https://doi.org/10.25757/invep.v11i1.241
ARTIGOS
Intervenção
Precoce, formação profissional e os desafios para a implementação de práticas
baseadas em evidência
Early Intervention,
professional training and the challenges for the implementation of
evidence-based practices
Intervención Temprana, formación profesional y
desafíos para la implementación de prácticas basadas en evidencias
Intervention précoce, formation professionnelle et
défis pour la mise en œuvre de pratiques fondées sur l’évidence
Bruna
Pereira Ricci Marinii
http://orcid.org/0000-0002-0375-4735
Patrícia
Carla de Souza Della Barbaii
http://orcid.org/0000-0002-7893-8133
iUniversidade Federal de São Carlos, Brasil
iiUniversidade Federal de São Carlos, Brasil
Objetivo: Identificar,
pela ótica dos profissionais, os referenciais utilizados em suas práticas no
campo da Intervenção Precoce, se empregam práticas baseadas em evidências e
quais os desafios relacionados à formação profissional. Método: Estudo
transversal, descritivo, exploratório, de abordagem quali-quantitativa,
desenvolvido em duas etapas. Resultados: Na primeira etapa, foram identificados
95 profissionais, de 15 diferentes especialidades, atuando em nove serviços de
Intervenção Precoce. Na segunda etapa, participaram profissionais de quatro
serviços selecionados, que descreveram o uso de variados referenciais teóricos,
assim como dificuldades no acesso à formação continuada e conhecimentos
científicos que fundamentam as práticas baseadas em evidências. Considerações
finais: A formação profissional e o acesso e emprego de referenciais
atualizados constituem dificuldades enfrentadas por profissionais no campo da
Intervenção Precoce. Dessa forma, verifica-se a importância de promover a
qualificação do corpo técnico dos serviços para um trabalho fundamentado em
conhecimentos científicos, potencializando a adoção de práticas baseadas em
evidências.
Palavras-chave: Desenvolvimento infantil; Intervenção Precoce; Formação
profissional; Práticas baseadas em evidência
Objective: To identify, from the perspective of
professionals, the references used in their practices in the field of Early
Intervention, evidence-based practices are used and what are the challenges
related to professional training. Method: Cross-sectional, descriptive,
exploratory study with a qualitative and quantitative approach, developed in
two stages. Results: In the first stage, 95 professionals were identified, from
15 different specialties, working in nine Early Intervention services. In the
second stage, professionals from four selected services participated, who
described the use of various theoretical frameworks, as well as difficulties in
accessing continuing education and scientific knowledge that underlie
evidence-based practices. Final considerations: Professional training and
access and use of updated references are difficulties faced by professionals in
the field of Early Intervention. Thus, there is the importance of promoting the
qualification of the technical staff of the services for work based on
scientific knowledge, enhancing the adoption of evidence-based practices.
Keywords: Child development; Early
Intervention; Professional training; Evidence-based practices
Objetivo: Identificar,
desde la perspectiva de los profesionales, los referentes utilizados en sus
prácticas en el campo de la Intervención Temprana, se utilizan prácticas
basadas en la evidencia y cuáles son los desafíos relacionados con la formación
profesional. Método: Estudio de corte transversal, descriptivo, exploratorio
con enfoque cualitativo y cuantitativo, desarrollado en dos etapas. Resultados:
En la primera etapa se identificaron 95 profesionales, de 15 especialidades
diferentes, que laboran en nueve servicios de Intervención Temprana. En la
segunda etapa participaron profesionales de cuatro servicios seleccionados,
quienes describieron el uso de diversos marcos teóricos, así como las
dificultades para acceder a la educación continua y al conocimiento científico
que subyace a las prácticas basadas en evidencia. Consideraciones finales: La
formación profesional y el acceso y uso de referencias actualizadas son
dificultades a las que se enfrentan los profesionales del ámbito de la
Intervención Temprana. De ahí la importancia de promover la calificación del
personal técnico de los servicios para el trabajo basado en el conocimiento
científico, potenciando la adopción de prácticas basadas en evidencia.
Palabras
clave: desarrollo infantil; intervención temprana;
formación profesional; prácticas basadas en evidencias
Objectif: Identifier, du
point de vue des professionnels, les références utilisées dans leurs pratiques
dans le domaine de l'intervention précoce, les pratiques factuelles sont
utilisées et quels sont les enjeux liés à la formation professionnelle. Méthode:
Etude transversale, descriptive, exploratoire avec une approche qualitative et
quantitative, développée en deux étapes. Résultats: Dans un premier temps, 95
professionnels ont été identifiés, issus de 15 spécialités différentes,
travaillant dans neuf services d'intervention précoce. Dans la deuxième étape,
des professionnels de quatre services sélectionnés ont participé, qui ont
décrit l'utilisation de divers cadres théoriques, ainsi que les difficultés
d'accès à la formation continue et aux connaissances scientifiques qui
sous-tendent les pratiques fondées sur des preuves. Considérations finales: La
formation professionnelle et l'accès et l'utilisation de références mises à
jour sont des difficultés rencontrées par les professionnels dans le domaine de
l'intervention précoce. Ainsi, il est important de promouvoir la qualification
du personnel technique des services pour un travail basé sur des connaissances
scientifiques, en favorisant l'adoption de pratiques fondées sur des preuves.
Mots clés: développement de l'enfant;
intervention précoce; formation professionnelle; pratiques factuelles
A Intervenção Precoce
(IP) pode ser definida, entre outras maneiras, como
um conjunto de
serviços/recursos para crianças em idades precoces e suas famílias, que são
disponibilizados quando são solicitados pela família, num certo período de vida
da criança, incluindo qualquer ação realizada quando a criança necessita de
apoio especializado para assegurar e incrementar o seu desenvolvimento pessoal,
fortalecer as auto competências da família e promover a sua inclusão social (EADSNE,
2010, p.7).
Nas últimas décadas, com
a expansão internacional dos programas de IP e o aumento do interesse dos
governos por este tipo de cuidado, já não se discute sobre a sua importância,
mas sim sobre quais são as práticas mais adequadas para responder às
necessidades das crianças e de suas famílias (Fernandes,
2001; Guralnick,
2008, 2015, 2016; Serrano,
2007;).
Tal ponto reflete uma
preocupação que tem acompanhado o processo de estruturação da própria IP, já
havendo sido apontada por Meisels,
em 1985, quando afirmou que a principal questão referente a ela não
consistia em constatar sua eficácia, mas em compreender as práticas
desenvolvidas e as pessoas beneficiadas por elas. Neste sentido, apontava ainda
a importância de se conhecerem os modelos teóricos de desenvolvimento que
embasavam os programas, assim como conhecer seus objetivos antes de se avaliar
sua eficácia.
Outro importante aspeto
destacado por Guralnick
(1998) referia-se à impossibilidade, apesar da rápida expansão
verificada, de afirmar a existência de um consenso sobre características que
deveriam ser obedecidas pelos programas de IP, tornando-os marcados por diferenças
em relação aos modelos teóricos de referência, gerando impacto diretamente
sobre o tipo de público atendido, as práticas desenvolvidas, os critérios de
avaliação, a formação dos profissionais, a possibilidade de envolvimento dos
pais, entre outras questões.
Diante deste cenário,
estabeleceu-se a necessidade de elaboração de delineamentos mais claros para as
práticas de IP, fomentando o avanço dos estudos acerca da eficácia destes
programas e a busca pelas melhores práticas (Guralnick,
1993; Meisels
& Shonkoff, 2000). Tal esforço parece ter resultado em um
consenso sobre os princípios que guiam os programas de sucesso, sendo eles a
atenção às necessidades da família, a base comunitária, a integração dos
contributos de múltiplas disciplinas e a capacidade de coordenar e planejar
apoios e serviços a partir de uma perspetiva sistêmica (Fernandes,
2001).
Tomando por base a
perspetiva de internacionalização de um sistema para a Intervenção
Precoce, Guralnick
(2008) amplia esse quadro, delimitando dez princípios estruturantes
de qualidade para programas de IP: (1) Uma estrutura de desenvolvimento que
abranja todos os componentes do sistema de Intervenção Precoce; (2) Integração
e coordenação de todos os serviços de Intervenção Precoce; (3) Inclusão e
participação das crianças e das famílias em atividades e programas da
comunidade; (4) Deteção e identificação precoce de fatores de risco; (5)
Vigilância e monitoramento do desenvolvimento como parte do sistema; (6)
Planejamento de intervenções individualizadas para cada caso; (7) Avaliação dos
serviços e intervenções; (8) Desenvolvimento de intervenções culturalmente
apropriadas; (9) Adoção de Práticas Baseadas em Evidências; (10) Manutenção da
perspetiva sistêmica.
Desta forma,
segundo Serrano
et al. (2010), as boas práticas de Intervenção Precoce não se
encontram focadas apenas nas especificidades das crianças, mas incluem
intervenções que englobam suas famílias e consideram o ambiente no qual estão
inseridos, com vistas à promoção do desenvolvimento e qualidade de vida de
todos os envolvidos.
Entre esses princípios,
a adoção de práticas baseadas em evidências tem sido um dos pilares para a
avaliação da qualidade técnica das equipas, a qual é um componente
reconhecidamente importante para a implementação de práticas de ajuda eficazes
(Buysse
& Hollingsworth, 2009; Carvalho
et al, 2016; Correia
& Serrano, 2000; Guralnick,
2008).
Segundo Dunst
(2009) e Dunst
e Trivette (2009), as práticas baseadas em evidência são aquelas que
utilizam a análise das produções disponíveis para selecionar as ações que serão
empregadas no trabalho e não apenas a busca por evidências que apoiem uma
prática já desenvolvida. Por essa perspetiva, as práticas baseadas em evidência
podem ser definidas “pelos achados da pesquisa que demonstram uma relação entre
as características e as consequências de uma experiência ou oportunidade, que
dizem o que pode ser feito para produzir um resultado desejado” (Dunst,
Trivette & Watson, 2008 citado por Dunst,
2009, p.46).
Nesse sentido, no campo
da Intervenção Precoce, pode-se afirmar a existência de um corpo de
conhecimento bastante robusto que evidencia a aplicação de Práticas Centradas
na Família e desenvolvidas em contextos naturais como as que produzem melhores
resultados (Carvalho
et al, 2016; Dunst,
2000; Dunst
& Bruder, 1999; Pereira,
2009). Contudo, estudos como o de Arroz
(2015) têm evidenciado dificuldades na implementação dessas práticas,
gerando uma lacuna entre o que se recomenda e o que de fato é implementado
pelos profissionais (Almeida,
2011; Pereira,
2009; Pimentel,
2005).
No Brasil, estudos
sugerem que essa lacuna encontra-se ainda maior, uma vez que os serviços de IP
parecem permanecer estruturando-se pela lógica dos profissionais como
detentores do conhecimento e crianças como alvo das intervenções, além de haver
uma escassa literatura nacional sobre a temática (Bolsanello,
2003; Marini,
Lourenço & Della Barba, 2017). Tais fatores parecem apontar para
deficiências nos processos formativos dos profissionais (formação básica,
especializada e continuada), o que, Segundo Pereira
(2009), pode constituir uma das causas para a dificuldade de
implementação de práticas baseadas em evidências no context da IP.
Assim, diante deste
cenário, verifica-se que a garantia da qualidade técnica, incluindo a formação
continuada e a adoção de práticas baseadas em evidência, tem sido identificada
como mais um desafio a ser superado na direção da implementação de serviços com
boas práticas em IP. Dessa forma, diante do reduzido número de estudos sobre a
temática no Brasil, convém questionar: quais os referenciais têm sido
empregados pelos profissionais de IP? Eles se reconhecem empregando práticas
baseadas em evidências? Quais os desafios que identificam para a formação nesse
campo?
O objetivo é
identificar, pela ótica dos profissionais, quais os referenciais utilizados em
suas práticas no campo da IP, se empregam práticas baseadas em evidências e
quais os desafios relacionados à formação profissional.
Trata-se do recorte de
um estudo de metodologia transversal, descritiva e exploratória, de abordagem
quali-quantitativa (Minayo,
2014). O estudo foi desenvolvido em duas etapas, sendo a primeira a
identificação e caracterização dos serviços e equipas de Intervenção Precoce e
a segunda um estudo exploratório com os profissionais que integram as equipas
previamente selecionadas a partir da primeira etapa.
A seleção da amostra foi
feita por conveniência, sendo a primeira etapa composta por serviços de
Intervenção Precoce pertencentes a cada uma das cinco regiões abarcadas pelo
Programa São Paulo pela Primeiríssima Infância, do estado de São Paulo, Brasil.
Após a identificação das cidades que contam com estes serviços, foi realizado o
contato telefônico com os coordenadores dos mesmos a fim de verificar se
desenvolvem ações de Intervenção Precoce. Aos que desenvolviam, foi realizado o
convite para participação desta pesquisa.
Assim, na primeira etapa
do estudo participaram nove profissionais entre coordenadores e especialistas
que integravam as referidas equipas de IP, os quais responderam três
questionários online abarcando questões sobre as características do serviço
(tempo de funcionamento, publico alvo, etc), características da equipa
(profissionais, tempo de formação, etc) e participação das famílias nas
diferentes etapas da intervenção).
A amostra da segunda
etapa foi composta por equipas de profissionais que atuam em serviços de
Intervenção Precoce participantes da primeira etapa. Foi selecionada uma equipa
de cada uma das cinco regiões, utilizando como critérios as respostas aos
quetionários no que se refere: a) A presença de indicadores de práticas
centradas na família; b)Tempo de existência da equipa de IP, dando prioridade
àquelas mais antigas; c) Composição da equipa, priorizando-se equipas com maior
diversidade de profissionais. Os serviços de uma das regionais não atenderam
aos critérios de inclusão nessa fase do estudo, portanto, foram incluídas
apenas quatro equipas.
Nessa etapa participaram
23 profissionais, os quais responderam individualmente a uma entrevista, cujo
roteiro semiestruturado foi desenvolvido pela pesquisadora e aplicado
presencialmente nas dependências dos serviços de IP onde trabalhavam.
Os dados coletados na
primeira etapa da pesquisa foram analisados por meio de técnicas de estatística
descritiva, com o software Minitab Pro 16, tendo-se contado com o auxílio de um
profissional com experiência na área estatística. Os dados coletados a partir
da entrevista, na segunda etapa, foram estudados sob a perspetiva da Análise de
Conteúdo (Bardin,
2011), na modalidade de Análise Temática.
Todos os instrumentos
foram desenvolvidos pela pesquisadora e avaliados por juízes com experiência na
área.
Esse estudo foi
submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da
Universidade Federal de São Carlos, tendo sido aprovado sob o parecer
no1.539.965, homologado em 11 de maio de 2016. A concordância em participar se
deu por meio do preenchimento do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
pelos profissionais nas duas etapas do estudo.
A etapa de caracterização
contemplou as respostas de coordenadores de nove serviços de IP e permitiu
identificar que as equipas que são compostas, em média, por 11 profissionais de
diferentes especialidades com, no mínimo, seis e, no máximo, 17 especialistas.
Ao todo, foram identificados 95 profissionais, pertencentes a 15 diferentes
especialidades profissionais, sendo eles: 24 Fisioterapeutas, 18 Logopedas, 14
Psicólogos, 13 Terapeutas Ocupacionais, oito Assistentes Sociais, quatro
Enfermeiros, três Pedagogos, dois Psicopedagogos, dois Odontólogos, dois
Psiquiatras, um Pediatria, um Otorrinolaringologista, um Musicoterapeuta, um
Nutricionista e um Neurologista (Quadro
1).
Quadro 1: Distribuição de
profissionais de cada especialidade por serviço (Etapa 1)
Especialidade/
Serviço |
S1 |
S2 |
S3 |
S4 |
S5 |
S6 |
S7 |
S8 |
S9 |
Terapeuta
Ocupacional |
2 |
1 |
1 |
1 |
2 |
1 |
1 |
2 |
2 |
Fisioterapeuta |
5 |
2 |
4 |
1 |
5 |
2 |
1 |
2 |
2 |
Logopedas |
5 |
3 |
1 |
1 |
2 |
2 |
1 |
2 |
1 |
Psicólogo |
2 |
0 |
2 |
2 |
3 |
1 |
1 |
2 |
1 |
Pediatra |
0 |
0 |
0 |
0 |
0 |
1 |
0 |
0 |
0 |
Assistente
Social |
1 |
0 |
1 |
1 |
1 |
2 |
1 |
1 |
0 |
Pedagogo |
0 |
0 |
0 |
0 |
1 |
1 |
1 |
0 |
0 |
Enfermeiro |
1 |
0 |
1 |
0 |
1 |
1 |
0 |
0 |
0 |
Odontólogo |
0 |
0 |
1 |
0 |
0 |
0 |
0 |
1 |
0 |
Otorrinolaringologista |
1 |
0 |
0 |
0 |
0 |
0 |
0 |
0 |
0 |
Psiquiatra |
0 |
0 |
1 |
0 |
0 |
1 |
0 |
0 |
0 |
Psicopedagogo |
0 |
0 |
2 |
0 |
0 |
0 |
0 |
0 |
0 |
Musicoterapeuta |
0 |
0 |
0 |
0 |
1 |
0 |
0 |
0 |
0 |
Nutricionista |
0 |
0 |
0 |
0 |
0 |
1 |
0 |
0 |
0 |
Neurologista |
0 |
0 |
0 |
0 |
0 |
0 |
0 |
1 |
0 |
Total por
serviço |
17 |
6 |
14 |
6 |
16 |
13 |
6 |
11 |
6 |
O tempo de funcionamento
dos serviços de IP participantes é, em média, de 28 anos e dois meses, com
mínimo de nove anos e máximo de 54 anos. Em relação ao tempo de existência das
equipas de IP nos referidos serviços, observa-se que essas possuem, em média,
15 anos, variando entre um e 30 anos. Dessa forma, verifica-se uma variação
média de 11 anos entre o tempo de funcionamento dos serviços e das equipas de
IP. No Gráfico
1, a seguir, são mostrados os dados sobre o tempo de funcionamento dos
serviços e da implementação das equipas de IP, os quais evidenciam que apenas
três serviços (S1, S2 e S5) desenvolvem ações de IP desde sua fundação. Em dois
casos (S3 e S6), os serviços só passaram a contar com as equipas de IP após
mais de 30 anos de sua fundação.
Gráfico 1: Tempo de funcionamento
do serviço e tempo de existência da equipa de IP, em anos.
Os componentes
indicativos de práticas centradas na família foram avaliados de entre cinco
categorias, as quais foram detalhadas segundo descrito abaixo:
A) Avaliação da criança
(três itens): As famílias acompanham as crianças durante a avaliação? As
famílias são informadas sobre os resultados das avaliações? As famílias
discutem e escolhem junto com a equipa os melhores instrumentos para avaliação?
B) Planejamento das
intervenções (dois itens): Auxiliam a equipa na elaboração do plano de
intervenção? São informadas sobre os objetivos do plano de intervenção?
C) Desenvolvimento das
intervenções (dois itens): Acompanham a criança durante a intervenção? Recebem
orientações ou capacitações?
D) Reavaliação (dois
itens): São informadas sobre a reavaliação e os resultados obtidos? Decidem,
junto com a equipa, o melhor momento para fazer a reavaliação?
E) Planejamento da alta
(três itens): São informadas sobre a alta? Decidem, junto com a equipa, o
momento da alta? São orientadas sobre os serviços disponíveis para continuidade
do cuidado?
Observa-se que, em sete
dos nove serviços, as famílias são envolvidas em ações desenvolvidas no âmbito
das cinco categorias. Nos outros dois serviços elas participam de ações de
quatro categorias (Quadro
2).
Quadro 2: Quantitativo da
participação das famílias nas ações específicas de cada categoria em relação ao
total de possibilidades, por serviço.
Categorias/Serviços |
S1 |
S2 |
S3 |
S4 |
S5 |
S6 |
S7 |
S8 |
S9 |
Avaliação
da criança |
2/3 |
2/3 |
2/3 |
2/3 |
2/3 |
1/3 |
2/3 |
2/3 |
2/3 |
Planejamento
das intervenções |
2/2 |
1/2 |
1/2 |
1/2 |
1/2 |
1/2 |
1/2 |
2/2 |
1/2 |
Desenvolvimento
das intervenções |
2/2 |
2/2 |
2/2 |
2/2 |
2/2 |
2/2 |
2/2 |
2/2 |
2/2 |
Reavaliação
da criança |
1/2 |
1/2 |
0/2 |
1/2 |
1/2 |
1/2 |
0/2 |
1/2 |
1/2 |
Planejamento
da alta |
3/3 |
2/3 |
2/3 |
2/3 |
2/3 |
3/3 |
2/3 |
2/3 |
2/3 |
Total de
ações |
10/12 |
8/12 |
7/12 |
8/12 |
8/12 |
8/12 |
7/12 |
9/12 |
8/12 |
Com base nos dados da
primeira etapa, realizou-se a seleção dos serviços para participação na segunda
etapa. Foram incluídos 23 profissionais, vinculados a quatro desses serviços (Quadro
3), os quais responderam individualmente a uma entrevista semiestruturada
sobre diferentes etapas do processo de intervenção (Referenciação, Primeiros
contatos, Avaliação, Desenvolvimento do Plano de intervenção, Implementação e
monitoramento, Avaliação dos resultados, Transição e Qualidade técnica). Para
efeito de apresentação dos resultados, a análise contida nesse artigo refere-se
às questões sobre Qualidade Técnica das equipas, a saber:
A) Você emprega
referenciais específicos na sua prática de Intervenção Precoce (segue algum
modelo, alguma abordagem)? Fale sobre o referencial adotado.
B) Se sim, você
recebe/recebeu alguma formação específica para a utilização desse referencial?
C) Você considera que
faz uso de Práticas Baseadas em Evidências? Fale sobre isso.
D) Se sim, quais os
desafios que você encontra? Se não, quais os desafios você considera que
existem para a adoção desse tipo de prática?
Quadro 3: Caracterização dos
participantes segundo sexo, profissão e tempo de vinculação ao serviço (Etapa
2).
Participante |
Sexo |
Profissão |
Tempo de vinculação |
P1 |
Feminino |
Logopeda |
Dois anos |
P2 |
Masculino |
Terapeuta
Ocupacional |
Nove anos |
P3 |
Feminino |
Fisioterapeuta |
Um ano e
seis meses |
P4 |
Feminino |
Psicóloga |
Quatro
anos |
P5 |
Feminino |
Enfermeira |
Três anos |
P6 |
Feminino |
Fisioterapeuta |
Um ano e
seis meses |
P7 |
Feminino |
Fisioterapeuta |
Dez anos |
P8 |
Feminino |
Logopeda |
Nove anos |
P9 |
Feminino |
Fisioterapeuta |
Cinco anos |
P10 |
Feminino |
Terapeuta
Ocupacional |
Oito anos |
P11 |
Feminino |
Nutricionista |
Seis anos |
P12 |
Feminino |
Fisioterapeuta |
Dez anos |
P13 |
Feminino |
Logopeda |
Doze anos |
P14 |
Feminino |
Psicóloga |
Um ano |
P15 |
Feminino |
Terapeuta
Ocupacional |
Dois anos |
P16 |
Feminino |
Logopeda |
Um ano |
P17 |
Feminino |
Fisioterapeuta |
Dezasseis
anos |
P18 |
Feminino |
Assistente
Social |
Dois anos
e seis meses |
P19 |
Feminino |
Psicóloga |
Quatro
anos |
P20 |
Feminino |
Fisioterapeuta |
Oito anos |
P21 |
Feminino |
Pedagoga |
Um ano e
quatro meses |
P22 |
Feminino |
Logopeda |
Cinco anos |
P23 |
Feminino |
Terapeuta
Ocupacional |
Cinco
meses |
Os dados analisados
revelaram que os profissionais têm utilizado diferentes referenciais para
sustentar sua prática na IP, que em geral estão relacionados à área específica
de formação e selecionados segundo as características da criança. No entanto,
esses referenciais permanecem circunscritos aos conhecimentos do funcionamento
e desenvolvimento biológicos, o que parece refletir diretamente sobre o tipo de
prática que desenvolvem, como verificado nos excertos abaixo.
“Olha, técnica, eu uso
mais o Bobath mesmo, em alguns casos que são mais específicos, né? A gente faz
uma salada tão grande de coisas, que a gente perde até ... eu não sei se a
gente perde uma identidade ou se a gente ganha um novo conceito de pluralidade
de abordagens, sabe? De enxergar a.. a... a pessoa de um jeito diferente. É...
já fiz uma porção de cursos, de técnicas, não sei o quê e tal, mas a gente vê
que não tem uma coisa só, né? Isso, então, Brunnstrom, Kabat, não é? Umas
coisas assim, interessantes e tudo, mas que não funcionam pra todo mundo. Aí,
quando você pega um pouquinho de cada um, você consegue uma coisa legal, né?
Assim, por formação, pensando em técnica específica eu uso do Bobath que fala
do desenvolvimento, trabalha aquelas etapas todas, serve pra tudo, as chaves de
controle me servem desde eu avaliar um bebê recém-nascido pra ver se tem algum
reflexo patológico grave, até o adulto” (P2)
“Olha, na verdade,
específico não. A gente tem mais ou menos, todo mundo ..todo... a maior parte,
pelo menos dos fisioterapeutas que trabalham com crianças eles têm muito o
Bobath como referência, né? Então a nossa referência é, até hoje, o Bobath, né?
Então, assim, a gente usa muitas técnicas, né?” (P6)
“Cada área usa um pouco
da sua... mas não específico, né? De protocolos de referenciais de trabalhos
com estimulação precoce, de literatura de estimulação precoce, não.” (P12)
“Eu uso as técnicas do
Bobath, da Integração Sensorial, e da... neuropediatria, né? Que... que são as
bases que eu tenho.” (P13)
Alguns relatos
evidenciam que, apesar da referência ao uso de técnicas específicas que
requerem uma formação a nível de especialização, os conhecimentos empregados
pelos profissionais foram, em sua grande parte, adquiridos na formação básica
ou na troca de experiências com outros profissionais.
“É. Geralmente o Bobath.
E aí entre outras técnicas, bandagem funcional, mas geralmente é o Bobath, eu
uso o Bobath mesmo. (...) Eu tive base de faculdade, tudo isso, mas não tenho o
curso.” (P3)
“Embora eu, por exemplo,
nunca tenha feito o curso, né? O Bobath mesmo. Mas na faculdade você já tem
professores que são (Especialistas na técnica), supervisores de estágio que
são, né?” (P6)
“Usa algumas coisas do
Bobath, né? Que é o clássico, né? Da estimulação. Não tenho a formação
específica, mas, assim, conheço alguma coisa que a fisioterapeuta me passou, a
terapeuta ocupacional, né?” (P7)
Nesse sentido,
identificam-se limitações e falta de incentivo para o acesso dos profissionais
à formação continuada, mesmo nos casos em que os cursos são disponibilizados em
plataforma virtual, como os lançados pelo sistema AvaSUS.
“Então a gente sente
falta disso, né? De .. até tem algumas capacitações, igual essa, online, que
dava pra gente fazer mas, a gente fica sem tempo, né? A gente não tem um
estímulo, né? [...] É o maior desafio, pra falar bem a verdade.” (P7)
“Até mesmo o incentivo
mesmo, financeiro. Mas pela prefeitura fica mais difícil. Quando a gente vai
atrás, mesmo, e a gente faz os cursos, né? Então é difícil. Tem esses assim, do
próprio governo, que é online, é gratuito, que eles oferecem pra gente, sempre
entrega um folhetinho, que a Secretaria repassa pra ... mas é.. esses mais
específicos, né? Em... em locais de nome e tudo mais, é a gente que tem que ir
atrás mesmo.” (P8)
“Até profissional que
vai fazer especialização, é...alguns casos, ah... a prefeitura não dispensa. Ou
tem que trabalhar outro dia, ou desconta no salário.[...] Acham que o
profissional não precisa se readequar, que o profissional não precisa
aprender.” (P9)
“É... agora a gente está
recebendo uns cursos, inclusive teve uma... um curso aí do AvaSUS... agora está
tendo o curso do AvaSUS. Eu.. eu não estou fazendo [...] Mas até... eu até
tinha começado, mas acabei parando, porque a minha demanda agora não é tanto
pediatria, e eu fui contratada para trabalhar com neuropediatria e a minha
maior demanda é AVE.” (P10)
“Então, a gente está
sempre lendo, mas assim, por iniciativa nossa. Então a gente sempre troca
material, troca informação, pesquisa, mas aí é cada um por si, sabe? Se eu
tenho interesse eu vou lá, busco material, estudo, pego um livro, busco um
livro. Mas aí é cada um.” (P15)
“Que eu precisaria, tipo
métodos, né? Mas, assim, fora (do município), isso tudo eu que tenho que pagar,
então fica mais complicado.” (P21)
Os participantes dessa
pesquisa referiram ter dificuldade para realizar uma atualização frequente e em
alguns casos demonstraram desconhecimento da terminologia “práticas baseadas em
evidência”, o que permite inferir que essa não é uma linguagem acessível e
presente no cotidiano desses serviços.
“Com as crianças nas
questões de aprendizagem, é.. a gente faz mais esse tipo de ... de revisão de
literatura, de .. vai ter que sentar a bunda na cadeira e pesquisar, não tem
outro jeito. Os autistas são o maior desafio pra mim.[...] Essa também é outra
coisa que, às vezes, me fez buscar as referências dentro dos protocolos. Hoje a
gente tem quatro, cinco, seis, por mês. Entradas de caso de autismo. Isso mexe
um bocado com as necessidades, com as demandas. Porque não é uma coisa, assim,
que são todos iguais, não. Ninguém é igual. Mas os desafios são muito
diferentes.” (P2)
“Como assim práticas
baseadas? Eu ainda não entendi“(P15)
“Seria importante ter,
né? Um .. uma experiência, né? Ter uma outra visão e estar por dentro, né? Da
atualidade e coisas científicas, enfim. Mas a gente não tem muito no nosso dia
a dia.” (P15)
“Eu não consigo
responder essa sua pergunta (risos). Então, estimulação essencial, ela não
muda, né? Porque o ser humano também. Primeiro ele segura a cabeça, depois ele
rola, depois ele segura o tronco, depois ele, né?” (P9)
“Olha, não muito. Não
muito, vou ser bem sincera, pela correria, pela rotina que a gente tem aqui, às
vezes em casa, quando dá uma ... brechinha, assim, mas dizer que a gente tem
constante (acesso aos materiais), não temos não.” (P18)
“Sim, eu tenho... tenho
... tenho lido, né? Alguma coisa que... algum artigo de novidade, é.. alguma
coisa que... que tem surgido na... na... eu pesquiso, muito na internet. Então
tenho lido bastante sobre as intervenções. Mas não é sempre que dá pra gente
fazer, né? Por questão de instrumento, mesmo, e por questão de, às vezes, a
gente não tem o... é... a possibilidade de um curso, de um aperfeiçoamento
próximo da nossa cidade, é sempre muito longe, ás vezes muito caro também,
então tem todos esses fatores que acaba que não dá pra gente estar atualizada
em tudo. Mas tenho visto muitas... lido sobre muitas coisas, assim, que tem me
colaborado também.” (P20)
Nesse contexto, como
verificado nas falas abaixo, os profissionais sinalizam que as limitações para
o desenvolvimento desse tipo de prática estão relacionadas desde o caráter de
atendimento generalista, à falta de acesso à capacitação e sobrecarga da
demanda institucional.
“Quando a gente fala nas
práticas baseadas em evidências você supõe que você vai ter o material certo
pra fazer a intervenção. O local certo pra você fazer a intervenção, uma equipa
devidamente capacitada pra fazer aquela intervenção, né? Não dá mais pra
trabalhar do mesmo jeito que você trabalhava há vinte anos atrás, quando eu saí
da faculdade. Num dá mais a mesma coisa. Então, o desafio é aqui e agora. O
desafio é ter condições de fazer o que você tem que fazer, é ... com a
dificuldade de fazer um congresso, às vezes. A dificuldade pra você ter esse
apoio, dar o suporte que a gente precisa pra fazer é muito grande. A gente vai
porque a gente tem interesse, não é? [...] A gente vai fazer congresso porque a
gente foi atrás, né? Paguei as diárias do meu bolso [...] (P2)
“Então, assim, em
recursos humanos, capacitação continuada a gente não tem, que é outra coisa que
não adianta implantar o método e não ter capacitação. Então a gente também não
tem é... e a gente não tem só um público. [...] Então eu vejo esses pontos como
dificultador de implantar alguma coisa. [...] Sempre tem evidências de que você
tem que mudar, de que você tem que fazer, e aí? Você está especializado naquele
método que você aprendeu há dez anos atrás, né? Então, aqui, eu sempre falei, a
gente não tem um método, assim, se fala de currículo funcional mas, assim, eu
nunca fui capacitada pra tal. Aqui, tá? Já li, mas isso não é uma capacitação
continuada.” (P19)
“É.. primeiro é o
aperfeiçoamento, né? Que pra gente desenvolver uma prática, uma técnica, não
basta só você ler também ou você ver algum videozinho na internet de... como é
feita. Então, essas ... esses cursos, pra nós, na nossa região, é sempre muito
complicado. Ou pela distância ou pelo custo, também, né? E... nem sempre que a gente
está preparada pra isso também. Então, essa é a dificuldade que a gente
encontra, assim.” (P20)
A qualidade técnica da
equipa e o desenvolvimento de práticas baseadas em evidência são considerados
importantes indicadores de boas práticas em IP (Buysse
& Hollingsworth, 2009; Carvalho
et al, 2016; Guralnick,
2008). Nesse sentido, aponta-se que, além da diversidade de
profissionais que compõem a equipa, a qualidade técnica refere-se à adoção de
um referencial sólido que sustentará as intervenções desenvolvidas,
necessitando, para tanto, de uma excelente formação básica e continuada (Buysse
& Hollingsworth, 2009, Pereira,
2009).
Quanto à qualidade
técnica das equipas de Intervenção Precoce participantes desse estudo, os
resultados demonstraram predominância do emprego de referenciais vinculados ao
modelo médico/reabilitativo, o que parece impactar diretamente sobre as
práticas desenvolvidas. Nesse sentido, os resultados corroboram com os achados
de Bolsanello
(1998), a qual verificou que, com base na eleição dos objetivos da
estimulação precoce e do desenvolvimento de práticas pautadas na estimulação,
pelas participantes de sua pesquisa, “pode-se supor que esses procedimentos
lhes foram transmitidos pelos cursos e leituras que efetuaram e que, por
conseguinte, vêm a embasar o exercício profissional das mesmas” (p. 82).
Tal constatação
demonstra que, apesar das quase duas décadas de intervalo entre os estudos, não
se verifica uma mudança de paradigma nos referenciais que compõem a formação
dos profissionais que atuam em IP no Brasil, mantendo-se os objetivos do
trabalho vinculados a características do desenvolvimento biológico dentro de
uma perspetiva reabilitativa. Dessa forma, segundo Bolsanello
(2003)
Observa-se que os
profissionais utilizam o que sabem sobre o desenvolvimento infantil, não como
parte daquilo que devem conhecer amplamente para a sua própria referência no
processo de intervenção, mas sim para organizar roteiros de atividades que se
constituem em objetivos a serem alcançados pelo bebê, a fim de promover o seu
desenvolvimento ou corrigir os déficits que possam apresentar (p.347).
A esse respeito, Palácios,
Maia e Fiamenghi Júnior (2003) apontam que a formação básica dos
profissionais ainda se mantém atrelada à um modelo de diagnóstico e conduta, o
que evidencia uma falha logo em seu estágio inicial.
Partindo do pressuposto
de que as práticas refletem o processo de formação, o estudo conduzido
por Bobrek
(2014) evidenciou que a maior parte dos profissionais que
trabalham em estimulação precoce afirmam não receber nenhum preparo para essa
atuação durante o curso superior, ou quando o recebem o consideram
insuficiente/superficial. Esse cenário faz com que os profissionais se sintam despreparados
para o atendimento, uma vez que desenvolvem atividades para as quais não foram
capacitados, exigindo novas qualificações que os levam à adoção de uma gama
ainda maior de referenciais para sustentar essas práticas (Bobreck,
2014; Bolsanello,
1998, 2003).
Pereira
(2009) discute que as especializações em
variadas áreas não produzem conhecimentos suficientes para responder com
qualidade às demandas das crianças e famílias que são atendidas nos programas
de IP, uma vez que suas necessidades estão em constante transformação. Dessa
forma, aponta que tal característica indica a necessidade de uma contínua
capacitação em serviço, através da qual os profissionais possam alinhar as
práticas e conhecimentos adquiridos, em um processo contínuo.
No que se refere à
capacitação dos profissionais para a atuação em IP, os resultados do presente
estudo reforçam os achados de Bolsanello
(1998) e Bobrek
(2014), as quais verificaram que esses profissionais se fundamentam
em múltiplos processos formativos, nas trocas de experiências com outros
profissionais e nos resultados de práticas desenvolvidas anteriormente, sendo
que os elementos informais de capacitação têm se destacado em comparação à
qualificação formal. Quanto à essa característica, destaca-se que
Isso parece indicar a
importância do compartilhamento de informações para dar conta de um tipo de
trabalho que é complexo, especializado e envolve uma multiplicidade de saberes.
Assim, o trabalho em equipa com discussão de casos e grupo de estudos fornece
maiores subsídios para desenvolver o trabalho. (Bobreck,
2014, p. 63).
A formação continuada em
serviço também tem sido apontada como eficaz e necessária por outros autores,
como Bairrão
e Almeida, 2003 os quais apontam que
Esses aspectos
referentes à formação proporcionada em diferentes níveis a profissionais que
estão no campo, são fundamentais para melhorar as suas práticas. Por exemplo,
uma formação em serviço prestada através de uma supervisão bem organizada e
estruturada poderá dar uma grande contribuição ao nível da qualidade das
práticas. Um trabalho continuado, quer em termos de supervisão, quer em termos
de formação conjunta das equipas, é fundamental se nos quisermos aproximar de
um modelo de trabalho em equipa transdisciplinar, tal como hoje se recomenda em
IP (2003, p.25).
Dentro dessa conceção,
destaca-se a importância da supervisão enquanto um elemento com potencial para
“melhorar as práticas dos profissionais, desenvolver novas competências e
proporcionar uma aprendizagem e auto-avaliação contínuas” (Serrano
et al, 2010, p. 16). Ainda segundo Wollenburg
(1992 citado por Serrano et al, 2010), ela é um processo através
do qual os profissionais podem, contínua e regularmente, refletir acerca de
suas intervenções e ser apoiados e encorajados por outros membros da equipa em
busca dos melhores procedimentos e do crescimento profissional.
Serrano
et al, (2010) apontam que, para que essa supervisão
seja eficaz, é necessário que ela seja criativa para se adaptar aos diferentes
profissionais e suas variadas demandas e não se limitar a orientações. Dessa
forma, uma supervisão de qualidade respeita e reconhece as necessidades da
equipa, encorajando a comunicação recíproca e a resolução conjunta de problemas
e, simultaneamente, assume que a equipa é capaz e está motivada para crescer.
(...) facilita o aperfeiçoamento contínuo do programa e está atenta às
necessidades de formação, reconhecendo-as e satisfazendo-as, sempre que
possível (Serrano et al, 2010, p. 17).
Além da supervisão,
outro elemento que tem se destacado dentro do processo de capacitação
continuada, é a necessidade de promoção de uma atualização frequente em relação
aos conhecimentos científicos produzidos nas diversas áreas de atuação,
elemento que caracteriza a adoção de práticas baseadas em evidências (Guralnick,
2008). Nesse contexto, espera-se que o profissional aplique esses
conhecimentos “como base para a tomada de decisões sobre a assistência em
saúde” (Galvao
& Sawada, 2003, p.57).
A despeito de alguns
autores indicarem que as evidências de melhor qualidade para a intervenção são
verificadas a partir de estudos experimentais randomizados (Closs
& Cheater, 1999; Dickersin,
Sherer & Lefebure, 1994; Galvao,
Sawada & Mendes, 2003), Dunst
(2009) aponta que elas podem estar presentes em qualquer tipo de
estudo, desde que determinado resultado esteja associado à uma prática, ou
seja, “uma prática baseia-se em evidências quando os resultados de diferentes
estudos da mesma prática se replicam e mostram que as mesmas características da
prática estão relacionadas com os mesmos resultados” (p. 46).
Contudo, apesar da
reconhecida importância atribuída à capacitação continuada e à adoção de
práticas baseadas em evidência, essas ainda representam um desafio aos
profissionais que estão no campo. Os resultados apresentados no presente estudo
evidenciaram que limitações relacionadas ao tempo, custo, necessidade de
deslocamento, demandas profissionais e a falta de incentivo por parte dos
serviços onde trabalham são alguns dos fatores que impactam diretamente na
qualidade técnica.
A ausência de incentivos
à formação continuada também foi relatada como preocupação por um dos
participantes no estudo de Bobrek (2014), onde foi listada como uma limitação
ao desenvolvimento do trabalho em estimulação precoce.
Cabe aqui pontuar que a
questão colocada está muito além de ser exclusiva dos profissionais que atuam
diretamente em Intervenção Precoce. Batista
e Gonçalves (2011) apontam que a formação dos profissionais de saúde
(maioria dentre os participantes desse estudo)
ainda está muito
distante do cuidado integral. O perfil dos profissionais de saúde demonstra
qualificação insuficiente para a mudança das práticas. Uma necessidade
crescente de educação permanente para esses profissionais com o objetivo de
(re) significar seus perfis de atuação para implementação e fortalecimento da
atenção à saúde no SUS é um grande desafio (Batista
& Gonçalves, 2011, p. 886)
Diante dessa colocação,
aponta-se a necessidade de investimento em programas de formação continuada que
se orientem pelas especificidades de cada serviço e da população por ele
atendida, objetivando não apenas a transmissão de conhecimentos técnicos, mas
focalizando também nos aspectos pessoais, valores e ideias dos profissionais,
os quais influenciam substancialmente as práticas desenvolvidas (Batista
& Gonçalves, 2011).
Tais necessidades
justificam-se por achados como os de Bolsanello
(1998), que identificou em seu estudo sobre as conceções e o modo de
atuação dos profissionais em estimulação precoce, que apenas 13% dos
participantes consideravam a competência profissional (embasamento teórico,
competências técnicas e experiência do profissional) um elemento fundamental
para o atendimento, contra 23% que elegeram o amor do profissional como
elemento mais importante. Os resultados de Bobrek
(2014), por sua vez, demonstram um avanço em relação a essas
conceções, com maior valorização do conhecimento técnico. No entanto,
características pessoais como o envolvimento do profissional continuam despontando
entre os elementos considerados importantes para um bom atendimento em IP.
Dessa forma,
segundo Brasil
As demandas para a capacitação
não se definem somente a partir de uma lista de necessidades individuais de
atualização, nem das orientações dos níveis centrais, mas prioritariamente
desde a origem dos problemas que acontecem no dia a dia, da organização do
trabalho em saúde. Desse modo, transformar a formação e a gestão do trabalho em
saúde não pode ser considerado uma questão simplesmente técnica, pois envolve
mudanças nas relações, nos atos de saúde e, principalmente, nas pessoas (2004a,
p.10).
Com vistas a essas
demandas, verifica-se que algumas ações têm sido desenvolvidas pelo Ministério
da Saúde, como a implantação, por meio da Portaria GM/MS no 1.996 de 20 de
agosto de 2007, da Política de Educação Permanente em Saúde, a qual tem por
objetivo transformar as práticas dos profissionais e a própria organização do
trabalho nos serviços da rede pública de saúde, de modo a aproximá-las das
demandas das pessoas e populações. As ações referentes a essa política têm sido
implementadas por meio do envolvimento das três esferas do governo, dentro de
um modelo de organização de Polos de Educação Permanente e Colegiados de Gestão
Regional, sendo 63 desses Colegiados presentes no estado de São Paulo (Batista
& Gonçalves, 2011; Brasil,
2007).
Uma outra estratégia
recentemente adotada foi a disponibilização de cursos, materiais de consulta e
realização de fóruns através de plataformas online, como o AVASUS (Ambiente
Virtual de Aprendizagem do SUS), o TeleSaúde Brasil Redes, o UNA-SUS (Universidade
Aberta do SUS) e os portais Comunidade de Práticas e Saúde Baseada em
Evidências. Esse tipo de estratégia tem por objetivos ampliar e democratizar o
acesso à formação em saúde, construir conhecimentos a partir da troca de
experiências entre os profissionais que atuam na rede e promover o acesso ao
conhecimento científico e técnico atualizado.
Nota-se, no entanto, que
apesar dos esforços em desenvolver estratégias para a capacitação, essas ainda
são de limitada abrangência (executadas apenas na área da saúde) e parecem
pouco significativas para os profissionais aos quais se destinam, o que pode
indicar que não têm atendido às suas demandas práticas. No contexto da IP,
outras possíveis hipóteses para a baixa adesão à capacitação parecem remeter
novamente à necessidade de incentivo apontada pelos participantes desse estudo
e por Bobrek (2014), bem como à pouca disponibilidade na oferta de cursos aos
profissionais, sobrecarga da demanda institucional e atendimento generalista,
suposições tais que indicam a conveniência de investigações que se debrucem em
profundidade sobre a temática.
Em relação ao emprego
das práticas baseadas em evidência, Tegethof
(2007) aponta que o distanciamento existente entre os profissionais
que estão na prática e o conhecimento científico produzido na academia pode se
dar por duas razões:
a primeira tem a ver com
o fato de a maioria das sínteses de investigação realizadas serem feitas para
os investigadores e não para os que estão na prática e a segunda resulta do
fato destes últimos, normalmente, não as consultarem ou, quando o fazem, as
considerarem de utilidade duvidosa (p.86)
Diante das questões
colocadas, evidencia-se que a formação profissional, assim como o acesso e
emprego de referenciais atualizados constituem importantes dificuldades
enfrentadas por profissionais atuantes no campo da Intervenção Precoce. Nesse
sentido, muitos dos esforços empreendidos na superação desses obstáculos partem
dos próprios profissionais de maneira independente, o que pode levá-los a
adotar referenciais variados, mesmo trabalhando em um mesmo serviço. Dessa
forma, verifica-se a importância de promover a qualificação do corpo técnico
dos serviços de IP não apenas para o atendimento de questões específicas
apresentadas pelas crianças, mas para um trabalho em lógica sistêmica e que
esteja fundamentado em conhecimentos científicos, potencializando sua
capacidade de adotar práticas baseadas em evidências
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3Afirmação
elaborada com base nas respostas dos participantes do estudo de Bobrek (2014).
Recebido: 21 de Dezembro
de 2020; Aceito: 09 de Março de 2021
Bruna
Pereira Ricci Marini ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0375-4735 Email: brunamarini_to@yahoo.com.br Morada:
UFSCar - Universidade Federal de São Carlos, Rod. Washington Luiz, s/n, São
Carlos - SP, 13565-905, Brasil
Patrícia
Carla de Souza Della Barba. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0580-8493
Email: patriciadellabarba@gmail.com Morada:
UFSCar - Universidade Federal de São Carlos, Rod. Washington Luiz, s/n, São
Carlos - SP, 13565-905, Brasil