ARTIGOS
DOI: https://doi.org/10.25757/invep.v10i2.213
Tudo aos direitos: Avaliação de um Programa de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos em Casas de Acolhimento
All rights: evaluation of a promotion program of citizenship and human rights in foster homes
Tout pour les droits: évaluation d'un programme de promotion de la citoyenneté et des droits de l'homme dans les maisons d'accueil
Todo por los derechos: evaluación de un programa de promoción de la ciudadanía y los derechos humanos en las casas de acogida
Joana AntãoI, II; Soraia TelesI, II; Maria AndresenI; Elvira LopesI; Mariana OliveiraI; Natália FernandesIII e Francisca PimentelIII
I, Agência Piaget para o Desenvolvimento (APDES)
II Research in Education and Community Intervention (RECI)
III Instituto de Educação, Universidade do Minho
Resumo
O programa Tudo aos Direitos teve como objetivo estratégico aumentar a participação cívica de crianças e jovens residentes em casas de acolhimento, no âmbito da Cidadania e dos Direitos Humanos. A implementação piloto do programa compreendeu a condução de sessões de desenvolvimento pessoal em grupo, com 43 crianças e jovens, residentes em quatro casas de acolhimento. Numa segunda fase, recorreu-se à metodologia da educação de pares.
Os resultados obtidos junto das crianças e jovens sugerem um aumento estatisticamente significativo dos conhecimentos percebidos sobre Direitos Humanos (Z=-2.07, p=.03), assim como do número de Direitos Humanos nomeados (Z=-4.29, p=.000). Foi ainda sugerida uma melhoria estatisticamente significativa na subescala de Autonomia Cognitiva do Questionário de Autonomia nos Adolescentes (Z= 2.85, p =.004).
Da implementação do programa emergiram novos mecanismos de participação institucional nas casas de acolhimento, destacando-se a criação de assembleias de crianças e jovens a e implementação de livros de opinião.
Palavras chave: Participação Cívica, Direitos Humanos, Acolhimento residencial.
Abstract
The Tudo aos Direitos programme aimed to improve the civic participation of children and teenagers living in foster homes, namely concerning Citizenship and Human Rights. The implementation of this pilot-programme included personal development sessions with 43 children and teenagers living in four foster homes. For the second stage of the project, the team resorted to a peer education methodology.
The results achieved with the children and teenagers directly involved in the programme show a significant statistical increase of the knowledge about Human Rights (Z=-2.07, p=.03), together with a higher number of Human Rights mentioned (Z=-4.29, p=.000). A statistically significant improvement was also suggested in the Cognitive Autonomy subscale of the Adolescent Autonomy Questionnaire (Z= 2.85, p =.004).
The implementation of the programme led to new and important mechanisms of
institutional participation in foster homes e.g. the establishment of children
and teenagers/ associations and the implementation of review books.
Keywords: Civic Participation, Human Rights, Residential Care.
Résumé
Le programme Tudo aos Direitos avait pour objectif stratégique d'accroître la participation civique des enfants et des jeunes vivant dans des foyers d'accueil, dans le cadre de la citoyenneté et des droits de l'homme. La mise en œuvre pilote du programme a consisté à organiser des séances de développement personnel en groupe, avec 43 enfants et jeunes résidant dans quatre foyers d'accueil. Dans une deuxième phase, la méthodologie de l'éducation par les pairs a été utilisée.
Les résultats obtenus auprès des enfants et des jeunes suggèrent une augmentation statistiquement significative de la connaissance perçue des droits de l'homme (Z = -2,07, p = 0,03) ainsi que du nombre de droits de l'homme nommés (Z = -4,29, p = 0,000). Une amélioration statistiquement significative a également été suggérée dans la sous-échelle de l'autonomie cognitive du questionnaire sur l'autonomie de l'adolescent (Z = 2,85, p = 0,004).
Dès la mise
en œuvre du programme, de nouveaux mécanismes de participation institutionnelle
dans les foyers d'accueil sont apparus, notamment la création d'assemblées
d'enfants et de jeunes et la mise en place de livres d'opinion
Mots-clés: participation civique, droits de l'homme, soins en établissement.
Resumen
El programa Tudo aos Direitos tuvo como objetivo estratégico incrementar la participación cívica de los niños y jóvenes que viven en hogares de acogida, en el ámbito de la Ciudadanía y los Derechos Humanos. La implementación piloto del programa implicó la realización de sesiones grupales de desarrollo personal, con 43 niños y jóvenes que residen en cuatro hogares de acogida. En una segunda fase se utilizó la metodología de educación entre pares.
Los resultados obtenidos de niños y jóvenes sugieren un aumento estadísticamente significativo en el conocimiento percibido sobre Derechos Humanos (Z = -2.07, p = .03) así como en el número de Derechos Humanos designados (Z = -4.29, p = .000). También se sugirió una mejora estadísticamente significativa en la subescala de Autonomía Cognitiva del Cuestionario de Autonomía del Adolescente (Z = 2.85, p = .004).
A partir de la implementación del programa surgieron nuevos mecanismos de participación institucional
en hogares de acogida, entre los que destacan la creación de asambleas de niños
y jóvenes y la implementación de libros de opinión.
Palabras clave: Participación ciudadana, Derechos humanos, Atención residencial.
INTRODUÇÃO
O acolhimento de crianças e jovens em Portugal, com uma história longa, que remonta ao século XV, foi durante muito tempo marcado por um cunho assistencialista, assegurado essencialmente por instituições de caracter religioso, “substituindo-se ao próprio Estado na realização destas funções” (Carvalho, 2013, 20), não obstante, estas primam pela valorização de uma imagem da criança como um objeto, alvo de caridade e boa vontade de terceiros, no que diz respeito à sua proteção. É muito recente um novo modo de considerar esta resposta social, enquanto política social apoiada pelo Estado, que se deve caracterizar enquanto contexto promotor de direitos, como um espaço que deve assegurar que a criança, como sujeito de direitos, seja reconhecida e atendida.
Para tal, em muito contribuíram as mudanças legislativas da última década. A Lei nº 147/99, mais propriamente o seu art.º 58.º, inaugura um novo caminho, posteriormente concretizado a partir do Plano DOM (MTSS Despacho nº 8393/2007), ao salvaguardar que a criança tem o direito de “c) Usufruir de um espaço de privacidade e de um grau de autonomia na condução da sua vida pessoal adequados à sua idade e situação”. O despacho acima referido tinha como objetivo principal a implementação de medidas de qualificação da rede de lares de infância e juventude, incentivadoras de uma melhoria contínua da promoção de direitos e proteção das crianças e jovens acolhidos, no sentido da sua educação para a cidadania e desinstitucionalização, em tempo útil. É a partir deste momento que assistimos em Portugal a uma reforma dos modos de acolher as crianças em instituições.
O conceito de cidadania assume grande valor para desafiar a renovação das práticas desenvolvidas com crianças em situação de acolhimento, sendo consolidado através de um outro documento formal – a Recomendação nº12, do Conselho da Europa (2011) (expressa no documento ‘Council of Europe Recommendation on children’s rights and social services friendly to children and families’), que vem defender que em todos os processos em que são prestados serviços sociais às crianças devem ser contemplados os seus direitos a:
Serem informadas de uma forma amigável sobre os seus direitos de acesso aos serviços sociais, sobre os serviços disponíveis, bem como sobre as possíveis consequências de curso alternativo de ação;
1. Receberem todas as informações relevantes sobre a sua situação;2. Serem apoiadas para expressar as suas opiniões;
3. Serem ouvidas;
4. Terem as suas opiniões levadas em conta no processo de tomada de decisão, de acordo com a sua idade e grau de maturidade;
5. Serem informadas sobre as decisões tomadas e em que medida os seus pontos de vista foram tidos em conta.
Adicionalmente, o mesmo documento reitera a necessidade de se assegurar uma relação de parceria com os pais e com os serviços sociais sem que seja diminuído, neste processo, o direito de a criança ser ouvida e a sua opinião ser considerada com seriedade.
Estas são dimensões indissociáveis no processo de afirmação das casas de acolhimento como lugar para as crianças e jovens, pensando-se os direitos de provisão e proteção em estreita articulação com os direitos de participação. Tem sido um aspeto persistente a defesa, quer em termos académicos, quer em termos formais, da ideia de que, na construção de contextos institucionais promotores dos direitos da criança, um dos aspetos fulcrais a ter em conta é a valorização da voz e da ação das crianças que aí vivem. Desse modo é fundamental que as políticas de proteção vejam as crianças, bem como as suas famílias, para além de meros destinatários ou utentes de serviços especializados. Políticas de acolhimento que não valorizem a criança como um sujeito ativo do processo serão políticas incompletas e ineficazes na salvaguarda dos direitos fundamentais destes sujeitos.
Neste tópico, a investigação na área tem sido, a nível internacional, bastante ativa, sublinhando e consolidando práticas respeitadoras deste princípio. Apresentamos, a este propósito, os contributos de Willow (2013), autor que propõe, com o trabalho Effective Participation of Children and Young People in Alternative Care Settings Guidance for Policy Maker, modos de efetivação de uma participação substantiva das crianças nestes contextos. Estes mecanismos vão desde a indispensabilidade de estabelecer relações de respeito e dignidade ao compromisso de apoiar as crianças a expressarem os seus desejos e opiniões, providenciando, para tal, informações relevantes que sejam acessíveis e significativas para a formação dessa mesma opinião. Passam, ainda, pela renovação de alguns estereótipos que persistem nas relações entre adultos e crianças, nomeadamente o estereótipo de que a criança é por natureza incompetente para fazer uma leitura dos seus mundos de vida (Willow, 2013). É uma exigência, desta forma, renovada, na conceção das relações entre adultos e crianças, considerar-se com seriedade o que as crianças nos comunicam e dizem e, ao tomar decisões, darmos o devido peso aos seus desejos e opiniões, de acordo com a sua idade e maturidade. Para que tal aconteça, o mesmo autor (Willow, 2013) alerta para a necessidade de os adultos que trabalham com as crianças e jovens serem treinados e apoiados para assegurar que as mesmas participem no processo de tomada de decisão e nas questões que as afetam.
Sustenta-se, assim, esta reflexão, bem como todas as dinâmicas que em seguida serão apresentadas, no conceito de participação de Liebel e Saadi (2012), que defendem que se deve considerar a participação:
“…tanto como um modo de individualização – mais liberdade -, como de socialização – mais pertença -, e dar especial atenção à relação entre ambos os aspetos. Neste sentido podemos compreender a participação como uma possibilidade ou oportunidade do indivíduo conquistar uma maior margem de ação, poder e influência numa sociedade desigual e não livre – liberação e empoderamento -, mas também como possibilidade ou oportunidade de o indivíduo sair de uma posição marginal e de conquistar mais reconhecimento social e maior pertença, maior inclusão” (Liebel & Saadi, 2012, 127).
Com alicerces na Recomendação nº12 do Conselho da Europa (2011), que defende que devem ser assegurados os direitos das crianças em todos os serviços prestados às mesmas, pretende-se com este artigo, contribuir para este debate, através das conclusões resultantes da avaliação de um programa de intervenção que visa a promoção da Cidadania e dos Direitos Humanos em contexto de acolhimento residencial, de crianças e jovens em perigo. O programa tem como principais objetivos o aumento da participação cívica das crianças e jovens, assim como o seu conhecimento sobre direitos humanos, valorizando a sua voz e ação, no espaço onde vivem.
Para tal, apresenta-se a avaliação sumativa do programa “Tudo aos Direitos”, implementado junto destas crianças, explanando-se, portanto, o estudo dos resultados do programa, na perspetiva das crianças e jovens beneficiários do mesmo, com vista a determinar em que medida foram cumpridos os objetivos ou produzidos os efeitos desejados.
METODOLOGIA
Recorreu-se a uma metodologia de avaliação por objetivos/ Modelo de Tyler, com vista a medir a forma e a intensidade com que os objetivos do programa foram atingidos. Portanto, segundo o foco ou objeto da avaliação, esta centra-se nos objetivos do projeto e também nos seus participantes. Entre as vantagens deste modelo de avaliação reconhece-se que o mesmo obriga ao estabelecimento de uma relação clara entre objetivos (que se pretendem mensuráveis) e atividades (Guerra, 2000). Ao mesmo tempo, é precisamente este um dos desafios à implementação deste modelo de avaliação. Designadamente, reconhece-se como sendo frequente a imprecisão e a falta de clarificação dos objetivos, a difícil mensurabilidade dos resultados, a falta de relação entre objetivos e atividades, assim como a disparidade de objetivos para os diferentes atores-chave envolvidos no projeto (Gomes & Santos, 2012). Estas dificuldades tendem a agudizar-se na avaliação de programas de intervenção social.
No que concerne à origem/ implicação dos avaliadores, optou-se, por constrangimentos inerentes ao projeto, por uma avaliação interna (i.e. efetuada por investigadores que pertencem à instituição promotora do projeto). Muito embora esta modalidade de avaliação seja conhecida por implicar maiores riscos de viés, dada a potencial e inadvertida disrupção do requisito de objetividade e neutralidade, há também vantagens que advêm do maior conhecimento e familiaridade com o objeto avaliado (Aguilar & Ander Egg, 1995). Com vista a equilibrar os fatores desfavoráveis desta avaliação e a reforçar os favoráveis, recorreu-se à supervisão externa da implementação do programa e da sua avaliação.
A metodologia de avaliação foi desenvolvida com o propósito de medir, nas crianças e jovens participantes, mudanças no conhecimento, assim como nas atitudes e nos comportamentos, num plano longitudinal (pré- e pós-intervenção). Em particular, as variáveis de outcome consistiram nas diferenças entre o momento 0 (pré-intervenção) e o momento 1 (pós-intervenção) no que se refere à autonomia (medida pelo score no Questionário de Autonomia nos Adolescentes), à assertividade (medida pelo score da Escala de Avaliação Global da Assertividade), à auto-estima (medida pela Rosenberg Self-Esteem Scale), à satisfação com a vida (medida pelo score da Escala de satisfação com a vida), à participação na instituição (medida pelo score da Escala de avaliação da participação na instituição), ao respeito pelos Direitos Humanos (medida pelo score da Escala de avaliação do respeito pelos direitos humanos), ao conhecimento efetivo e percebido sobre Direitos Humanos (medido pelo score da Escala de Avaliação de conhecimento efetivo e percebido sobre Direitos Humanos) e, finalmente, à satisfação com o programa (medida pelo score no item Avaliação da satisfação)[1]. Assim, a recolha de dados foi realizada com recurso a inquérito por questionário, constituído por instrumentos previamente desenvolvidos e testados/validados na população portuguesa.
Participantes
Caracterização dos participantes no programa
Participaram no programa um total de 43 crianças e jovens, distribuídos pelas quatro casas de acolhimento sediadas no concelho de Vila Nova de Gaia, distribuídos da seguinte forma: 7 participantes na casa de acolhimento 1 (CA 1); 14 na CA 2; e 11 em cada uma das CA 3 e 4. Dezoito dos participantes são do sexo feminino (41.9%) e 25 do sexo masculino (58.1%), com idades compreendidas entre os 12 e os 21 anos (M = 16.60; DP = 1.96). A média de idades nas diferentes casas de acolhimento variou de 15.55 para a CA 3 a 17.43 para a CA 1. Em relação ao nível de escolaridade dos participantes, 2 (4.7%) encontravam-se a frequentar o 2º ciclo do ensino básico; 22 (51.2%) o 3º ciclo do ensino básico; 17 (39.5%) o ensino secundário; e 2 (4.7%) o ensino superior [2].
No que se refere à baseline (T0), 39 dos 43 jovens participantes no projeto completaram, de forma válida, o protocolo de avaliação supra descrito (cf. secção 3.1), enquanto no pós-teste (T1) foram validados 32 protocolos de avaliação. Protocolos em que se identificaram padrões de resposta sugestivos de erro de medida (e.g. resposta 3 ou opção central da escala a todos os itens), ou com não resposta a mais de 20% dos itens foram considerados inválidos e excluídos da análise. Vinte e oito dos 43 jovens tiveram os protocolos de avaliação validados em ambos os momentos de avaliação (T0 e T1): 6 (85.7%) na CA 1; 9 nas CA 2 e 4 (64.3% e 81.8%, respetivamente); e 4 na CA 3 (36.4%). Esta taxa de atrito deve-se essencialmente à considerável mobilidade de jovens nas casas de acolhimento (novos acolhimentos, saídas para outras instituições ou reintegração na família de origem, ou saídas para a medida de autonomia de vida).
Instrumentos de recolha de dados
Na avaliação relativa à baseline (T0) - imediatamente anterior à implementação do programa (outubro de 2014) - e ao período pós-intervenção - imediatamente posterior à sua conclusão (fevereiro de 2016) – recolheram-se dados quantitativos junto das crianças e jovens participantes no programa com recurso à técnica de inquérito por questionário. Segue-se uma descrição detalhada dos instrumentos de autorrelato utilizados para avaliar os outcomes:
Questionário de Autonomia nos Adolescentes (QAA)
O instrumento, traduzido e adaptado para o português europeu (Graça, Calheiros & Martins, 2010) do original Adolescent Autonomy Questionnaire (Noom, 1999), permite avaliar a autonomia dos adolescentes nas dimensões: i. cognitiva - capacidade do jovem para tomar decisões e estabelecer objetivos pessoais; ii. emocional - sentimento de autoconfiança e ausência de necessidade excessiva de validação social; e iii. funcional - conduta confiante e autorregulada. É composto por 15 itens de resposta, de tipo declarativo e formulados quer na forma negativa – e.g. ‘Muitas vezes não sei o que pensar ‘-, quer na forma positiva – e.g. ‘Quando discordo de alguém, eu digo-lhe’. A resposta é dada mediante uma escala de tipo likert organizada em cinco opções de resposta - ‘1. Nada característico de mim’; ‘2. Pouco característico de mim’; ‘3. Algumas vezes característico de mim’; ‘4. Bastante característico de mim’; e ‘5. Muito característico de mim’. A distribuição dos itens faz-se, de acordo com a estrutura original de Noom (1999), equitativamente pelas três dimensões referidas (cognitiva, emocional e funcional). No estudo de adaptação de Graça e colaboradores (2010), realizado no contexto escolar junto de 171 jovens, a análise fatorial confirmatória veio sugerir uma nova estrutura do instrumento, com 4 fatores: i. Autodeterminação; ii. Independência; iii. Autonomia cognitiva; e iv. Autonomia emocional. Por outro lado, uma utilização do QAA junto de jovens em contexto de acolhimento (Neves, 2011) permite concluir a adequação do modelo tridimensional proposto por Noom (1999). No presente trabalho, opta-se pela utilização da estrutura original a 3 dimensões, dada a maior proximidade da amostra de Neves (2011) às características dos participantes deste projeto.
Escala de Avaliação Global da Assertividade (EAGA)
O instrumento, desenvolvido originalmente para a população portuguesa (Jardim & Pereira, 2006), propõe-se a avaliar a capacidade dos indivíduos jovens para expressar adequadamente opiniões, sentimentos, necessidades e insatisfações, de se autoafirmarem na interação social e de defenderem os próprios direitos sem desrespeitar os dos outros. É composto por oito itens de resposta de tipo declarativo perante os quais os indivíduos se posicionam numa escala de tipo Likert em que 1 corresponde a ‘Nunca’; 2 a ‘Raramente’; 3 a ‘Algumas vezes’; 4 a ‘Frequentemente’; e 5 a ‘Quase sempre’.
Rosenberg Self-Esteem Scale (RSES)
A escala, originalmente desenvolvida por Rosenberg (1965), e mais tarde traduzida, adaptada e validada para a população portuguesa, em particular, com adolescentes portugueses em contexto escolar e forense (Pechorro, Marôco, Poiares & Vieira, 2011[3]; Santos & Maia, 2003[4]) trata-se de um instrumento de medida breve, global e unidimensional da auto-estima, que pode ser administrado a indivíduos de qualquer idade. É composta por 10 itens de resposta de tipo declarativo face aos quais o indivíduo se posiciona numa escala de tipo likert de quatro pontos[5], na qual, para efeitos de cotação, 0 corresponde a ‘discordo totalmente’; 1 a ‘discordo’, 2 a ‘concordo’ e 3 a ‘concordo totalmente’. Cinco dos itens da escala encontram-se formulados na negativa (e.g. ‘Por vezes penso que não sirvo para nada’) e os restantes cinco na positiva (e.g. ‘Globalmente estou satisfeito comigo mesmo’). Os scores globais variam entre 10 e 40 pontos, sendo que quanto maior for a pontuação obtida, maior é a autoestima do sujeito. A escala tem revelado boas propriedades psicométricas – designadamente quanto à validade de construto, consistência interna, estabilidade temporal, validade discriminante e divergente – que indicam a sua utilização junto da população adolescente portuguesa (Pechorro, Marôco, Poiares & Vieira, 2011; Santos & Maia, 2003).
Escala de satisfação com a vida
A escala - originalmente desenvolvida por Diener e colaboradores (1985) e posteriormente adaptada para a população portuguesa por Neto e colaboradores (1990) e, numa versão posterior, por Simões (1992) - mede a dimensão cognitiva do constructo de bem-estar subjetivo. Até à data, não existem ainda normas para a população portuguesa, mas, nos estudos realizados, o instrumento revelou boas propriedades psicométricas (Diener et al., 1985; Simões, 1992). Trata-se de um instrumento breve, com apenas cinco itens de resposta de tipo declarativo, com cinco opções de resposta numa escala de tipo likert na qual 1 corresponde a ‘discordo totalmente’, 2 a ‘discordo’, 3 a ‘não concordo, nem discordo’, 4 a ‘concordo’ e 5 a ‘concordo totalmente’. O resultado global da escala variará entre o mínimo de 5 e o máximo de 25, sendo que quanto maior for o somatório, maior será o nível de satisfação com a vida, enquanto medida de bem-estar subjetivo.
Escala de avaliação da participação na instituição
Dado que os autores desconhecem a existência de algum instrumento adaptado ao contexto nacional que permita captar as dimensões da participação institucional na perspetiva dos jovens, procedeu-se, no âmbito dos mecanismos de supervisão, à construção de uma escala com este propósito (Fernandes, 2014). A escala é constituída por 5 itens de resposta de tipo declarativo, formulados na positiva (e.g. ‘Eu sou escutado’), tendo sido utilizada uma escala de tipo Likert de cinco pontos, em que 1 corresponde a ‘Nunca’; 2 a ‘Raramente’; 3 a ‘Algumas vezes’; 4 a ‘Frequentemente’; e 5 a ‘Quase sempre’. O seu desenho fez-se com recurso à literatura existente, tendo-se em particular consideração os três níveis de participação da criança postulados por Lansdown (2005).
Escala de avaliação do respeito pelos direitos humanos
A escala foi desenvolvida no âmbito do projeto em análise (Fernandes, 2014), com o propósito de aceder à perceção dos jovens quanto ao respeito pelos seus direitos individuais nos diversos sistemas sociais em que se inserem, designadamente, família, escola, instituição e comunidade. É composta por 4 itens de resposta de tipo interrogativo (e.g. ‘Em que medida achas que os teus direitos são respeitados na escola?’) e recorre-se de uma escala de tipo Likert, em que 1 corresponde a ‘nada’; 2 a ‘pouco’; 3 a ‘mais ou menos’; 4 a ‘muito’ e 5 a ‘bastante’.
Avaliação de conhecimento efetivo e percebido sobre Direitos Humanos
A avaliação do conhecimento efetivo quanto aos Direitos Humanos faz-se com recurso a uma questão de evocação livre na qual é solicitado às crianças e jovens que nomeiem os direitos humanos que conhecem. Adicionalmente, as mesmas posicionam-se quanto ao conhecimento percebido sobre direitos humanos numa questão única de tipo interrogativo, com uma escala de resposta de tipo Likert, em que 1 que corresponde a ‘nada’ (i.e. desconhecimento total acerca dos direitos humanos), 2 a ‘pouco’, 3 a ‘mais ou menos’, 4 a ‘muito’ e 5 a ‘Bastante’.
Avaliação da satisfação
Adicionalmente, a avaliação da satisfação dos participantes em cada uma das sessões de desenvolvimento pessoal foi realizada com recurso a um sistema de pontos, através do qual cada sessão era cotada de 1 a 5 relativamente à satisfação global com a mesma, em que 1 corresponde a ‘muito insatisfeito’; 2 a ‘insatisfeito’; 3 a ‘mais ou menos satisfeito’; 4 a ‘satisfeito’ e 5 a ‘muito satisfeito’. Pelo carácter contínuo da recolha deste indicador – a satisfação – em cada uma das sessões, esta tratou-se, ao longo do projeto, de uma importante ferramenta de monitorização.
Programa ‘Tudo aos Direitos’: desenho e implementação
O Tudo aos Direitos - Programa de Promoção da Cidadania e dos Direitos Humanos – tem como principal premissa que as crianças são sujeitos ativos de direitos a quem deve ser garantida participação na vida da estrutura residencial e nos restantes espaços sociais onde atuam. Tem como público-alvo, por um lado, as crianças e jovens com mais de 12 anos, residentes em casas de acolhimento e, por outro, os profissionais das equipas técnicas e educativa que integram estas respostas[6]. Define, como objetivo estratégico, aumentar a participação cívica de crianças e jovens residentes em casas de acolhimento, assim como o seu conhecimento sobre direitos humanos. A prossecução do objetivo estratégico enunciado é proposta pela via da capacitação das crianças e jovens em situação de acolhimento, assim como das equipas técnica e educativa que integram estas respostas sociais.
A pilotagem do programa, objeto de análise neste artigo, decorreu entre 2014 e 2016[7], com enquadramento territorial no norte de Portugal, em particular no concelho de Vila Nova de Gaia. A sua implementação visou quatro das seis casas de acolhimento existentes, à data da intervenção, neste concelho (Carta Social, 2016), todas de tipologia mista (i.e. com crianças e jovens residentes de ambos os sexos). O setting da intervenção foi o contexto natural das crianças e jovens, no qual se pretende produzir efeitos, i.e. nas casas de acolhimento. A operacionalização do objetivo estratégico do programa fez-se com recurso a múltiplas estratégias, previamente documentadas para efeitos de reprodutibilidade do programa (Oliveira, et al., 2016). Recorreu-se à condução de sessões com tipologias diferenciadas, designadamente sessões de desenvolvimento pessoal, abertas, de interseção, de formação e de educação de pares. No que concerne às sessões de desenvolvimento pessoal, destinado a crianças e jovens, recorreu-se à modalidade de intervenção em grupo. Dinamizadores externos à casa de acolhimento implementaram 35 sessões de intervenção, de frequência semanal, ao longo de cerca de 9 meses, que versaram sobre os tópicos de promoção de competências pessoais e sociais; promoção da cidadania (e.g. participação ativa); educação para os Direitos Humanos e promoção de competências para a vida autónoma. Paralelamente, foram dinamizadas ‘sessões abertas’ (10 sessões), desenhadas com o objetivo de criar oportunidades de participação cívica na comunidade envolvente, no âmbito das temáticas desenvolvidas nas sessões de desenvolvimento pessoal.
Enquanto estratégia destinada à instituição de práticas de diálogo entre as crianças e jovens e os profissionais das equipas técnica e educativa da casa de acolhimento, foram implementadas sessões de interseção (6 sessões), co-construídas com os participantes, que versaram sobre a abordagem de temas estruturantes do funcionamento da instituição e da participação das crianças e jovens neste contexto.
Com recurso à metodologia de educação de pares foram selecionadas crianças e jovens participantes nas demais componentes do programa, com motivação e perfil para voluntariamente assumir o papel de ‘educador de pares’. Os participantes selecionados receberam orientação e acompanhamento para a assunção desse papel (10 sessões), com resultado na dinamização autónoma, mas supervisionada, de atividades direcionadas para crianças e jovens que não constituíram alvos diretos do programa[8].
Finalmente, ações de formação à medida, direcionadas aos profissionais das equipas técnica e equipa educativa das casas de acolhimento participantes (9 sessões), foram desenhadas a partir de um levantamento de necessidades prévio. Os conteúdos formativos das sessões, co-construídos com os participantes, versaram sobre os tópicos cidadania e direitos humanos, comunicação e gestão de conflitos, consumo de substâncias psicoativas, gestão do tempo e prevenção de stress, primeiros socorros, gestão de afetos nas instituições, promoção da autonomia e dos direitos das pessoas institucionalizadas e técnicas de relaxamento e respiração.
As estratégias de intervenção supra-descritas foram implementadas em duas fases. Numa 1ª fase, conduziram-se as sessões de desenvolvimento pessoal em grupo junto das crianças e jovens, ao mesmo tempo que foram realizadas as ações de formação dirigidas às equipas técnicas e educativa. Tiveram também lugar as sessões de interseção e foram dinamizadas sessões abertas. Numa 2ª fase do programa, recorreu-se à metodologia da educação de pares com vista à promoção de efeitos multiplicadores junto de crianças e jovens e ainda de técnicos que não foram alvos diretos da intervenção.
Análise estatística
A análise de dados foi realizada com recurso ao software de análise estatística SPSS (v.22). Para a comparação dos resultados à baseline (T0= pré-intervenção) e pós intervenção (T1) (nível de significância de .05) recorreu-se a testes de hipóteses não-paramétricos, tendo em consideração a inspeção prévia do cumprimento dos pressupostos de testes paramétricos (e.g. distribuição da diferença das variáveis por análise visual do histograma e teste Shapiro-Wilk), designadamente ao teste de Wilcoxon signed rank test para amostras emparelhadas e outcomes medidos por variáveis ordinais. O teste não paramétrico de Mann-Whitney U para duas amostras independentes ou o teste Kruskal-Wallis H para mais de duas amostras independentes foram usados para avaliar diferenças nas variáveis contínuas de outcome entre grupos (e.g. grupo etário, casa de acolhimento) na baseline (T0). Para este efeito, as faixas etárias foram estabelecidas de acordo com Noom e colaboradores (Noom et al., 1999), dividindo-se os participantes em grupos dos 12-14 anos, 15-18 anos e 19-21 anos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Apresentam-se, primeiramente, os resultados obtidos quanto à caracterização da situação de partida, isto é, inerentes à administração do protocolo à baseline (T0). De seguida, apresentam-se os resultados da avaliação do programa baseados na comparação das variáveis de outcome à baseline (T0) e ao momento pós intervenção (T1).
Caracterização da situação de partida
Os resultados obtidos à baseline na Escala de Avaliação da Participação na Instituição (Fernandes, 2014) sugerem que os jovens tendem a posicionar-se mais positivamente nos itens da escala correspondentes a níveis mais básicos de participação (e.g. ‘Sou informado’) em relação a níveis mais complexos (e.g. ‘Eu proponho ideias e os adultos aceitam’) (cf. Tabela 1), com 33.4% a considerarem que são frequentemente informados e 23.1% a considerarem que o são quase sempre; e com 38.5% a considerarem que são frequentemente escutados, e 28.2% que o são quase sempre. À medida que se avança no nível de participação (de níveis mais básicos para níveis mais complexos de participação), os jovens tendem a posicionar-se mais negativamente, com 21.6% dos jovens a considerarem que ‘raramente’ propõem ideias aos adultos que sejam aceites pelos mesmos, e 13.5% a considerarem que tal nunca acontece.
Em nenhum destes itens foram encontradas diferenças estatisticamente significativas, a um nível de significância de .05, entre grupos provenientes de diferentes casas de acolhimento, com recurso ao teste não paramétrico Kruskal-Wallis (cf. Tabela 1): O mesmo teste revelou diferenças estatisticamente significativas quanto à faixa etária (N=38; H (2)= 7.34, p= .02), para o item ‘Eu digo tudo aquilo que penso’, com a faixa dos 19-21 anos a apresentar a mean rank mais elevada (mean rank = 30.33), seguida pela dos 12-14 anos (mean rank = 19.13) e finalmente pela dos 15-18 anos (mean rank = 17.23). Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas quanto ao sexo com o teste de Mann-Whitney (cf. Tabela 1). No que concerne aos resultados obtidos com o Questionário de Autonomia nos Adolescentes (QAA) (Noom, 1999; Graça, Calheiros & Martins, 2010), estes reportam-se os resultados das dimensões cognitiva, emocional e funcional, considerando a estrutura fatorial proposta pelo autor da escala original (Noom, 1999). Considerando a distribuição assimétrica dos dados, opta-se pelo reporte das medianas e intervalo interquartil (IQR; cf. Tabela 2). Os resultados obtidos nas três dimensões pelos 39 jovens que completaram o protocolo indicam que a dimensão em que se obteve a mediana inferior foi a da autonomia cognitiva (Md= 15), seguida pela autonomia funcional (Md= 16) e finalmente pela autonomia emocional, em que se obteve a mediana superior (Md=17), em consonância com a tendência encontrada nos resultados de Neves (2011). Uma vez que existe evidência de que o desenvolvimento da autonomia tem influência do género (sobretudo nas dimensões cognitiva e funcional) e idade (Graça et al., 2010; Noom et al., 1999), realizou-se o teste não paramétrico de Mann-Whitney U com vista a verificar se existem diferenças estatisticamente significativas entre jovens do sexo masculino e feminino nas dimensões em análise; e foi conduzido o teste de Kruskal-Wallis para estudar diferenças entre as três faixas etárias definidas neste estudo, à semelhança das estabelecidas pelo autor original da escala (Noom et al., 1999): 12-14 anos; 15-18 anos e 19-21 anos.
Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas quanto ao sexo para nenhuma das dimensões de autonomia avaliadas (cognitiva, emocional e funcional). O mesmo se verifica em relação à faixa etária para as três dimensões de autonomia (cf. Tabela 2). Por outro lado, o teste Kruskal-Wallis revelou diferenças significativas entre casas de acolhimento quanto à autonomia cognitiva (H (3)= 13.21, p= .004), sendo que o teste post hoc mostrou que essas diferenças (p=.006) estão presentes entre as instituições 2 (mean rank= 28.4) e 3 (mean rank= 12.2).
Por sua vez, na Rosenberg Self-Esteem Scale (RSES) foi calculado o somatório da escala global, de acordo com o procedimento de Pechorro e colaboradores (2011), tendo-se obtido uma mediana de 19, para uma pontuação mínima possível de 0 e máxima de 30. Não se verificaram diferenças estatisticamente significativas quanto ao sexo em relação à autoestima global (cf. Tabela 2), contrariamente ao verificado por Pechorro e colaboradores (2011) na comparação dos grupos escolares masculino e feminino, nas quais o grupo masculino saiu favorecido quanto a esta dimensão, o que será potencialmente atribuível ao tamanho da amostra deste estudo. A mediana do somatório da escala global para as três faixas etárias: 12-14 anos (Md=17; IQR= 10); 15-18 (Md=19; IQR= 4); e 19-21 (Md=22.5; IQR=9) mostrou um aumento da autoestima com a idade nesta amostra. Contudo, não se verificaram diferenças estatisticamente significativas quanto à faixa etária na autoestima global. Também não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas quanto às casas de acolhimento (cf. Tabela 2).
No que concerne à Escala de Avaliação Global da Assertividade (Jardim & Pereira, 2006), os participantes apresentaram à baseline uma mediana da escala global de 28, para uma pontuação mínima possível de 8 e máxima de 40. Não se verificaram diferenças estatisticamente significativas quanto ao sexo, à faixa etária ou à casa de acolhimento em relação à assertividade.
No que concerne à escala de satisfação com a vida (Diener et al., 1985; Simões, 1992), verificou-se uma mediana da escala global de 16, para um mínimo possível de 5 e o máximo de 25. Não foram verificadas diferenças estatisticamente significativas na satisfação com a vida, quanto ao sexo, faixa etária ou casa de acolhimento.
Relativamente à escala de avaliação do respeito pelos direitos humanos (cf. Tabela 3), quando foi pedido aos jovens que se posicionassem sobre em que medida são os seus direitos respeitados nos diversos ambientes em que se inserem – escola, família, instituição/ casa de acolhimento e comunidade – a tendência dos participantes foi para avaliar mais positivamente a família a este respeito, com a maioria dos participantes a considerarem que os seus direitos são ‘muito’ (33.3%) ou ‘bastante’ (30.3%) respeitados neste contexto. Por outro lado, é em relação à comunidade que os jovens tendem a posicionar-se mais negativamente quanto a este assunto, com 18.2% a considerar que os seus direitos são pouco respeitados, e apenas 27.3% a considerar que são muito (15.2%;) ou bastante respeitados (12.1%). Relativamente à instituição/casa de acolhimento, a tendência dos participantes é para considerarem que os seus direitos são mais ou menos respeitados (45.5%), ainda que nos quatro contextos avaliados, este tenha sido o que mereceu mais respostas ‘nunca’ quanto à perceção do respeito pelos direitos dos jovens.
No que concerne ao item ‘Em que medida achas que os teus direitos são respeitados na instituição?’, não foram verificadas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos provenientes das quatro casas de acolhimento, assim como não se verificaram essas diferenças em nenhum dos outros contextos (escola, família ou comunidade). O teste de Mann-Whitney também não revelou diferenças estatisticamente significativas quanto ao sexo em relação à avaliação de nenhum desses contextos. Por outro lado, foram encontradas diferenças estatisticamente significativas quanto à faixa etária, para os itens ‘Em que medida achas que os teus direitos são respeitados na escola?’ (H(2)= 8.78, p= .01; mean rank: 12-14=28.33, 15-18=14.52, 19-21=22.60) e ‘Em que medida achas que os teus direitos são respeitados na tua comunidade?’ (H (2)= 8.33, p= .01; mean rank: 12-14=30, 15-18=14.94, 19-21=19.50), com o grupo da faixa etária dos 12-14 anos a posicionarem-se mais positivamente e o grupo dos 15-18 anos mais negativamente em relação a ambas as questões. Em particular, o teste post hoc revelou diferenças estatisticamente significativas entre a faixa etária dos 15-18 e dos 12-14 para o item relativo ao contexto escolar (p=.03) e para o item relativo à comunidade (p=.01), com o grupo mais velho a avaliar mais negativamente o respeito pelos direitos humanos.
No que respeita à avaliação do conhecimento efetivo e percebido sobre Direitos Humanos, a maioria dos participantes (54.5%; n=18) entre os que responderam a esta questão (n=33) considera que conhece ‘mais ou menos’ os direitos humanos; 21.2% (n=7) dos participantes consideram que conhecem pouco e 6.1% que conhecem (n=2) nada sobre direitos humanos. Por outro lado, 12.1% (n=4) consideram que conhecem muito e 6.1 (n=2) que conhecem bastante sobre direitos humanos. Não se verificaram diferenças estatisticamente significativas quanto ao conhecimento percebido sobre direitos humanos quanto ao sexo (U= 132.5, p=.93), faixa etária (H (2)= 1.82, p= .40) ou casa de acolhimento (H (3)= 5.91, p= .12).
Na tarefa de evocação livre de direitos humanos, a maioria dos participantes (48.5%; n=16) dos que responderam a esta questão (n=33) não foi capaz de nomear nenhum direito, enquanto os restantes participantes conseguiram nomear 1 (27.3%; n=9), ou mais do que 1 (24.3%; n=8) direito humano, para um máximo de 4 direitos humanos nomeados (6.1%; n=2). Não se verificaram diferenças estatisticamente significativas no conhecimento efetivo sobre direitos humanos quanto ao sexo (U= 123.5, p=.68), faixa etária (H (2)= 3.13, p= .21) ou casa de acolhimento (H (3)= 1.66, p= .65).
Programa ‘Tudo aos direitos’: avaliação de resultados
A avaliação dos outcomes do programa sustenta-se na análise dos protocolos de avaliação válidos de 28 jovens, respondidos em ambos os momentos de avaliação (à baseline e no pós-intervenção).
A frequência das respostas aos itens da Escala de avaliação da Participação na Instituição (Fernandes, 2014) à baseline (T0) e no pós-intervenção (T1) é apresentada na tabela 4. Para efeito de reporte apenas se apresentam, conjuntamente, as frequências das respostas negativas (‘nunca’ e ‘raramente’) e das respostas positivas (‘frequentemente’ ou ‘quase sempre’) à escala, continuando-se a tratar os itens de resposta como variáveis ordinais no uso dos testes de hipótese. O teste de Wilcoxon para amostras emparelhadas não revelou diferenças estatisticamente significativas entre os dois momentos de avaliação em nenhum dos itens de resposta (cf. Tabela 4).
No que concerne aos resultados obtidos no Questionário de Autonomia nos Adolescentes (QAA) (Noom, 1999; Graça, Calheiros & Martins, 2010), a mediana obtida pelos participantes que responderam a ambos os momentos de avaliação (N=28) nas três subescalas no momento pós-intervenção foi ligeiramente superior comparativamente à baseline para as sub-escalas cognitiva e emocional (cf. Tabela 5). O teste não paramétrico de Wilcoxon para amostras emparelhadas revelou diferenças estatisticamente significativas entre a baseline e o pós-intervenção na subescala Autonomia Cognitiva (Z= 2.85, p =.004). Por outro lado, não foram verificadas diferenças estatisticamente significativas em nenhuma das outras dimensões de autonomia avaliadas, da baseline para o pós-intervenção.
Relativamente à autoestima dos participantes (N=28), avaliada com recurso à Rosenberg Self-Esteem Scale (RSES), a mediana da pontuação total da escala obtida no pós-intervenção foi ligeiramente superior à da baseline (cf. Tabela 5). Todavia, o teste de Wilcoxon não revelou diferenças estatisticamente significativas da baseline para o pós-intervenção quanto à autoestima.
No que concerne à Escala de Avaliação Global da Assertividade (Jardim & Pereira, 2006), verificou-se um aumento da mediana da pontuação total da escala da baseline para o pós-intervenção (cf. Tabela 5). Não foram, contudo, verificadas diferenças estatisticamente significativas na dimensão assertividade nos momentos anterior e posterior à intervenção.
Os resultados obtidos na Escala de satisfação com a vida (pontuação total) à baseline e pós-intervenção revelaram um ligeiro aumento das pontuações do primeiro para o segundo momento (cf. Tabela 5), sem que, no entanto, se tenham verificado diferenças estatisticamente significativas na satisfação dos participantes com a vida.
Na Escala de avaliação do respeito pelos Direitos Humanos, optou-se, exclusivamente para efeito de apresentação, pelo agrupamento das frequências das opções de resposta negativas (‘nada’ e ‘pouco’) e positivas (‘muito’ e ‘bastante’), tratando-se os itens de resposta como variáveis ordinais no teste de hipótese. A tabela 6 apresenta a frequência de respostas aos itens da Escala de avaliação do respeito pelos Direitos Humanos à baseline (T0) e no pós-intervenção (T1). O teste de Wilcoxon não revelou diferenças estatisticamente significativas para os dois momentos de avaliação, em nenhum dos itens de resposta (cf. Tabela 6).
Relativamente ao conhecimento percebido sobre Direitos Humanos, as frequências de resposta ao item ‘Em que medida achas que conheces os direitos humanos?’ sugerem um aumento do conhecimento percebido do primeiro para o segundo momento de avaliação. À baseline, a maioria dos participantes considerava conhecer ‘mais ou menos’ os Direitos Humanos (54.2%, n=13), com 25% (n=6) a considerarem que conheciam ‘muito’ ou ‘bastante’ e 20.9% (n=5) a considerarem que conheciam ‘nada’ ou ‘pouco’ sobre o assunto. Após a intervenção, 50% (n=14) dos participantes consideraram conhecer ‘muito’ ou ‘bastante’ sobre os Direitos Humanos, enquanto 46.4% (n=13) consideraram conhecer ‘mais ou menos’ e 3.6% (n=1) conhecer ‘pouco’. O teste não paramétrico de Wilcoxon revelou significância estatística para as diferenças no conhecimento percebido sobre Direitos Humanos, entre os dois momentos de avaliação (Z= -2.07, p=.03).
No que concerne ao conhecimento efetivo sobre Direitos Humanos, avaliado com recurso a uma tarefa de evocação livre, enquanto à baseline a mediana para a nomeação de direitos humanos foi de 1 (IQR =2), após a intervenção foi de 6 Direitos Humanos (IQR=4). O teste de Wilcoxon revelou uma diferença estatisticamente significativa no número de direitos nomeados do período anterior para o período posterior à intervenção (Z=-4.29, p=.000).
Finalmente, tendo sido a avaliação subjetiva da satisfação concretizada no final de cada sessão de intervenção, 85.8% das sessões foram classificadas pelos jovens com "Muito Bom", revelando, portanto, um nível de satisfação elevado com a intervenção.
Outros resultados do projeto
O projeto ‘Tudo aos Direitos’ produziu ainda resultados não mensurados/ eleitos como outcomes no âmbito da avaliação em análise. Foi o caso da implementação de novos mecanismos de participação institucional nas várias casas de acolhimento. Estes mecanismos foram propostos e desenvolvidos pelos jovens que integraram o projeto, com o apoio da equipa do projeto e das equipas/ direções das casas de acolhimento, procurando responder às necessidades específicas de cada casa. Como exemplos é possível referir a criação de assembleias de crianças e jovens, a implementação de livros de opinião, caixas de sugestões, mudanças nos espaços institucionais, entre outros mecanismos de participação, que permanecem em vigor após a finalização do projeto. É ainda de sublinhar que a componente de educação de pares permitiu alcançar outros jovens que não foram alvos diretos do projeto (n=576), em momentos de sensibilização para a temática dos direitos humanos. Os efeitos da educação de pares nos 576 jovens beneficiados não foi, no âmbito deste projeto, objeto de análise.
CONCLUSÕES E ORIENTAÇÕES FUTURAS
A avaliação do projeto Tudo aos Direitos permite perceber um aumento estatisticamente significativo no que se refere à autonomia cognitiva e ao conhecimento efetivo e percebido dos direitos humanos, quando comparada a situação de partida e o momento pós intervenção, o que permite perceber os resultados positivos que o projeto teve no público alvo nessas dimensões. Não parecem existir diferenças ao nível da autonomia emocional e funcional, da perceção de participação na instituição, do respeito pelos direitos humanos em diferentes contextos nos quais o jovem se insere, nem relativamente às variáveis psicológicas avaliadas. Consideramos que estes aspetos que decorrem da avaliação do projeto vão ao encontro de um estudo desenvolvido em 2012 pela União Europeia, designado de “Evaluation of legislation, policy and practice on child participation in the EU”, no qual se referia que em mais de metade dos Estados Membros havia legislação relativa aos contextos de cuidados alternativos de proteção, custódia, adoção, que refletia o princípio de que as vozes das crianças deveriam ser ouvidas nas decisões e processos que afetam os seus direitos. No entanto, o mesmo relatório referia também que as oportunidades de as crianças fazerem ouvir as suas opiniões nos assuntos que lhe dizem respeito era muito débil nos diferentes Estados Membros.
Este é, na nossa opinião, um aspeto que continua a merecer atenção após a análise dos dados do projeto que aqui apresentamos. Sabemos hoje que os processos de promoção de cidadania são lentos e precisam de estar bem alicerçados num conjunto de pressupostos fortes, de entre os quais destacamos os direitos humanos. Sem uma consolidação deste princípio na vida de crianças e jovens continuaremos a alimentar uma retórica dos direitos humanos como um discurso politicamente correto. Ter percebido neste projeto que este foi um dos aspetos mais conseguidos permite-nos pensar com esperança relativamente à continuidade do trabalho desenvolvido com estas crianças e jovens.
Enfrentamos os desafios que decorrem dos aspetos menos conseguidos a partir da avaliação do programa, com a convicção das palavras de Fernandes e Trevisan (2019, p.123), quando defendem que:
“a consideração das crianças como cidadãs exige ir além da retórica do alto consenso e da baixa intensidade no respeito pela sua ação social, pela sua participação, exigindo da parte do adulto, ir além de perspetivas adultocentradas de cidadania (Trevisan, 2014). Neste processo o ónus não deve ser colocado sobre crianças/ jovens no sentido de mudança, mas sim sobre outros atores-adultos, aos quais se exige alguma mudança para renovar práticas (Cockburn, 2007)”.
E a esse propósito consideramos importante em passos futuros das intervenções com estas crianças e jovens acautelar que os adultos envolvidos nestes processos revejam as suas práticas à luz de renovadas imagens de infância e direitos humanos das crianças e jovens.
Para além do mais, não podemos deixar de salientar que do desenvolvimento do projeto, apesar de não estar plasmado nos dados anteriormente apresentados, se verificou a emergência de novos mecanismos de participação dos jovens na instituição (criação da assembleia geral de crianças e jovens, livro de opiniões e caixa de sugestões), que, ainda que virtualmente produtora de resultados positivos, não foi objeto de avaliação neste trabalho. Apesar de se desconhecerem os resultados produzidos pela implementação destes mecanismos, a sua mera existência é reveladora de alguma mudança, no que diz respeitos às competências dos sujeitos envolvidos. Tendo nós percebido que há diferenças no modo como acontece a participação destas crianças e jovens, podemos também perceber que esta poderá estar diretamente implicada com o grau de perceção e como o significado que os mesmos tinham no início e foram atribuindo posteriormente ao conceito e à sua visibilidade nos seus quotidianos. O alheamento relativamente ao real significado do conceito poderá estar associado à atribuição, inicialmente, de outras conotações bem mais superficiais do que aquelas que, no final do processo, estes jovens atribuíam. Para nós é muito significativo e revelador de conquistas a este respeito o modo como se concretizaram em ações como a assembleia ou a caixa de opiniões e sugestões, a personalização dos espaços individuais e comuns, a negociação das regras da casa e a idealização e organização de novas atividades por parte dos jovens.
É um sinal de uma cidadania vivida e implicada, que é, afinal, o objetivo máximo deste programa de intervenção, aspeto que vai ao encontro das discussões mais recentes relativamente aos direitos da criança, nomeadamente as discussões de Karl Hanson e Olga Nieuwenhys (2013), com o conceito de direitos vividos. Os autores defendem a importância de os direitos da criança serem considerados nos desafios que vão sendo lançados no quotidiano, não podendo ser limitados às codificações abstratamente enunciadas, mas adaptáveis também aos contributos das crianças.
Uma das principais limitações deste projeto prende-se com a avaliação. Embora o projeto contemple uma avaliação à baseline e após a implementação do programa, não foi criado um grupo de controlo, pelo existem limitações quanto à avaliação dos resultados produzidos, designadamente na atribuição desses resultados à intervenção. Assim, numa implementação subsequente do programa é imperativo que seja constituído um grupo de controlo de forma a confirmar se as mudanças encontradas se devem, de facto, à participação dos jovens no programa. Considera-se ainda importante a realização de uma avaliação follow up de forma a perceber a manutenção das mudanças verificadas.
Limitações adicionais à avaliação do programa resultam de aspetos inerentes tanto às dinâmicas próprias do contexto em que decorreu a intervenção como às características da população-alvo do programa. Particularmente no que se refere à constituição e manutenção dos grupos, a flutuação no número de jovens foi um dos principais constrangimentos. Esta deve-se à saída de jovens das instituições, essencialmente por decisão judicial, à incompatibilidade de horários ou à reintegração de novos elementos. Adicionalmente, é de referir a limitação associada à administração dos instrumentos, sendo de salientar a dificuldade de alguns jovens ao nível da leitura, da compreensão e da concentração no preenchimento dos instrumentos, sendo necessário nestes casos o apoio por parte dos elementos da equipa técnica do projeto.
Em termos de orientações futuras, considera-se fundamental dar continuidade a este tipo de projetos, sendo importante que estes possam começar a ser implementados em idades ainda mais precoces.
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Contacto: Joana Antão, Agência Piaget para o Desenvolvimento (APDES), Research in Education and Community Intervention (RECI), Alameda Jean Piaget nº 100, 4411-801 Vila Nova de Gaia / joana.antao@gmail.com
Soraia Teles, Agência Piaget para o Desenvolvimento (APDES), Research in Education and Community Intervention (RECI), Alameda Jean Piaget nº 100, 4411-801 Vila Nova de Gaia / teles.s.soraia@gmail.com Maria Andresen, Agência Piaget para o Desenvolvimento (APDES), Alameda Jean Piaget nº 100, 4411-801 Vila Nova de Gaia / mariaandresen@gmail.com Elvira Lopes, Agência Piaget para o Desenvolvimento (APDES), Alameda Jean Piaget nº 100, 4411-801 Vila Nova de Gaia / elvira.lopes@apdes.pt Mariana Oliveira, Agência Piaget para o Desenvolvimento (APDES), Alameda Jean Piaget nº 100, 4411-801 Vila Nova de Gaia / moliveira2605@gmail.com Natália Fernandes, Instituto de Educação, Universidade do Minho Universidade do Minho, 4710-057 Braga / natfs@ie.uminho.pt Francisca Pimentel, Agência Piaget para o Desenvolvimento (APDES), Research in Education and Community Intervention (RECI), Alameda Jean Piaget nº 100, 4411-801 Vila Nova de Gaia / francisca.pimentel@apdes.pt
(Recebido em março de 2020, aceite para publicação em setembro de 2020)
NOTAS
[1] Em nenhum momento houve intenção de usar as escalas psicométricas infra descritas com o propósito de conduzir uma avaliação psicológica.
[2] Dados sociodemográficos – idade e nível de escolaridade – relativos à data do pós-teste. [3] Com uma amostra de 760 participantes, 250 destes provenientes dos Centros Educativos do Ministério da Justiça e 510 provenientes de estabelecimentos públicos de ensino da grande Lisboa. [4] Com uma amostra de 345 estudantes do ensino secundário no distrito do Porto. [5] Foi originalmente construída como uma escala Guttman, embora os investigadores tendam a optar por uma de tipo likert com quatro opções de resposta. [6] Para além das crianças e jovens, este programa abrangeu igualmente os profissionais das equipas técnicas e educativa que integram as respostas sociais, no entanto, para efeitos de artigo iremos apenas focar a análise e discussão dos resultados do programa junto das crianças e jovens. [7] O programa ‘Tudo aos Direitos’ é objeto e resultado de um projeto cofinanciado pelo EEA Grants com o apoio da Noruega, da Islândia e do Liechtenstein, no âmbito da iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian - Cidadania Ativa, desenvolvido entre setembro de 2014 e fevereiro de 2016 (18 meses). [8] Em alguns casos, as crianças indiretamente beneficiadas pelo projeto, via educação de pares, encontravam-se integradas na mesma casa de acolhimento, enquanto outras iniciativas incluíram crianças e jovens inseridas em casas de acolhimento distintas da do educador de pares.