10.25757/invep.v11i1.238
Artigos
Educação online em tempos pandémicos: Condições de Acesso às TIC por parte dos alunos do Ensino Superior em Angola
Online education in pandemic times: conditions for access to ict by higher education students in Angola
Educación en línea en tiempos de pandemia: condiciones de acceso a las tic por parte de estudiantes de educación superior en Angola
L'éducation en ligne en période de pandémie: conditions d'accès aux tic des étudiants de l'enseignement supérieur en Angola
Cesário José Sanjambo Barbante i https://orcid.org/0000-0003-2019-1572
Lia Raquel Oliveira ii https://orcid.org/0000-0002-9939-7612
i Instituto Superior de Ciências de
Educação do Huambo, Angola
ii Instituto de Educação, Universidade do Minho, Portugal
Resumo:
O mundo está a viver uma experiência única, nunca antes vista, face à pandemia da COVID-19. Neste contexto, a educação online dos alunos tem sido explorada enquanto modalidade emer-gencial. O presente trabalho objetiva constatar as condições de acesso às TIC por parte dos alunos do Ensino Superior, em Angola. A metodologia inscreve-se num plano não experimental. Foram adotadas, para a recolha de dados, as seguintes técnicas: análise de documentos, obser-vação indireta e inquérito por questionário. Definiu-se a seguinte questão de investigação: quais as condições ao nível das TIC dos alunos angolanos para o acesso à educação online em tempo de pandemia? Constatou-se que a maior parte dos alunos tem acesso a recursos tecnológicos conetados à internet – com largura de banda reduzida –, designadamente computador, smartphone e tablet. Os resultados ainda mostram que existe um número considerável de alunos que não possui equipamento ligado à internet.
Palavras-chave: Aluno; educação online; ensino superior; condições de acesso às TIC.
Abstract
The world is having a unique experience, never seen before, in the face of the COVID-19 pan-demic. In this context, online education, as an emergency modality, has been explored. The present work aims to verify the ICT conditions by the students of Higher Education, in Angola. The methodology of this investigation is a non-experimental plan. For data collection, the fol-lowing techniques were adopted: document analysis, indirect observation and questionnaire survey. The research question was defined: what are the ICT conditions of students for access to online education in a time of pandemic? It was found that most students have available technological resources connected to the internet - with reduced bandwidth -, namely com-puter, smartphone and tablet. The results also show that there is a considerable number of students who do not have ICT equipment connected to the internet.
Keywords: Student; online education; university education; ICT conditions.
Resumen
El mundo está viviendo una experiencia única, nunca antes vista, frente a la pandemia de CO-VID-19. En este sentido, la educación en línea, en modo emergencial, de los estudiantes se ha explorado más. El presente trabajo tiene como objetivo verificar las condiciones en TIC de los estudiantes de Educación Superior, en Angola. La metodología de esta investigación es un plan no experimental. Para la recolección de datos se adoptaron las siguientes técnicas: analysis de documentos, observación indirecta y encuesta por cuestionario. Se definió la siguiente pregunta de investigación: ¿Cuáles son las condiciones em términos de TIC de los estudiantes para acce-der a la educación en línea en un momento de pandemia? Con este estudio, se encontró que la mayoría de los estudiantes tienen recursos tecnológicos disponibles conectados a Internet - con ancho de banda reducido -, a saber, computadora, teléfono inteligente y tableta. Los resultados también muestran que hay un número considerable de estudiantes que no tienen equipos TIC conectados a Internet.
Palabras clave: Alumno; educación en línea; enseñanza superior; condiciones de las TIC.
Résumé
Le monde vit une expérience unique, jamais vue auparavant, face à la pandémie du COVID-19. Dans ce contexte, l'éducation en ligne des étudiants, em format emergentiel, a été davantage explorée. Le présent travail vise à vérifier les conditions TIC des étudiants de l'enseignement supérieur, en Angola. La méthodologie s'inscrit dans un plan non expérimental. Pour la collecte de données, les techniques suivantes ont été adoptées: analyse de documents, observation indirecte et enquête par questionnaire. La question de recherche suivante a été définie: quelles sont les conditions TIC des étudiants pour accéder à l'éducation en ligne en période de pandé-mie? Avec cette étude, il a été constaté que la plupart des étudiants disposent de ressources technologiques connectées à Internet - avec un haut débit réduit -, à savoir un ordinateur, un smartphone et une tablette. Les résultats montrent également qu'il existe un nombre con-sidérable d'étudiants qui ne disposent pas d'équipements TIC connectés à Internet.
Mots clés: Étudiant; éducation en ligne; Enseignement universitaire; Conditions TIC.
Submissão: 09/12/2020
Aceitação: 16/02/2021
Introdução
O digital é o novo normal (Castells, 2020)
Por infortúnio desta pandemia da COVID-19, a 21 de março de 2020, foi conhecido o primeiro caso de COVID-19 em Angola e, no dia 27 de março de 2020, pelo Decreto legislativo provisório n.º 1/20 de 18 de março, foi decretado o estado de emergência com a duração de 15 dias, renovado por três vezes. Estando a sociedade Angolana confinada em casa, no dia 24 de março de 2020, pelo Decreto Executivo n.º 02/20 de 19 de março, foram suspensas todas as atividades letivas em todas as Instituições de Ensino Superior públicas, privadas e público-privadas, por um período de 15 (quinze) dias, prorrogáveis por igual período de tempo, se não houvesse disposições em contrário. O referido documento ainda orientava que, durante o período de suspensão das atividades letivas, os alunos deviam realizar trabalhos académicos, orientados pelas instituições de ensino superior.
Com o confinamento das pessoas, era necessário tomar medidas, ou seja, encerrou-se às escolas/ Instituições de Ensino (o ensino presencial), mas não a educação. Para Piletti (2007), “educação não se confunde com escolarização. A educação também existe onde não há escolas” (p. 22). Foi neste cenário que a educação online começou a emergir pelo país, com o envolvimento das escolas/ Instituições de Ensino, do Governo e da sociedade civil, através da rádio, da televisão – para alunos do Ensino de Base – e pelas plataformas digitais – para alunos dos Subsiste-mas de Ensino Superior.
Volvidos cinco (5) meses – de março a agosto –, sem sinal de retoma do ensino presencial, o ano letivo 2020, para o ensino não universitário, e o ano académico 2020, para o ensino superior, encontravam-se comprometidos. A implementação da modalidade de ensino a distância começou a ser encarada como uma possibilidade e desafio para a educação em Angola, precisando de uma definição concreta de estratégias e medidas face às dificuldades de acesso às TIC e ao facto de haver largura de banda ou velocidade reduzida, pois é necessário garantir o acesso de todos a esses meios. Assim, o presente trabalho objetiva constatar as condições de acesso às TIC por parte dos alunos do Ensino Superior, em Angola.
Quando a sociedade muda, também a educação se transforma. O mundo está a viver uma experiência única, nunca antes vista, face à pandemia da COVID-19 – doença infeciosa de contágio fácil, caraterizada pela obrigação de confinamento das pessoas, tendo em vista um distanciamento físico (ou social, como se tornou hábito dizer). Com o encerramento das Instituições de Ensino (o ensino presencial), a educação online, a partir de casa dos alunos e dos professores, tem sido mais explorada em tempo de pandemia, com a finalidade de não se paralisar o processo educativo.
Não obstante a pandemia da COVID-19, a educação online – quer dizer, ensino a distância (EaD) – tem sido encarada como o novo paradigma, como sublinham os autores Gomes, Coutinho, Fernando, Casa Nova e Caires (2011), “a adopção sistemática de práticas de e-learning tem sido um objectivo de importância crescente nas políticas e estratégias de muitas instituições de ensino superior” (p. 2177). Neste sentido, Costa (2014) refere que “o elevado desenvolvimento tecnológico, no qual se inclui o nascimento e disseminação da internet, alterou o paradigma que se vive na sociedade moderna, inaugurando a sociedade de informação” (p. 97). Por outro lado, Barbante (2019) afirma que:
a escola tem de se adaptar a este novo modus operandi da sociedade contemporânea, dependente das novas tecnologias, onde já́ se projeta a era da inteligência artificial, transfigurando, sem perder os alicerces da educação, as suas práticas, isto é, como ensinar e como aprender na era do digital – e compreendendo as melhores formas de integrar as TIC na educação (p. 889).
Em meio às transfigurações que têm vindo a ocorrer, ultimamente, na generalidade das Instituições de Ensino Superior pelo mundo fora, em tempo de pandemia, o autor Silva (2020) sublinha que vivemos um tempo complexo, de transição/ travessia para o digital. Já o sociólogo Manuel Castells (2020) aponta ainda o seguinte:
nosso mundo é e será necessariamente híbrido, feito de realidade carnal e realidade virtual. É uma cultura da virtualidade real, porque essa virtualidade é uma dimensão fundamental da nossa realidade. E quando ameaças como a atual pandemia surgem sobre nossas vidas, podemos nos retirar, adaptar e recomeçar, sempre em direção ao abraço, que, é claro, não podemos e nem queremos virtualizar (s/p).
Valemo-nos ainda da avaliação feita pela Diretora-Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Audrey Azoulay, em mensagem para o Dia Internacional do Acesso Universal à Informação, em 2020, onde refere que o acesso universal à informação é um direito humano fundamental que desempenha papel central no empoderamento dos cidadãos, facilitando o debate justo e dando oportunidades iguais a todos (Azouly, 2020). É inevitável lembrar José Saramago (2016): “como a história humana tem mostrado, não é raro que uma coisa má traga consigo uma coisa boa” (p. 200). Claramente, esta afirmação mostra-nos que, com o surgimento desta pandemia, a educação se tem revelado mais aberta e mais inclusiva, com a integração massiva da tecnologia no processo de ensino e de aprendizagem.
Para se ter acesso ao ensino a distância e usufruir de todas as suas virtualidades, é preciso já não ser infoexcluído, é preciso ter superado largamente a barreira do acesso (Oliveira, 2012; Willinsky, 2006). Na educação, importa assegurar a eliminação de barreiras ao acesso a novas aprendizagens por meio da utilização das TIC por pessoas em ambientes socioeconómicos desfavorecidos e portadoras de necessidades especiais a nível físico, sensorial ou cognitivo (Perdigão, 2020).
Assim, para um melhor enquadramento do estudo, descreve-se, na seção abaixo, uma narrativa sobre o campo de ação, isto é, o ensino superior em Angola, em particular, na província do Huambo; o acesso às ferramentas tecnológicas pela sociedade de Angola, e o estado atual do país em relação a educação face à pandemia da COVID-19.
O estudo foi feito no sul de Angola, na província do Huambo, tendo esta uma área territorial de 2 609 km². A província do Huambo encontra-se a uma altitude de mais de 1 700 metros acima do nível do mar – o monte Moco (2 620 metros) e, a 70 km a noroeste do Huambo, situa-se o pico mais alto de Angola. Segundo dados do censo realizado em 2014, Huambo era a 4ª província mais populosa de Angola, com 2 019 555 pessoas (correspondendo a 8% da população do país); já o agregado familiar era de 434 293 pessoas (Instituto Nacional de Estatística de Angola (INE), 2014).
A província do Huambo conta com duas Instituições de Ensino Superior Públicas – Universidade José Eduardo dos Santos (UJES) e o Instituto Superior de Ciências de Educação do Huambo (ISCED-Huambo); e cinco (5) Instituições de Ensino particular legalmente reconhecidas e em funcionamento, nomeadamente Instituto Superior Politécnico Sol Nascente (ISPSN); Instituto Superior Politécnico Lusíada do Huambo (ISPLH); Instituto Superior Politécnico de Humanidades e Tecnologias – EKUIKUI II (ISUPE); Instituto Superior Politécnico da Caála (ISPC); e o Instituto Superior Politécnico Católico do Huambo (ISPOC).
Em 2019, encontravam-se matriculados no subsistema de Ensino Superior, em Angola, 308 309 alunos. Já em 2020, num universo de noventa e uma (91) Instituições de Ensino Superior (IES), das quais vinte e sete (27) eram públicas e sessenta e quatro (64) eram privadas; foram disponibilizadas 133 672 vagas, com maior proporção nas IES Privadas, com 106 518 (80%), contra 27 154 (20%), nas IES públicas (Ministério do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação (MESCT), 2020).
Para que a educação online se possa realizar, é necessário que se tenha acesso aos recursos TIC ligados à internet. Nesse sentido, faz-se, para um melhor entendimento, as seguintes constatações, em Angola: a taxa de pobreza nacional era de 40,6% (INE, 2020); a taxa de desemprego na população com quinze (15) ou mais anos de idade foi estimada em 32% (INE, 2020); sobre o número de pessoas com acesso às TIC (figura 1), 7 803 810 (38%) tinham acesso ao telemóvel, 2 119 945 (10%) tinham acesso à internet e 2 060 989 (10%) tinham acesso ao computador (INE, 2014).
Figura 1: Número de pessoas com acesso às TIC (INE, 2014)
Metodologia
Tendo em conta a problemática de investigação e o objetivo definido, a metodologia deste estudo inscreve-se num plano não experimental ou descritivo. Para Coutinho (2014), “do ponto de vista conceptual, a pesquisa centra-se na análise de factos e fenómenos observáveis e na medição/avaliação em variáveis comportamentais e/ou socioafetivas passíveis de serem medidas, comparadas e/ou relacionadas no decurso do processo da investigação empírica” (p. 26), ou seja, procurou-se garantir um modo de atuação objetivo e não intervencionista por parte dos investigadores (Creswell, 2003). É nesta linha que se adotou a modalidade de estudo de tipo survey ou inquérito. De uma forma geral, um survey procura analisar a incidência, distribuição e relações entre variáveis que são estudadas tal qual existem, em contexto natural, sem manipulação (Wiersma, 1995). Por outro lado, o survey foi de tipo descritivo (Coutinho, 2014); onde se procurou descobrir a incidência e distribuição de determinados atributos de uma dada população sem os procurar explicar (Babbie, 1997).
O presente trabalho objetiva constatar as condições de acesso às TIC por parte dos alunos do Ensino Superior, em Angola. Com base neste objetivo e, concomitantemente, na implementação da educação online, da melhor maneira possível e sem que nenhum aluno fique sem aulas, definiu-se a seguinte questão de investigação: quais as condições ao nível das TIC dos alunos angolanos para o acesso à educação online em tempo de pandemia?
Constituição e caracterização da amostra
Como, regra geral, só se fazem perguntas a um subconjunto da população, pelo que para conduzir corretamente um survey há que “escolher e selecionar corretamente os sujeitos” (Coutinho, 2014, p. 317). A impossibilidade de estudar a totalidade da população – alunos do Ensino Superior, em Angola, ditou a importância do estudo a recurso a amostra. Neste sentido, recorre-se a amostragem aleatória estratificada, que consiste na divisão da população em grupos ou estratos (Vicente, Reis e Ferrão, 1996), ou seja, “subgrupo de elementos da população, que se pretende que sejam o mais homogéneo possível entre si no que respeita às características em estudo” (Ferreira e Campos, 2009, p. 22).
Os oitenta alunos que constituíram a amostra situam-se predominantemente na faixa etária entre 18 e 35 anos de idade (74 alunos, correspondente a 92%) e apenas 6 alunos (7%) se encontram na faixa etária dos 36 aos 50 anos de idade (gráfico 1). Maioritariamente, eram aluno do sexo masculino (67 alunos, correspondente a 84%), havendo apenas 13 alunas (16%).
Processo de recolha e tratamento de dados
O estudo adotou, para a recolha de dados, as seguintes técnicas: análise de documentos de dados compilados, conjunto de dados secundários – dados disponíveis (abertos) – e inquérito instrumentado por questionário (Furtado, Príncipe, e Carvalho, 2017; Coutinho, 2014; Bogdan e Biklen, 1994). Com o questionário, pretendemos fazer o levantamento da realidade das condições de acesso às TIC dos alunos, ou seja, ir ao encontro da realidade do aluno. Não sendo possível perguntar a totalidade do que se pretende investigar num questionário, teve-se a sensibilidade de escolher as questões mais importante (Ferreira e Campos, 2009). Para Coutinho (2014), “há que elaborar corretamente as perguntas do questionário e equacionar todas as respostas possíveis para que possam ser analisadas e interpretadas de forma correta” (p. 317). Por outro lado, procurou-se clareza nas questões (Ghiglione e Matalon, 1992). Neste sentido, tendo em conta o objetivo do estudo, o questionário era constituído principalmente por questões de resposta fechada, organizadas nas seguintes dimensões:
· Sexo
· Idade
· Acesso ao computador em casa
· Acesso ao Smartphone/ Tablet em casa
· Acesso à internet em casa
O questionário foi disponibilizado online através do Google Forms entre 23 e 30 de março de 2020, sendo que as primeiras respostas foram registadas a 23 de março e as últimas a 28. Em seguida, os dados foram exportados para receberem tratamento estatístico descritivo com apoio do software Estatística Pack Age for Social Science (SPSS), versão 25, e do software Microsoft Office Excel 365, na construção dos gráficos (Coutinho, 2014; Bogdan e Biklen, 1994). Previamente, no início do processo de recolha de dados, explicou-se aos participantes a finalidade do estudo e realizaram-se todos os procedimentos éticos de uma investigação – anonimato, confidencialidade e participação livre.
Os sujeitos selecionados para o estudo perfaziam um total de 115 alunos de cinco Instituições de Ensino Superior (IES), no sul de Angola. Na tabela seguinte (Tabela 1), apresenta-se a sua distribuição pelas diversas Instituições.
Tabela 1: Distribuição dos alunos pelas diferentes IES
Instituição de Ensino Superior (IES) |
Participantes |
Total |
IES A |
30 |
115 |
IES B |
30 |
|
IES C |
22 |
|
IES D |
15 |
|
IES E |
18 |
Foram obtidas oitenta respostas ao questionário, o que configura uma taxa de retorno de 69,5%. De modo a verificarmos a representatividade da amostra em termos das diferentes IES, importa comparar o número de participantes de cada IES (Tabela 1), com a distribuição do número de respondentes ao questionário pertencentes a cada uma das IES (Tabela 2).
Tabela 2: Distribuição dos respondentes pelas diferentes IES
Instituição de Ensino Superior (IES) |
N.º de alunos |
||
Existentes |
Respondentes |
% de respostas por participantes |
|
IES A |
30 |
19 |
63,3% |
IES B |
30 |
17 |
56,6% |
IES C |
22 |
20 |
90,9% |
IES D |
15 |
11 |
73,3% |
IES E |
18 |
13 |
72,2% |
A análise da percentagem de respondentes, nas cincos (5) instituições em questão, indica uma média de 80 respondentes (69,5%). O texto aqui apresentado segue, metodologicamente, os protocolos conforme o referencial teórico oferecido pelos autores Shadish, Cook e Campbell (2002), que recomendam o uso, somente, do material que seja significativo para a investigação. Neste sentido, analisou-se artigos científicos, documentos oficiais de Instituições, organizações e governamentais que versavam sobre a temática em estudo. Por outro lado, durante o período em estudo, foi-se registando o que estava a acontecer na educação superior, em Angola, em tempo de pandemia.
Resultados
Relativamente à utilização de computador em casa – computador portátil ou de secretária – por parte dos alunos, os resultados demostram que a maioria, 55% (correspondente a 44 dos respondentes) referiu não possuir um computador em casa, e apenas 45% (correspondente a 36 dos participantes) responderam possuir um computador em casa.
Gráfico 3: Acesso ao computador por parte dos alunos em casa
No que diz respeito ao acesso aos dispositivos móveis – smartphone e tablet – em casa dos alunos, o que já era expectável – o mundo está cada vez mais móvel e híbrido –, a grande maioria, 69% (correspondente a 55 dos participantes) respondeu ter acesso a, pelo menos, um destes dispositivos. Ainda assim, o número de respondentes sem acesso a um destes dispositivos móveis, 31% (correspondente a 25 alunos) é alto (gráfico 4). Estabelecendo uma relação entre o gráfico 3 e gráfico 4, verifica-se que 86% (correspondente a 69 dos alunos) tem acesso a um equipamento TIC: computador, smartphone e tablet.
Gráfico 4: Alunos com e sem Smartphone/ Tablet
Sobre o acesso à internet em casa dos alunos, na generalidade, 75% (correspondente a 60 dos participantes) respondeu ter acesso à internet, e apenas 25% (correspondente a 20 dos participantes) respondeu não ter acesso (gráfico 5). Do cruzamento dos dados que se fez entre as variáveis acesso ao computador, acesso ao smartphone/tablet e acesso à internet, constatou-se que 72% dos alunos tinham um equipamento tecnológico com acesso a internet. Na última década, os smartphones tornaram-se os dispositivos mais populares de acesso à Internet, ou seja, as crianças do século XXI são a “geração touchscreen” – “nativos digitais” (Perdigão, 2020). Um estudo realizado em 2019, já tinha revelado que 87,5% dos alunos do ensino superior em Angola tinha acesso à internet – de velocidade reduzida — por meio de um dispositivo móvel (Barbante, 2019).
Gráfico 5: Alunos com e sem acesso a internet em casa
Atendendo à natureza da educação online, caraterizada pelo uso de conteúdos de diversos formatos como, por exemplo, texto, imagens, vídeos e áudio, a utilização de uma internet de alta velocidade ou de banda larga é requerida. Por outro lado, o estar online em Angola significa, muitas vezes, ter acesso ao Facebook zero (versão grátis do Facebook para dispositivos móveis, através do endereço “0.fecebook.com”), ou seja, é indisfarçável que existem problemas de ligação à internet em Angola.
Síntese da discussão
Tendo em conta os resultados dos dados acima analisados, o uso apropriado de ferramentas tecnológicas de acesso livre e/ ou grátis na educação como, por exemplo, o Facebook zero, é uma forma de reduzir as assimetrias em matéria de conectividade. Sendo a educação um processo comunicativo entre aluno-aluno e professor-aluno, o uso destas ferramentas seria uma mais-valia nesta relação, não descartando a utilização de outras, aliás, a combinação e/ ou uso de todos os recursos disponíveis. A utilização do Facebook zero tem a vantagem de permitir a inclusão, principalmente dos mais desfavorecidos, tendo em conta os altos custos de acesso à Internet, em Angola.
É crucial rentabilizar os equipamentos TIC, em particular, os dispositivos móveis já existentes nas famílias angolanas, de forma a proporcionar condições mínimas de aulas online a partir de casa. No entanto, deve-se ter em conta, como descrito anteriormente, que existe um número considerável de alunos/ famílias sem acesso a equipamentos TIC em casa, pelo que se deve arranjar estratégias, políticas, e uma combinação de ideias para que ninguém fique na condição de excluído nesta virtualização da educação. O caminho ainda é longo e muito complexo, mas é preciso manter a crença e o envolvimento de todos em prol de uma educação mais inclusiva, aberta e acessível.
Considerações finais
Este estudo aborda as condições de acesso às tecnologias da informação e da comunicação em casa de alunos do Subsistema de Ensino Superior, em Angola. Estamos perante uma amostra de oitenta (80) alunos que, apesar de reduzida, não deixa de ser relevante, pois reflete a realidade do país, salvo raras exceções. Este estudo, apesar de se limitar aos alunos do ensino superior, apresenta resultados relevantes, pensamos nós, que também refletem a realidade de alunos de outros subsistemas de ensino, como, por exemplo, no ensino de base.
Os resultados deste estudo demonstram que a maior parte dos alunos do ensino superior, em Angola, tem disponíveis recursos tecnológicos em casa, designadamente computador, smartphone e tablet. Verificou-se ainda que estes equipamentos TIC estão ligados à internet com largura de banda reduzida. Contudo, ainda se constatou a existência de um número considerável de alunos (28%) que não possuía um equipamento TIC e/ ou acesso à internet em casa, o que os deixa numa condição de exclusão, nesta virtualização da educação. É preciso que haja uma mobilização e uma união de esforços por parte de todos – educadores, sociedade civil, empresas e operadoras de telecomunicações, para que nenhum aluno fique na condição de excluído, ou seja, sem aulas.
A educação online é recomendável, principalmente, em era de pandemia (COVID-19), mas é necessário que se criem condições de inclusão digital para a efetiva implementação desta modalidade de ensino a distância, apelidada de estudo em casa. Deve-se ter em atenção os alunos – foco desta investigação – que vivem em meios (lares) mais desfavorecidos, isto é, sem acesso a equipamentos TIC. Acresce a isto, o que é genérico em Angola, a largura de banda ou velocidade de internet insuficiente e muito onerosa. Neste sentido, concluímos com a apresentação de seis (6) ações que entendemos ser necessário levar a cabo:
• Identificar que recursos tecnológicos o aluno (não) tem disponíveis em casa para a educação online;
• Apropriar os dispositivos móveis na aprendizagem dos alunos, visto que a sua maioria tem disponível estes equipamentos – os professores devem elaborar conteúdos compatíveis com estes aparelhos, tendo em conta a pouca autonomia, ecrã reduzido entre outros fatores;
• Mobilizar a sociedade civil para apoiar com equipamentos tecnológicos aqueles alunos carenciados;
• Estabelecer protocolos com empresas para que as famílias tenham acesso a equipamentos TIC em casa, a preços reduzidos.
• Flexibilizar o acesso à internet de banda larga para a comunidade estudantil.
• Incentivar o trabalho em rede e/ ou colaborativo entre alunos;
• Acompanhar os alunos por parte das Instituições de Ensino Superior, pais e encarregados de educação.
Por fim, a necessidade de um quadro regulamentar para a implementação da modalidade de ensino a distância em Angola tem vindo a ser exigida, desde há vários anos, por diversas Instituições do Ensino Superior. A recente aprovação do Decreto Presidencial n.º 59/20 de 3 de março, o Regulamento das Modalidades de Ensino a Distância e Semipresencial no Subsistema de Ensino Superior, vem dar resposta a essa necessidade. No entanto, ainda é necessário debate em torno do assunto.
Nota
Este trabalho é financiado pelo CIEd - Centro de Investigação em Educação, Instituto de Educação, Universidade do Minho, projetos UIDB/01661/2020 e UIDP/01661/2020, através de fundos nacionais da FCT/MCTES-PT.
Referências
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Notas biográficas
Cesário José Sanjambo Barbante
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2019-1572
Email: cesariobarbante@gmail.com
Morada: Instituto Superior de Ciências de Educação do Huambo, Huambo, Angola
Lia Raquel Oliveira.
ORCID: https://orcid.org/https://orcid.org/0000-0002-9939-7612
Email: lia@ie.uminho.pt
Morada: Instituto de Educação, Universidade do Minho, Universidade do Minho, 4710-057 Braga, Portugal.