vygotsky, citado por Wertsch, 1991).

De acordo com o estudo desenvolvido por Humphrey e Lewis (2008) em quatro escolas tradicionais do Reino Unido, é possível elencar dois aspetos principais relativamente às práticas desenvolvidas pelos professores na maioria dos contextos educativos que incluem alunos com PEA:

a) Pouca diferenciação no desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem de crianças com PEA. Esta situação origina práticas educativas descontextualizadas e que pouco ou nada contribuem para a inclusão destes alunos nas salas de aula;

b) Pouca clarificação relativamente a quem é responsável pelas aprendizagens e participação destas crianças: o professor da turma ou o professor de EE. Esta situação gera por vezes alguma desresponsabilização, intencional ou não, por parte dos docentes quer do ER, quer de EE.

Podemos, assim, afirmar que salas de aula que incluam alunos com PEA têm frequentemente problemas decorrentes das ineficientes respostas às necessidades destes alunos (Watkins, 2007, citado por Ravet, 2011).

De facto, não basta colocar um aluno com PEA numa turma de ER e pensar que ele aprenderá a agir de forma “regular”. Como afirma Siegel (2008), é necessário “proporcionar modelos mais normais da aprendizagem de competências específicas e no campo da interação entre pares.” (p. 296). No entanto, não podemos descurar o nível de desenvolvimento do aluno com PEA, o seu desenvolvimento social e o tipo de apoio que estará disponível no contexto do ER.

O processo de inclusão na turma do ER deve ser gradual e feito entre o professor da turma e o docente de EE, guiando o aluno, passo a passo, através das atividades. À medida que o aluno vai dominando as atividades, o adulto vai-se gradualmente retirando (Correia, 2003; Lima, 2012; Siegel, 2008). Para este efeito, as Unidades de Ensino Estruturado (UEE) são um excelente recurso, pois permitem que o aluno possa frequentar a sala de aula apenas em alguns períodos e de forma gradual.

Também é certo que o professor tem de ter consciência de que há na sua turma um aluno com PEA e deverá estar interessado nos aspetos particulares envolvidos na educação desse mesmo aluno, assim como ter em conta qual o seu respetivo objetivo da inclusão, considerando-a nas suas duas vertentes: académica e social (Siegel, 2008).

Assim sendo, a educação inclusiva não se refere apenas a um espaço físico, mas à condição ou estado de ser, implicando sentimento de pertença e aceitação, tendo mais a ver com o modo como os professores respondem às diferenças de cada indivíduo, do que com configurações educacionais específicas (Siegel, 2008; Voltz, Brazil & Ford, 2001).

Quando uma criança integra uma turma, uma das questões essenciais é determinar “Como irá ela ser ensinada?” (Siegel, 2008, p. 301). Assim, o professor de ER de uma criança com PEA tem de possuir competências de aplicação dos princípios de controlo de comportamento bem como conhecer métodos instrucionais e estratégias específicas (ibidem).

Segundo Siegel (2008), o facto de as crianças com PEA aprenderem de forma diferente tem três implicações importantes:

“1) A aprendizagem irá ser um trabalho mais duro para a criança;

2) As crianças com autismo têm de ser ensinadas de maneira a ter em conta o que são capazes de compreender naturalmente. Isso significa que a Educação Especial pode consistir em maior estimulação, por comparação com o que a maior parte das outras crianças necessitam ou a diferente estimulação;

3) Se a intervenção se iniciar precocemente, a tarefa provavelmente será mais fácil, porque a criança não terá de desaprender formas menos produtivas de adaptação aos seus défices que terá adquirido por si mesma- tal como fazer birras como forma de obter aquilo que pretende.” (p. 262)

Tal como é referido por Rivière (2001), o autismo pede ao sistema educativo duas coisas: diversidade e personificação (p.81). Os sistemas de ensino baseados na homogeneidade são ineficazes quando se trata de responder às necessidades de crianças com quadros de autismo. Uma vez que existe uma grande diversidade de quadros de autismo, só uma avaliação específica e adaptada a cada caso pode indicar as soluções educativas mais adequadas.

Desde os anos 60 que se começaram a implementar programas com vista à modificação de condutas das crianças autistas de forma a promover-se o desenvolvimento da comunicação, linguagem e competências sociais. Desde essa altura até à atualidade, estes programas evoluíram de forma muito significativa (Rivière, 2001).

Lima (2012) salienta que o tempo de integração com o grupo de pares (turma) não deve ser apenas social (em contexto de recreio, por exemplo), mas também académico (em contexto de sala de aula). Neste tempo de integração, a criança com PEA poderá pôr em prática os conhecimentos apreendidos nos contextos de trabalho mais individualizados. Contudo, a autora refere que, para que tal aconteça, têm de estar reunidas as condições necessárias para que a criança com PEA possa permanecer sentada e aprender, o que “implica a estruturação do espaço, das atividades e dos materiais”.

 

1.2. Formação de Professores

Segundo Cochran-Smith e Zeichner (2008), têm sido poucos os estudos que se debruçam sobre a Formação de Professores para o trabalho com alunos com incapacidades, o que constitui uma séria omissão no campo da educação.

A investigação acerca de necessidades de formação de professores para a inclusão evidencia a pertinência de se desenvolverem processos de formação individualizados que tenham por base a análise e problematização da intervenção profissional do professor (Madureira & Leite, 2007). Só deste modo será possível contribuir para o efetivo Desenvolvimento Profissional e ultrapassar aquilo que Nóvoa (2007) denomina de “consenso discursivo” que esconde uma grande pobreza de práticas. “É preciso passar a formação de professores para dentro da profissão” (Nóvoa, 2007, p.24). Para que a formação passe para dentro da escola, é importante que seja organizada em função do que se passa dentro da escola.

A Formação de Professores deverá ter como finalidade última a preparação  e desenvolvimento de profissionais capazes de participar em processos que conduzam à construção de uma escola que educa e ensina a todos, respeitando e valorizando as diferenças individuais e procurando que cada aluno atinja o nível mais elevado possível em termos de desenvolvimento e aprendizagem. (Madureira & Leite, 2007, p.13)

Relacionando a Formação de Professores com a inclusão de alunos com Necessidades Educativas Especiais nas Escolas de Ensino Regular, verifica-se que a efetivação da Educação Inclusiva tem encontrado algumas barreiras relacionadas com a falta de formação adequada dos professores para atender à diversidade de Necessidades Educativas apresentadas pelos alunos (Allan & Slee, 2008; César, 2007).

Uma resposta adequada a nível educativo depende, em grande parte, da compreensão que os professores têm relativamente a esta problemática. A investigação desenvolvida a este nível mostra que muitos professores não têm conhecimento suficiente para apoiar eficazmente a aprendizagem e a participação de alunos com PEA (Batten & Daly, 2006; HMIE, 2006; Humphrey & Lewis, 2008).

Nas salas de aula, os professores são chamados a responder às necessidades dos alunos com PEA não como um problema da criança, mas como um desafio para o próprio professor e têm de procurar desenvolver-se profissionalmente para encontrar novas formas de apoiar a aprendizagem destes alunos (Florian & Preto, Howkins, 2011).

Os estudos desenvolvidos a este nível permitem elencar quatro aspetos limitativos de respostas adequadas aos alunos com PEA. São eles: (i) limitado acesso à formação; (ii) liderança pobre; (iii) atitudes negativas; (iv) restrita interpretação e utilização de práticas inclusivas (Batter Daly, 2006; Ravet, 2011, 2012).

Alguns professores, devido às limitações enunciadas anteriormente, tendem a atuar nas salas de aula tendo em conta estilos de aprendizagem baseados em conceções sobre o desenvolvimento cognitivo típico e os padrões comuns de aprendizagem e, dessa forma, não tomam em consideração os estilos de aprendizagem dos alunos autistas. Desse modo, acabam por os excluir sem ter, muitas vezes, consciência dessa exclusão, a não ser que, por meio da formação ou um outro estímulo, tomem consciência da sua própria atuação (Rodrigues, 2006).

Sintetizando, verificamos que, no debate sobre a inclusão de alunos com PEA, há duas questões cruciais: uma tem a ver com a formação dos professores, nomeadamente se os professores necessitam de mais formação para incluir alunos com PEA (Ravet, 2011); outra diz respeito à necessidade de os professores compreenderem a importância da inclusão para todos.

Embora sejam duas questões distintas, é possível, através da primeira, dar resposta à segunda. A este nível, Rodrigues e Lima-Rodrigues (2011) referem que:

A Formação de Professores não deve esquecer a importância das atitudes dos professores para o sucesso da sua intervenção. De facto, a formação de professores pode e deve assumir-se como um instrumento potenciador do desenvolvimento de atitudes positivas face à inclusão de alunos com NEE (p. 105)

Os autores acima referidos enumeram três aspetos para a criação de atitudes positivas nos professores: (i) O conhecimento e discussão de casos de sucesso e “boas práticas”; (ii) O estabelecimento de relações de cooperação entre vários elementos de forma a terem uma visão equilibrada e abrangente do aluno; (iii) O investimento na formação em serviço (formação contínua) de modo a evitar a fixação dos professores em ideias e atitudes pré-estabelecidas (Rodrigues & Lima-Rodrigues, 2011).

Formar professores com competências que facilitem a inclusão implica desenvolver estratégias formativas que permitam consciencializar o formando, a nível pessoal e social, de modo que possa gerir de forma adequada as suas emoções e responder de forma adequada às situações com que se depara. Para tal, a Formação de Professores deve visar uma sequencialidade e complementaridade que configurem um continuum capaz de contribuir para o Desenvolvimento Profissional e para a criação de culturas escolares inclusivas (Madureira & Leite, 2007).

 

2. Enquadramento metodológico

Como foi referido na introdução, esta componente do estudo visa conhecer as práticas pedagógicas em turmas integrando alunos com PEA, nomeadamente a organização e gestão curricular e as formas de apoio e acompanhamento específico a estes alunos.

As questões específicas que orientaram esta dimensão do estudo podem ser sintetizadas da seguinte forma: i) Como são organizadas as atividades e os alunos em turmas do 1.º ciclo que integram alunos com PEA? ii) Que estratégias e atividades são planeadas e implementadas pelos docentes nestas situações? iii) Que relação pedagógica é estabelecida nestas turmas?

Planeámos assim um estudo de caso múltiplo (Coutinho, 2011), considerando como caso a inclusão dos alunos com NEE na sala de aula regular e definindo como objetivos específicos:

• Caraterizar a organização do espaço, dos grupos e das atividades em salas de aula do 1.º ciclo nas quais estão inseridos alunos com PEA.

• Conhecer o tipo de estratégias e atividades desenvolvidas nessas turmas, as formas de planeamento subjacentes e o apoio prestado aos alunos com PEA no decorrer das atividades.

• Caraterizar a relação comunicativa estabelecida nessas turmas.

Considerámos como contexto de observação o espaço em que a ação pedagógica decorreu e a forma de organização desse espaço, a qual teve em conta não apenas a disposição do equipamento, mas também a utilização do espaço das paredes. De acordo com os objetivos do estudo, na noção de contexto de observação incluímos ainda os recursos pedagógicos específicos para o aluno com PEA e a sua localização na sala, dada a importância destes aspetos na maior parte dos processos de intervenção específicos com esta população (Pereira, 2005) e, especialmente, no modelo TEACCH (Treatment and Education of Autistic and related Communication Handicapped Children), modelo utilizado de forma preferencial nas UEE.

Por estratégia de ensino entendemos a “conceção global, intencional e organizada, de uma ação ou conjunto de ações tendo em vista a consecução das finalidades de aprendizagem visadas” (Roldão, 2009, p. 68). A estratégia de ensino pode ser analisada em dois planos: “o plano da conceção (como se organiza a ação e porquê, tendo em conta para quê e para quem) e o plano instrumental (com que meios, atividades e tarefas, em que ordem e porquê) (Roldão, 2009). Neste sentido, atividades e tarefas são partes constituintes da estratégia de ensino, “desde que o seu uso seja orientado para dar sequência à conceção global em causa” (Roldão, 2009, p. 68). Tal como a intencionalidade, a coerência e a sequencialidade são, portanto, elementos essenciais do planeamento estratégico do ensino. Assim, para analisar as estratégias e atividades, tivemos em conta as evidências de planeamento (para turma e para o aluno com PEA), reveladas pela intencionalidade, coerência e sequencialidade das atividades propostas e também pela sua realização.

A compreensão das situações pedagógicas passa ainda, inevitavelmente, pela análise da relação comunicativa, porque “todo o ato pedagógico é essencialmente um ato de comunicação visando induzir a aprendizagem de um saber” (Estrela, 1992). Para a análise da relação comunicativa, distinguimos as interações verbais das interações não verbais (Estrela, 1994) mas, tendo em conta a dificuldade das crianças com PEA “para estabelecer relações sociais e a falta de resposta e de motivação para os seus contatos com as pessoas” (García & Rodriguez, 1997, p. 252), bem como a tendência que apresentam para “comportamentos repetitivos e estereotipados” (ibidem, p. 254), foi necessário introduzir também os comportamentos sem finalidades interativas óbvias.

Para a consecução destes objetivos, a observação em sala de aula é fundamental, uma vez que permite responder a questões de investigação centradas na especificidade das situações pedagógicas (Rodrigues, 2001), fornecendo a descrição de ações e comportamentos dos sujeitos em situação interativa, ações e comportamentos que não são captáveis através de outras técnicas. Recorremos à observação naturalista uma vez que esta facilita a descrição do continuum das ações e comportamentos durante um determinado espaço de tempo, sem exigir uma seleção prévia daquilo que se pretende observar (Estrela, 1994).

Foram realizadas 45 observações, cinco em cada uma das nove turmas selecionadas por terem alunos com PEA. As turmas pertencem a 3 Agrupamentos de Escolas (AE), sendo 3 turmas de cada agrupamento. Os agrupamentos foram escolhidos por um critério de conveniência (Coutinho, 2011). A Tabela 1 sintetiza os dados socioprofissionais dos docentes das turmas observadas.

 

Tabela 1 – Caraterização socioprofissional dos docentes

Ag.Esc.

Turmas

Docentes

Idade

Género

Anos

serv.

Formação

A

TI

DI

35-40

F

14

Lic. Prof. 1.º CEB + Pós-grad.

A

T2

D2

35-40

F

15

Lic. Prof. 1.º CEB

A

T3

D3

40-45

F

18

Lic. Prof. 1.º CEB + Pós-grad.

B

T4

D4

35-40

F

14

Lic. Prof. 1.º CEB

B

T5

D5

30-35

F

12

Lic. Prof. 1.º CEB

B

T6

D6

35-40

M

14

Lic. Prof. 1.º CEB e Ed. Física

C

T7

D7

40-45

M

16

Lic. Prof. 1.º CEB e Ed. Física

C

T8

D8

35-40

F

15

Lic. Prof. 1.º CEB e Mat/Ciên.

C

T9

D9

40-45

F

17

Lic. Prof. 1.º CEB e Ed. Física

 

A análise da tabela 1 permite concluir que os nove docentes observados se situam numa fase intermédia da carreira profissional, sendo que o mais velho tem 18 anos de serviço e o mais novo tem 12 anos de serviço. Dois dos docentes têm, além da licenciatura, uma pós-graduação na área da psicologia.

Na tabela 2, apresentamos a síntese dos dados de caraterização de cada uma das turmas e do aluno com PEA integrado em cada uma.

 

Tabela 2 – Caraterização das turmas e dos alunos com PEA

 

Turma

Nº de alunos

Ano de escol. (Turma)

Aluno com PEA[1]

Idade

Medida educativa

Ano de escolaridade

(matrícula ou frequência)

Nível educativo do aluno

TI

20

4.º

Emanuel

9

ACI

4. º ano

1.º/2.º ano

T2

20

4.º

Mário

11

CEI

6 anos

Pré-escolar

T3

20

3.º

Francisco

9

CEI

4 anos

Pré-escolar

T4

20

3.º

João

9

CEI

4 anos

1.º ano

T5

22

2.º

Maria

9

CEI

3 anos

Pré-escolar

T6

20

2.º

Eduardo

7

CEI

2 anos

1.º ano

T7

20

4.º

João A.

12

CEI

6 anos

2.º ano

T8

20

1.º

Tiago

8

ACI

1.º ano

Pré-escolar

T9

20

4.º

Leonardo

11

CEI

6 anos

Pré-escolar

Legenda: ACI – Adequações Curriculares Individualizadas; CEI – Currículo Específico Individual

 

Como a tabela mostra, as turmas não são demasiado numerosas, embora em algumas existam outras crianças com NEE para além dos alunos com PEA. Estes desenvolvem trabalho que não corresponde ao ano de escolaridade da turma, verificando-se desfasamentos notórios, como aquele que ocorre nas turmas 2 e 9, entre o 4º ano de escolaridade e o pré-escolar. De realçar ainda que apenas dois destes alunos têm Adequações Curriculares Individualizadas (ACI), enquanto todos os outros têm um Currículo Específico Individual (CEI).

Para analisar as observações, definimos três grandes dimensões: o contexto de observação, as estratégias e atividades de ensino e a relação comunicativa.

As observações foram sujeitas a um tratamento por fases, “utilizando a técnica da redução fenomenológica dos dados para sobrepor planos de significação” (Rodrigues, 2001, p. 67). Numa primeira fase, tendo como quadro de referência a revisão da literatura e os objetivos do trabalho, foi construída uma grelha de análise que se aplicou a cada uma das 45 observações. Numa segunda fase, elaborou-se o resumo das observações por turma, considerando as mesmas dimensões e subdimensões que surgiam na grelha inicial. Finalmente, reconstruiu-se a grelha de análise, aplicando-a simultaneamente às 9 turmas e introduzindo novas subdimensões que decorreram de padrões de regularidade identificados no próprio material em análise (tabela 3).

 

Tabela 3 – Dimensões e subdimensões de análise das observações

Dimensões

Subdimensões

 

Contexto de observação

Local de observação

Disposição do equipamento

Localização do aluno com PEA

Organização do espaço específica para o aluno com PEA

Suportes visuais à organização do grupo e do aluno com PEA

Recursos materiais utilizados pelo aluno com PEA

 

 

Estratégias e atividades

Ano de escolaridade

Áreas curriculares

Inserção do aluno com PEA no planeamento para a turma

Planeamento das estratégias e atividades para o aluno com PEA

Apoio ao aluno com PEA

Realização das atividades individuais

Realização das atividades da turma

Relação comunicativa

Interações verbais

Interações não verbais

Comportamentos não interativos

 

3. Apresentação e discussão dos resultados

3.1. Contexto de observação

maior parte das observações decorreu no espaço da sala de aula e apenas três delas ocorreram noutros espaços: a horta pedagógica, a biblioteca e o ginásio. A organização do espaço da sala de aula tende a ser a tradicional (mesas em filas com os alunos em pares), notando-se duas exceções na turma 3 e na turma 5, as quais estão organizadas em grupos de quatro alunos e em U, respetivamente.

Na maior parte das situações, os alunos com PEA encontram-se sentados nas primeiras filas, mas em três das nove turmas observadas foram colocados nas últimas filas ou ao fundo da sala. Apenas na turma 2, o aluno com PEA tem um colega ao lado. Nas restantes situações, os alunos encontram-se isolados ou sentados ao lado da assistente operacional que os acompanha na sala de aula. De salientar que, na turma 3, o aluno com PEA integra um grupo formado por alunos com NEE, o que poderá levantar algumas questões relativamente à inserção desses alunos na turma.

Nas salas de aula, não existe um espaço organizado especificamente para o aluno com PEA, nem recursos pedagógicos especialmente pensados para as suas necessidades, o que contraria as orientações de alguns dos modelos de intervenção preconizados para estas crianças. Apenas numa das salas (turma 3) existem suportes visuais expostos na parede para a auto-organização do grupo. No entanto, nesses quadros organizativos, como por exemplo o planeamento das tarefas, não aparece o nome do aluno com PEA.

Em todas as salas, os recursos mais utilizados são os cadernos e, por vezes, fotocópias preparadas pelo professor da turma. Os manuais são usados pelos alunos com PEA apenas em três situações (turmas 1, 7 e 8). Existem ainda 3 situações (turmas 2, 3 e 9) em que os alunos com PEA não usam qualquer material proveniente da sala de aula, mas apenas os recursos pedagógicos que são trazidos da UEE, de acordo com as tarefas que os docentes de EE propõem que sejam feitas em sala de aula.

Em síntese, as salas e os alunos tendem a ser organizados de forma tradicional, não apenas ao nível do espaço físico, mas também no que se refere à dependência dos alunos em relação ao professor para a consecução das atividades, uma vez que apenas numa das turmas existem instrumentos de auto-organização que permitirão uma certa autonomia e responsabilização dos alunos. Os alunos com PEA estão geralmente separados dos colegas, em espaços que facilitam o apoio individualizado da assistente operacional ou num grupo formado por crianças com NEE. Não há diferenças relevantes entre os três agrupamentos de escolas. A necessidade de estruturação do espaço, do tempo e dos materiais, referida pela maior parte dos autores que se debruçam sobre a problemática das PEA (cf. Pereira, 2005; Siegel, 2008, entre outros), não é, portanto, visível nestas salas.

 

3.2. Estratégias e atividades

Como referimos na caraterização dos participantes, independentemente do ano de escolaridade da turma em que se integram, os alunos com PEA desenvolvem maioritariamente atividades individualizadas ao nível da educação pré-escolar (alunos nas turmas 2, 3, 5 e 9) ou do 1.º ou 2.º ano. A Matemática é a área curricular mais trabalhada por todos os alunos, seguida da Expressão Plástica. O trabalho em Língua Portuguesa é desenvolvido apenas por alguns alunos.

Nas turmas observadas, todos os alunos realizam as mesmas atividades ao mesmo tempo, exceto aqueles que têm NEE, a quem são solicitadas atividades diferentes em quase todas as aulas observadas. As situações em que são integrados em atividades comuns dizem respeito, geralmente, a aulas que ocorrem noutros espaços físicos que não a sala de aula, como a biblioteca ou a horta pedagógica, ou a aulas com finalidades muito específicas, como a elaboração da prenda do dia da mãe. A inserção do aluno com PEA na maior parte das atividades comuns ocorre apenas na turma 8, em grande parte devido à recusa deste em realizar atividades diferenciadas.

Em três das turmas observadas (turmas 2, 3 e 9), as atividades para os alunos com PEA vêm já previamente organizadas da UEE, aparentemente sem a participação dos docentes das turmas no respetivo planeamento. Quando os alunos acabam de realizar essas atividades, são as assistentes operacionais que propõem outras, sem intervenção do professor. Apenas numa das aulas de cada uma dessas turmas, os professores integraram os alunos com PEA em atividades comuns. De notar que a iniciativa de atividades propostas pelas assistentes operacionais foi também registada noutras turmas, quando os professores trabalhavam com o grande grupo.

Nas turmas 1, 5 e 7, os alunos com PEA realizam atividades e tarefas propostas pelo professor da turma, mas sem que haja evidência de planeamento prévio, uma vez que as tarefas não são antecipadamente preparadas, sendo organizadas na própria situação. A análise destas atividades não evidencia sequencialidade face a um objetivo previamente definido, parecendo decorrer da inspiração do professor naquele momento.

Nas turmas 4, 6 e 8, pelo contrário, há evidência de planeamento das atividades propostas aos alunos com PEA, uma vez que existe preparação prévia do material de trabalho. No entanto, apenas nas turmas 4 e 8 é visível a sequencialidade das atividades propostas numa mesma aula ou em aulas subsequentes, nomeadamente através de tarefas orientadas para o mesmo objetivo mas com graus de dificuldade progressivamente maior, o que mostra a preocupação com a evolução das aprendizagens da criança. No caso da turma 6, porém, as tarefas propostas, embora previamente preparadas, são mais erráticas, não sendo visível a sequencialização das aprendizagens pretendidas.

Quanto ao apoio prestado ao aluno durante a realização das atividades, este é geralmente garantido pela assistente operacional, enquanto a professora orienta e dinamiza o trabalho dos restantes alunos, como se pode verificar no excerto seguinte:

O professor está junto ao quadro a explicar como se fazem adições utilizando a reta numérica. A Assistente Operacional (AO) está sentada ao lado do aluno PEA, abre o caderno do aluno e manda-o escrever a data e o nome. O aluno acede. Quando termina diz: - Já está, Rosa!
A AO responde: - Agora vamos fazer estas continhas que o professor passou aqui.- O aluno recusa:- Não, Não! (O4T6)

Apenas nas turmas 1 e 8 foi registada uma presença mais constante dos professores da turma junto dos alunos com PEA. Nos restantes casos, o apoio direto da professora surge esporadicamente, sendo visível sobretudo nas raras situações em que os alunos participam em atividades comuns. A falta de apoio do professor da turma ao aluno com PEA é especialmente notória quando o trabalho vem previamente organizado pela UEE. Nesses casos, as professores não interferem no trabalho dos alunos e não os acompanham durante a realização das tarefas.

Em síntese, a análise das estratégias e atividades desenvolvidas nas 9 salas observadas permite identificar três tipos de funcionamento: i) desenvolvimento de atividades planeadas pelos docentes da UEE sem intervenção da professora da turma, sendo os alunos apoiados pela assistente operacional ou não tendo qualquer apoio; ii) propostas de trabalho da professora da turma para os alunos com PEA, sem planeamento prévio e sem sequencialidade curricular, sendo a sua realização apoiada pela assistente operacional e esporadicamente pela professora; iii) planeamento específico para os alunos com PEA, com intencionalidade e sequencialidade curricular, sendo o trabalho acompanhado pela assistente operacional ou pela professora.

No primeiro tipo de situações, alguns dos docentes nem chegam a tomar conhecimento das tarefas que os alunos trazem da UEE e que realizam sozinhos, mecanicamente, ou com o apoio da assistente operacional. Não é visível qualquer responsabilização da professora da turma pelo processo de aprendizagem ou de socialização destes alunos e, nestas condições, torna-se possível questionar para que serve a colocação do aluno numa turma.

No segundo tipo de situações, os docentes planeiam as atividades para a turma mas, aparentemente, não planeiam as atividades para o aluno com PEA. Assim, é durante a própria aula que decidem o trabalho a propor ao aluno, trabalho que geralmente incide em fichas preparadas para alunos de anos anteriores ou em exercícios repetitivos no caderno. Neste contexto, é notória a ausência de sequencialidade curricular, parecendo por vezes que os alunos trabalham sempre os mesmos conteúdos, com os mesmos objetivos e da mesma forma. Como referem Humphrey e Lewis (2008), é visível a falta de clarificação nas respostas educativas aos alunos com PEA e não é notória a preocupação com a aprendizagem da criança. No entanto, como salienta Lima (2012), a inclusão destas crianças não deve ser apenas social, mas também académica.

No terceiro tipo, foi possível discernir intencionalidade e sequencialidade curricular nas atividades propostas. Ao contrário do anterior, surgem aqui novas atividades e tarefas, as quais exigem a adaptação dos alunos a diferentes formas de trabalho. Tendo em conta as caraterísticas destes alunos, essa adaptação nem sempre é fácil e muitas vezes recusam essas atividades quando lhes são propostas pela primeira vez. Estes professores parecem ter desenvolvido formas de lidar com essas reações, negociando, insistindo ou readaptando as atividades.

Por outro lado, apenas em duas turmas (turmas 2 e 3) há referência ao apoio prestado pelos colegas ao aluno com NEE e, numa dessas situações, o colega que apoia tem também NEE (Síndrome de Down). A ausência de recurso ao apoio dos colegas poderá estar relacionada com o tipo de organização das turmas, muito baseado na díade “trabalho em grande grupo/trabalho individual”, que não facilita o apoio interpares e a cooperação entre os alunos. Estas estratégias não facilitam a aquisição das noções de pertença e de aceitação que, por um lado, fundamentam a inclusão destes alunos e, por outro, deveriam ser a sua consequência (Siegel, 2008).

De salientar ainda que as assistentes operacionais são os únicos recursos humanos à disposição dos alunos com PEA e dos professores das turmas. Com efeito, os docentes de EE não estiveram presentes em nenhuma das 45 situações observadas. Esta ausência parece especialmente grave quando existem, por parte dos alunos com PEA, comportamentos de recusa às atividades, os quais requerem muita insistência e adequações progressivas das professores ou das assistentes operacionais, como excerto seguinte ilustra:

O aluno recusa iniciar a atividade, fecha o caderno. A professora insiste e coloca o caderno na frente do aluno, aberto. Este volta a fechá-lo. A professora promete uma recompensa e dá ao aluno um cromo, colado no caderno. O aluno não acede.
A professora promete outro autocolante. O aluno acede, mas faz o trabalho de forma descuidada. A professora corrige e promete outro autocolante. O aluno acede.

A professora pede para o aluno continuar. Este recusa. (O1T1)

Esta recusa inicial à atividade não ocorre nas situações em que os alunos trazem as tarefas e materiais da UEE, situações em que realizam mecanicamente uma tarefa que já fizeram muitas vezes, mas tende a ocorrer sempre que as experiências de aprendizagem propostas são novas e inesperadas para os alunos com NEE. Estes comportamentos, caraterísticos do quadro das perturbações do espectro do autismo, beneficiariam muito com a presença em sala de aula do docente de EE, uma vez que este poderia ajudar a controlar as situações, prestando apoio quer às aprendizagens dos alunos com PEA, quer à gestão das atividades pelos professores. Com efeito, registaram-se situações em que, face aos comportamentos desajustados de alguns dos alunos com PEA, as professores solicitaram às assistentes operacionais que os conduzissem às UEE. A articulação entre os docentes de EE e os docentes da turma é uma condição essencial para o sucesso da inclusão de quaisquer crianças, mas incontornável no caso dos alunos com PEA (Siegel, 2008).

 

3.3. Relação comunicativa

Para analisar as interações verbais e não verbais, distinguimos o emissor e o recetor da comunicação, estabelecendo pares de interlocução (por exemplo, professor/aluno, aluno/professor).

Apenas na turma 8, a comunicação do professor para o grande grupo incluía o aluno com PEA. A não inclusão dos alunos com PEA na comunicação dirigida à turma pelos outros oito professores relacionar-se-á, provavelmente, com a escassez de situações de aprendizagem comuns. A interação do professor com o aluno com PEA é predominantemente individualizada, desenvolvendo-se através de: a) indicação para a realização das tarefas; b) questionamento direto; c) incentivos à resposta ou à realização da tarefa; d) admoestações e ameaças; e) reforço positivo ou elogio; f) promessa de recompensas.

Com efeito, algumas das interações professor/aluno com PEA têm como objetivo indicar as tarefas a realizar e dar instruções sobre os procedimentos para a sua realização. Os excertos seguintes ilustram este tipo de comunicação:

- João, vai buscar o teu caderno ao armário (…) - João, recorta e depois cola no caderno para escreveres, está bem? (O3T4)

- Olha, depois vais fazer uma frase para cada palavra que procuraste no dicionário! (O4T7)

O questionamento direto ao aluno surge também em algumas turmas, mas há situações em que o professor, face à ausência de resposta do aluno, responde ele próprio. Esta ausência de resposta por parte dos alunos com PEA parece decorrer de diferentes fatores: recusa evidente em participar, falta de interesse pela comunicação e/ou pela atividade; dificuldades na linguagem oral. Com efeito, alguns alunos com PEA apresentam atrasos consideráveis de linguagem, enquanto outros, apesar de aparentemente fluentes, não articulam determinados fonemas, o que cria problemas na inteligibilidade ao interlocutor.

Registámos ainda situações em que os professores incentivam os alunos a responder ou a acabar as tarefas iniciadas, afirmando, por exemplo: “- Francisco, então hoje não te apetece trabalhar? Vamos lá a trabalhar!” (O3T3). Para além do incentivo à resposta, em nenhuma das nove turmas foram observados outros processos de estimulação do uso da linguagem oral ou de formas de comunicação alternativa.

Grande parte da interação dos professores, porém, é dirigida à regulação de comportamentos desajustados, expressa através de admoestações ou ameaças, como os excertos seguintes sugerem:

- Tiago, levanta-te, não vais começar, pois não? Olha que eu não quero saber, queres ficar no chão, então fica! (O1T8)

- João A., Não comeces! Vê lá se queres ficar sem intervalo! (O2T7)

- Não, Maria, não mexe na gaveta da professora, fecha! (O1T5)

Uma das ameaças que surge em mais do que uma turma consiste no regresso imediato do aluno à UEE, o que leva a supor que os alunos gostam de estar na sala de aula (ou, pelo menos, que os professores pensam que eles gostam…).

Alguns professores preocupam-se em fornecer reforço positivo ou elogiar o aluno com PEA, afirmando, por exemplo: “- Muito bem, Tiago, é isso mesmo! (…) Hoje trabalhaste muito bem! Podes ir para a Unidade e diz à professora que trabalhaste muito bem.” (O2, T8)

Quando outras formas de incentivo não funcionam, alguns professores recorrem à promessa de recompensas:

- Agora vais fazer o jogo que tens lá na caixa (trazida da UEE), depois podes jogar na PSP. (O4T2)

- Vamos lá a trabalhar para ganhar outro autocolante! (O1T1)

Existem ainda situações em que a professora, em vez de interagir diretamente com o aluno com PEA, dá instruções aos outros alunos para que estes as executem pelo aluno. Por exemplo, na turma 3, a professora pede a uma aluna que vá buscar os materiais de Francisco e que lhe diga para começar a trabalhar. Este comportamento por parte de alguns docentes tende a surgir também nas turmas em que há uma assistente operacional dentro da sala: o professor dirige-se à assistente operacional para que esta se dirija ao aluno com PEA, como o exemplo seguinte sugere:

- Está aqui uma ficha para ela fazer, primeiro pode escrever o nome no caderno, depois é para pintar as bolinhas e contar. Depois corta e cola as bolinhas no caderno. (O2T5)

- Ajude-a a fazer este trabalhinho, depois pode levá-la para a UEE. (O3T5)

As interações verbais dos alunos com PEA para os professores incluem: a) rejeições das atividades; b) indicações de conclusão ou descontinuidade das tarefas; c) propostas de atividade; d) solicitações de recompensas; e) pedidos não relacionados com a tarefa.

A rejeição das atividades pelos alunos com PEA concretiza-se em afirmações como as que se seguem:

- Não quero fazer isso! (O1T8); - Estou cansado! (O2T8); - Não gosto de contas. (O4T8)

Na maior parte das vezes, esta rejeição diz respeito a tarefas que são propostas ao aluno individualmente. Há mesmo um aluno (Tiago, turma 8) que rejeita verbalmente as tarefas individuais e apenas adere às atividades desenvolvidas pelo grande grupo. Outros alunos, porém, recusam comunicar em situações de grande grupo. Esta recusa pode estar relacionada com o facto de a sua participação ser visivelmente artificial. Por exemplo, na turma 4, numa atividade na horta pedagógica, a professora forma grupos de alunos distribuídos pelos diversos canteiros, grupos nos quais não inclui João; este afasta-se dos colegas e, quando a professora tenta interagir com ele, não responde e recusa qualquer tipo de participação.

Em várias situações, a comunicação do aluno com PEA para o professor reduz-se à indicação de que concluiu a tarefa ou de que está a ter dificuldades em realizá-la, afirmando que não é capaz ou que não quer continuar. Nessas situações, os alunos por vezes propõem atividades alternativas, afirmando, por exemplo: “- Não quero fazer mais! Posso ler um livro?” (O4T7).

A solicitação de recompensas ao professor por parte dos alunos com PEA mostra que este procedimento é usual, surgindo em pedidos como: “- Quero rebuçados!” (O2T5; O3T5). Alguns alunos procuram negociar com os professores a realização de tarefas em troca de recompensas. Por exemplo, Mário (turma 2) tenta que a professora o deixe jogar PSP Games se ele realizar as tarefas. Em 3 das aulas observadas, a professora acede ao pedido; na aula em que não acedeu, o aluno recusou algumas tarefas e não concluiu outras, pedindo para regressar à UEE antes da hora.

A interação dos alunos com PEA com colegas é muito limitada, reduzindo-se, em alguns casos, a um cumprimento inicial quando chegam, normalmente incentivado pela assistente operacional ou pelo professor. Na turma 2 existem pedidos de ajuda de Mário a uma colega: “- Então e aqui (o que faço)? Qual é aqui?” (O4T2, O5T2)

A interação dos colegas com estes alunos é também muito escassa e não há evidências de que as professores estimulem essa interação. Nas turmas 1 e 2 registou-se alguma interação entre um dos colegas e o aluno, geralmente incentivos ou ajudas à realização do trabalho. Na turma 7 existem situações em que os colegas se queixam ao professor do aluno com NEE, que os provocara através de comportamentos não verbais desajustados. Na turma 8, um dos colegas pede a Tiago que mostre o seu trabalho à turma. Este respondeu com entusiasmo, levantando o trabalho e mostrando-o aos colegas.

Em algumas das turmas, o principal interlocutor dos alunos com PEA é a assistente operacional. O tipo de comunicação da assistente operacional com o aluno é semelhante ao que observámos com o professor: questionamento direto, incentivos à resposta ou à atividade, reforço positivo, promessa de recompensas e, sobretudo, regulação de comportamentos desajustados. A comunicação dos alunos com PEA para as assistentes operacionais é constituída geralmente por pedidos de recompensas, de ajuda ou de mudança de atividade.

Nestas situações, é visível a tendência para o estabelecimento de interações entre o professor e a assistente operacional sobre o aluno com PEA, como se ele não estivesse presente ou substituindo-se a ele, como o exemplo seguinte ilustra:

P: - Acho que o Leonardo gostou da atividade, não gostou?
AO: - Gostou, gostou muito, não foi, Leonardo? Que trabalho bonito!

Quanto às interações não verbais dos professores com o aluno com PEA, estas podem ser agrupadas em três tipos de indicadores: atitudes de afeto (por exemplo, acariciar a cabeça da criança, dar palmadinhas nas costas); substituições da interação verbal (colocar o material à frente do aluno para que este inicie a tarefa, sem qualquer tipo de instruções); falsa ignorância dos comportamentos desajustados do aluno.

Por sua vez, as interações não verbais dos alunos com PEA com o professor são constituídas por comportamentos desajustados: recusa a atividade, empurrando o material, riscando o caderno ou colocando-se debaixo da mesa; chora quando contrariado; tapa os ouvidos ou vira a cara para não ouvir/ver a professora ou a assistente operacional que falam com ele. Estes comportamentos não são comumente partilhados por todos os alunos com PEA, verificando-se em Emanuel. (turma 1), Mário (turma 2), João (turma 4) e Tiago (turma 8).

Já as suas interações não verbais com os colegas são manifestações de carinho (Mário, turma 2, e Eduardo, turma 6), mas também provocações (Eduardo, turma 7, e Tiago, turma 8), as quais consistem em passar rasteiras ou fazer caretas. Os colegas, por sua vez, tendem a copiar o tipo de comportamento do professor da turma com o aluno com PEA: se o professor substitui a interação verbal por ações (por exemplo, limitando-se a apontar para o material ou a colocá-lo à frente do aluno), os colegas fazem o mesmo; se os professores tendem a ignorar os comportamentos desajustados, os colegas também o fazem. O mesmo tipo de modelagem surgia já nas interações verbais: se a professora interrompia várias vezes as aulas para admoestar ou ameaçar o aluno, os colegas tendiam a fazer muitas queixas do comportamento desse aluno.

Finalmente, observaram-se ainda comportamentos sem finalidades interativas óbvias, a maior parte dos quais cabe na definição de estereotipias (rituais compulsivos, maneirismos motores repetitivos, vinculação a determinados objetos) ou de ecolalia, imediata ou retardada (García & Rodriguez, 1997; Nielsen, 1999). No caso dos alunos observados, estas estereotipias consistiam em entoar canções e lengalengas, balanceamentos do corpo, repetição do que o professor ou os colegas dizem, repetição de palavras ou frases descontextualizadas, batimentos repetidos com objetos na mesa. Com menor ou maior incidência, todos os alunos observados apresentaram algum tipo de estereotipia, em algum momento, embora nem todos apresentem ecolalia.

Em síntese, as observações revelam que a interação que é estabelecida em sala de aula com os alunos com PEA é muito pobre. A interação dos professores com o grande grupo/turma não inclui, na maior parte das vezes, o aluno com PEA, Por sua vez a interação direta dos professores com estes alunos é reduzida, quase sempre instrumental em relação às atividades. O incentivo à resposta surge em algumas situações, mas raramente é continuado e não há evidências de fazer parte de uma estratégia de desenvolvimento da comunicação e da linguagem oral, de que a maior parte dos alunos precisaria, dadas as suas dificuldades a este nível. A interação entre o aluno com PEA e os seus pares é ainda mais reduzida e surge em situações muito pontuais, não sendo visível qualquer incentivo dos professores para que essa interação se estabeleça de forma mais consistente e continuada. É notória a tendência dos alunos para copiarem as atitudes dos docentes no tipo de interação que estabelecem com os colegas com PEA. Nas situações em que as assistentes operacionais estão dentro da sala, estas são as principais interlocutoras destes alunos, funcionando, por vezes, como mediadoras da comunicação entre os professores e estes alunos. As atitudes dos professores surgem, assim, como um aspeto decisivo no tipo de comunicação que se cria nas situações de inclusão e, em consequência, no processo de socialização e aprendizagem do aluno (Ravet, 2011).

 

4. Considerações finais

Quaisquer conclusões a partir destes resultados são inevitavelmente provisórias, uma vez que serão posteriormente complementadas com os resultados das entrevistas. Sem a perspetiva dos professores sobre as suas práticas, não é possível uma real compreensão da complexidade das situações educativas. Por outro lado, o número de observações realizadas não é suficiente para que seja possível chegar a conclusões abrangentes. Neste sentido, as considerações finais que aqui apresentamos constituem apenas um contributo para o estudo e a reflexão sobre a inclusão das crianças com PEA em salas de aula do ensino regular.

Dos resultados atrás descritos, é possível concluir que a organização do espaço, do grupo e das atividades tende a seguir um padrão uniforme e uniformizador, que visa garantir que o currículo, enquanto corpo de conhecimentos reconhecido como socialmente necessário numa dada época e contexto, seja apropriado por todos os alunos ao mesmo tempo e da mesma forma, como descreve Roldão (2003). A organização do espaço torna-se um espelho imediatamente visível da organização do grupo, o qual está permanentemente dependente de novas orientações e instruções por parte do professor. A diversidade atual do público escolar e a inclusão de alunos com necessidades educativas especiais não parece ter afetado o modelo organizativo das atividades e do grupo, ainda que, como vimos, esse modelo se mostre ineficiente para dar resposta a estes últimos e, eventualmente, a alguns dos restantes alunos. Esta tendência uniformizadora que decorre da noção de que é possível ensinar todos os alunos como se fossem um só (Barroso, 1999) tem raízes profundas nos modelos organizativos escolares que se foram consolidando durante os últimos dois séculos (Roldão, 2003) de tal forma que hoje se confundem com a representação social e individual do conceito de escola.

As observações mostram, porém, que os alunos com PEA não cabem definitivamente neste modelo organizativo e, por isso, nos surgem espacialmente isolados, em situações pensadas para poderem receber apoio da assistente operacional mas nas quais é dificultado o contacto com os colegas. Apenas numa situação é notória a inserção do aluno com PEA num subgrupo, o qual é constituído apenas por alunos com NEE.

O modelo organizativo observado é consistente com as estratégias e atividades implementadas. As observações permitem concluir que estas são desenvolvidas basicamente em dois planos, que correspondem a duas fases da aula: primeiro, a exposição de conceitos e explicação de procedimentos pelo professor oralmente para toda a turma; depois, a aplicação, consolidação e verificação do conhecimento adquirido através de atividades e tarefas a realizar individualmente por cada aluno. Esta forma de planear e organizar o ensino corresponde ao que Trindade e Cosme (2010) designam como o paradigma pedagógico da instrução, no qual os professores vão definindo e monitorizando todo o processo de aprendizagem durante o próprio decurso da aula, não deixando margem para as competências auto-organizativas dos alunos. A incidência na realização individual de trabalhos, por sua vez, não dá lugar a formas de cooperação interpares.

Num processo pedagógico deste tipo, a inclusão de alunos com PEA torna-se particularmente difícil de gerir: por um lado, estes alunos terão dificuldade em acompanhar todas as atividades, ao mesmo tempo e da mesma maneira que os colegas (entre os quais, de qualquer forma, já existem muitas diferenças interindividuais); por outro lado, a atribuição de tarefas diferenciadas a um único aluno gera problemas na distribuição da atenção do professor e tende a não ser bem aceite nem por esse aluno nem, por vezes, pelos colegas.

Num modelo deste tipo, qualquer tentativa de diferenciação torna-se inevitavelmente discriminativa (Roldão, 2003; Sousa, 2010). A inclusão não é conciliável com um modelo organizativo e pedagógico uniformizador e predominantemente unidirecional, centrado na homogeneidade das turmas e com claras finalidades seletivas. Pelo contrário, exige uma diferenciação curricular consistente e implica “a reconstrução da estrutura organizativa do trabalho de ensinar e aprender (…), tomando a diversidade como referente da organização e não como desvio a uma norma tornada insignificativa na escola de hoje” (Roldão, 2003, p. 164). Ao nível da sala de aula, esse novo referente requer sobretudo a diversificação das formas de organização do espaço e do grupo, das estratégias e atividades e da própria comunicação professor/alunos. Mas para que essa diversificação atinja resultados, é necessário que esteja alicerçada em processos de planeamento curricular que partam da análise das situações pedagógicas e deem origem a escolhas de percursos de ação conscientes, intencionais e sequencializados face aos objetivos de aprendizagem pretendidos.

Nas aulas observadas, raras são as situações em que os docentes inserem os alunos com PEA nas atividades da turma e, nessas, tendem a deixar estes alunos sem nada fazer (cf. sessão na horta pedagógica). Como vimos anteriormente, na maior parte das situações, pelo contrário, propõem ao aluno atividades específicas, que podemos agrupar em três tipos: atividades preparadas pelos professores da UEE; atividades sem sequencialidade curricular propostas no momento; atividades intencionalmente planeadas para o aluno e com sequencialidade curricular. Apenas no terceiro tipo se torna evidente a preocupação dos docentes com a aprendizagem da criança. O processo de aprendizagem das crianças com PEA, porém, não é linear e as situações disruptivas ocorrem com muita frequência. Os professores deste terceiro tipo desenvolveram um conjunto de atitudes e estratégias adaptadas às caraterísticas específicas da criança que valerá a pena aprofundar em estudos futuros.

Em todo o caso, é necessário reconhecer que a inclusão de alunos com PEA em sala de aula não é um processo simples ou fácil. As observações mostram que, nesse processo, o único recurso humano do docente da turma é a assistente operacional que, em algumas situações de “tempo-morto”, chega a assumir funções docentes, decidindo as atividades a realizar pelos alunos com PEA. A ausência persistente dos docentes de Educação Especial nas 45 sessões observadas é um aspeto preocupante, uma vez que estes deveriam constituir um apoio efetivo e eficaz para o professor das turmas onde os alunos com PEA se inserem. Independentemente de outras formas de colaboração que as entrevistas poderão esclarecer posteriormente, a ausência de uma real cooperação entre os dois docentes nas situações de sala de aula agrava as dificuldades do professor na gestão da turma e na compreensão do percurso curricular do aluno com PEA. Nas situações observadas, pelo contrário, é a assistente operacional que serve de mediadora entre os docentes do ensino regular e os da educação especial. Este é um aspeto que merece reflexão aprofundada, uma vez que a inclusão dificilmente poderá ser bem-sucedida se a criança e o professor não forem devidamente apoiados.

Também o apoio interpares não é rentabilizado nas sessões observadas. A ausência de recurso à cooperação entre os alunos decorre do modelo organizativo e pedagógico antes descrito e da adoção pelos professores de práticas uniformizadoras. Nas raras vezes em que se observou a formação de subgrupos, tratou-se de subgrupos de nível e não de subgrupos heterogéneos, que permitiriam a ajuda entre os alunos. Embora a comunicação, nestes casos, não seja fácil, é necessário reconhecer que a possibilidade de interação com pares é uma das finalidades mais básicas de qualquer processo de inclusão. Neste sentido, a análise dos processos de promoção e/ou facilitação desta interação torna-se também um aspeto a considerar em estudos futuros.

Finalmente, no que respeita à relação pedagógica estabelecida, concluímos que a interação do professor com o grupo não inclui, na maioria das vezes, o aluno com PEA. A interação do professor com este aluno é, em geral, muito reduzida, limitando-se ao controle procedimental relacionado quer com o comportamento, quer com a realização das atividades. Raramente se estabelece uma verdadeira comunicação entre os docentes e os alunos com PEA. Em algumas situações, este facto poderá decorrer do fraco nível de desenvolvimento da linguagem oral da criança e do desconhecimento por parte do professor de formas alternativas de comunicação; noutras situações, porém, parece estar criado um distanciamento com os alunos que os professores não tentam ultrapassar. Este distanciamento é particularmente visível quando existem assistentes operacionais dentro da sala. Nessas situações, elas são as principais interlocutoras dos alunos com PEA e, em certos casos, são os próprios professores que lhes atribuem a função de mediadoras da comunicação com esses alunos. Por outro lado, a atitude comunicativa do professor para com o aluno com PEA toma especial relevância porque modela a atitude das restantes crianças.

Face a estes resultados, podemos questionar que inclusão é esta e para que serve. No entanto, eles mostram também o esforço que algumas docentes fazem para exercer realmente a função de ensinar estes alunos e as dificuldades dessa tarefa num modelo pedagógico que não comporta diferenças.

Para a inclusão dos alunos com NEE, em geral, e com PEA, em particular, é necessário que os docentes se sintam confiantes no seu próprio conhecimento profissional e há que reconhecer que, na área das NEE, a formação inicial tem ainda um largo caminho a percorrer. Com efeito, nas reações, atitudes e interações dos professores observados, é visível o desconhecimento das caraterísticas gerais da problemática das crianças e das formas de comunicar e intervir pedagogicamente com elas.

No entanto, esse conhecimento, ainda que essencial, não é suficiente. Por natureza, a profissão docente não se compadece com a mera aplicação de conhecimentos ou a transposição de técnicas aprendidas na formação; pelo contrário, exige a capacidade de, face a situações concretas, mobilizar integradamente conhecimentos de diferentes origens e áreas do saber e decidir formas de atuação adequadas. Essa capacidade desenvolve-se ao longo de todo o percurso profissional do professor, e, como salienta Rodrigues (2001, p. 79), “a gestão inclusiva de uma classe só poderá ser adquirida através de uma prática continuada, refletida e coletiva”.

 

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Contacto: Dídia Lourenço, Agrup. Escolas Vale da Amoreira / UIDEF-UL, Lisboa, Quinta da Arreinela de Cima, 2800-305 Almada, Portugal
Teresa Leite, Departamento de Ciências Humanas e Sociais, Escola Superior de Educação, Instituto Politécnico de Lisboa, Rua Carolina Michaelis de Vasconcelos, Campus do IPL, 1549-003 Lisboa, Portugal

 

(recebido em novembro de 2014, aceite para publicação em maio de 2015)

 


NOTAS

[1] Nomes fictícios.