ARTIGOS
DOI: https://doi.org/10.25757/invep.v10i2.199
As TIC na formação inicial de professores: Representações de práticas de formação de formadores
ICT in initial teacher training: representations of practices for training of educators
Les tic dans la formation initiale des enseignants: representations des pratiques de formation des formateurs
Las tic en la formación inicial de maestros: representaciones de prácticas de formación de formadores
Gorete Fonseca
Agrupamento de Escolas da Lourinhã e UIDEF, Instituto de Educação, Universidade de Lisboa
Resumo
O artigo tem como objetivo apresentar e discutir, a partir das representações dos formadores de professores, as práticas de formação desenvolvidas com recurso à utilização das tecnologias de informação e comunicação (TIC), e à promoção do seu uso, durante o processo de formação dos futuros professores. É um estudo descritivo e interpretativo centrado nos formadores de duas instituições públicas do Ensino Superior que formam professores em Portugal. Atendendo ao objetivo, foram realizadas vinte entrevistas semidiretivas. Os resultados mostram que os formadores manifestam discursivamente preocupação em usá-las e em consciencializar os futuros professores para o seu uso pedagógico, mas nem sempre se observou total convergência de opinião e/ou de práticas em indicadores tidos como potencialmente inovadores e próximos do que se espera da formação inicial. As evidências apontam, sumariamente, para a dificuldade em oferecer oportunidades para que os futuros professores possam observar e experimentar exemplos de uso pedagógico com as TIC, devido, em parte, às crenças e atitudes que os próprios formadores têm sobre o ensino e as potencialidades das tecnologias, e ao défice de conhecimentos/formação dos próprios formadores na área que atuam como barreiras à promoção do seu uso.
Palavras chave: Formadores de professores, Formação inicial de professores, TIC representações de práticas de formação de formadores.
Abstract
This article is based on the representations of teacher educators it aims to present
and discuss the training practices developed using the use of information and
communication technologies (ICT), and the promotion of their use, during the
training process of future teachers. It is a descriptive and interpretative
study centred on teacher educators of two public
institutions of Higher Education that educate teachers in Portugal. To achieve this,
twenty semi-directional interviews were conducted. The results show that the
teacher educators are willing to use ICTs and making future teachers
aware of their pedagogical use, but there is not always a complete convergence
of opinions and / or practices showed in indicators considered to be
potentially innovative and in focus to what is expected for initial training.
These evidences summarize the difficulty to provide opportunities for future
teachers to observe and experiment with examples of pedagogical use of ICT, due
in part to the beliefs and attitudes that teacher educators themselves have
about teaching and the potential of technologies, but also the lack of
knowledge / training that the educators themselves have in this area, these act
like barriers to the further promotion of ICT use.
Keywords: Teacher Educators, Initial Teacher Training, ICT Representations of practices for training of educators
Résumé
Cet article est basé sur les représentations des formateurs du enseignants et vise à
présenter et à débattre les pratiques de formation développées en utilisant les
technologies de l`information et de la communication (TIC), ainsi que la
promotion de leur utilisation, au cours du processus de formation des futurs
enseignants. Il s'agit d'une étude descriptive et interprétative centrée sur
les formateurs d'enseignants de deux établissements publics d'enseignement
supérieur qui éduquent des enseignants au Portugal. Pour ce faire, vingt
entretiens semi-directionnels ont été conduits. Les résultats montrent que les
formateurs d'enseignants sont disposés à utiliser les TIC et à sensibiliser les
futurs enseignants à leur utilisation pédagogique, mais il n'y a pas toujours
une convergence complète des opinions et / ou des pratiques dans les
indicateurs considérés comme potentiellement innovants et proches de ce que si
voulez dans la formation initiale. Ces preuves résument la difficulté de
fournir aux futurs enseignants des occasions d'observer et d'expérimenter des
exemples d'utilisation pédagogique des TIC, en partie à cause des croyances et
des attitudes que les formateurs d'enseignants eux-mêmes ont à propos de
l'enseignement et du potentiel des technologies, mais aussi du manque de
connaissances / formation que des formateurs ont eux-mêmes dans ce domaine, qui
font obstacle à la promotion de leur utilisation.
Mots-clés: Formateurs du enseignants, Formation initiale des enseignants, TIC – Représentations des pratiques de formation des formateurs
Resumen
Este
artículo se basa en las representaciones de los formadores de maestros que tiene
como objetivo presentar y discutir las prácticas de formación desarrolladas
utilizando el uso de las tecnologías de la información y la comunicación (TIC),
y la promoción de su uso, durante el proceso de formación de futuros maestros.
Es un estudio descriptivo e interpretativo centrado en formadores de maestros
de dos instituciones públicas de educación superior que educan a maestros en
Portugal. Para lograr esto, se realizaron veinte entrevistas semidireccionales. Los resultados muestran que los formadores
de maestros están dispuestos a utilizar las TIC y sensibilizar a los futuros
maestros sobre su uso pedagógico, pero no siempre existe una convergencia
completa de opiniones y / o prácticas mostradas en indicadores considerados
potencialmente innovadores y cercanos a lo que se espera en lo entrenamiento
inicial. Estas evidencias resumen la dificultad de proporcionar oportunidades
para que los futuros maestros observen y experimenten ejemplos de uso
pedagógico de las TIC, debido en parte a las creencias y actitudes que los
mismos formadores tienen sobre la enseñanza y el potencial de las tecnologías,
pero también la falta de conocimiento / formación que ellos propios tienen en
esta área, esto actúa como barrera para una mayor promoción del uso de las TIC.
Palabras clave: Formador de maestros, formación inicial de maestros, TIC Representaciones de prácticas de formación de formadores
INTRODUÇÃO
É ideia recorrente, na agenda política e na investigação, que melhorias no uso das TIC em ambiente escolar, tanto no que diz respeito às aprendizagens dos alunos, como no que toca ao seu uso efetivo pelos professores, passam necessariamente pela melhoria da formação ministrada aos docentes (Coronado, 2013; Fonseca, 2019; Morueta & Gómez, 2014; Peralta & Costa, 2007; Ranguelov, 2011). Sabemos da importância que os futuros professores atribuem, na sua preparação profissional, à observação dos seus próprios professores, tanto aqueles que tiveram ao longo do seu percurso escolar, como os que conheceram na formação para a profissão, e ainda que possa constituir uma barreira à aprendizagem de novas ideias e novas práticas, não podemos negligenciar a velha máxima ensinamos como fomos ensinados (Alarcão & Tavares, 2003; Antunes & Menino, 2005; Mesquita, Formosinho & Machado, 2012). Queremos com isto relembrar que os professores têm tendência para reproduzir, na sua forma de ensinar, o modo como foram ensinados/iniciados nas suas práticas. Importa, ainda, considerar que novas exigências de papéis e funções, hoje atribuídos aos professores, no caso da vertente do uso pedagógico das TIC no processo de ensino, carecem de atenção específica por parte daqueles a quem se imputa a competência de formar os futuros professores.
Tem sido pouco explorado pela investigação o papel e as crenças dos formadores de professores na promoção de práticas integradoras das TIC nas atividades de formação (Coronado, 2013; Estévez-Nenninger et al., 2014; Fonseca, 2019; Miranda, 2010; Solis, 2015). Contudo, a existência de formadores que criem condições de observação, em sala de aula, de exemplos convincentes de utilização dos meios tecnológicos disponíveis, ou mostrem eles próprios concretizações motivadoras dessa utilização, não pode ser descartada como fator, senão determinante, pelo menos favorável ao uso das tecnologias no contexto de ensino e de aprendizagem.
Ao compararmos os resultados de vários estudos realizados em diferentes condições, com diversas metodologias e em vários contextos, emerge uma nota persistentemente comum: ainda que se constate uma predisposição favorável nos professores para a utilização das TIC e as escolas possuam equipamentos tecnologicamente cada vez mais sofisticados, os níveis de utilização continuam inferiores face ao expectável (Costa et al., 2008; Enochsson & Rizza, 2009; Miranda, 2010, entre outros). A discrepância entre os investimentos feitos em equipamentos, e mesmo em formação dos professores, e os resultados verificados no contexto da sala de aula, mostrados por quase todos os trabalhos visitados, destacam o frágil uso das TIC, e mais ainda, a fraca inovação pedagógica que se esperava que acontecesse.
Como causas prováveis, os estudos vão evidenciando que muitos dos professores que concluem a sua formação inicial acabam por sair com uma preparação inadequada e/ou insuficiente no que se refere ao domínio, exploração e uso do potencial pedagógico das TIC na aprendizagem dos alunos. Salientam, ainda, que os estagiários têm dificuldade em observar e em experimentar exemplos de práticas de uso das tecnologias durante a sua formação, nomeadamente no contexto da prática de ensino supervisionada (PES), para poder aprender com os colegas, e sobretudo com professores experientes, nomeadamente os cooperantes (professores mais experientes que acompanham os estagiários no contexto da escola) condicionando em grande parte a sua utilização futura (Costa, 2008; Costa et al., 2008; Enochsson & Rizza, 2009; Fonseca, 2019). O papel dos formadores, especialmente dos supervisores e dos cooperantes, na promoção de práticas inovadoras com as TIC nas atividades de formação, bem como no desenvolvimento de uma prática reflexiva é tido como basilar na preparação profissional para o uso das TIC. A falta de professores cooperantes que reúnam as qualificações desejadas, com enfoque na atitude e confiança que estes possuem sobre a utilização das tecnologias na aprendizagem e no ensino, é igualmente assumida por Enochsson e Rizza (2009) como obstáculo na formação para o uso reflexivo e pedagógico das TIC, pelos futuros professores. Por sua vez, ainda que pouco explorada, a investigação destaca como fatores intrínsecos, que influenciam o modo como os futuros professores utilizam as TIC, as crenças e conceções que os próprios formadores das instituições de formação têm sobre as potencialidades das tecnologias, assim como os níveis de formação preocupantes que detêm no domínio das TIC (Coronado, 2013; Estévez-Nenninger et al., 2014; Miranda, 2010; Solis, 2015). Parte do sucesso numa boa formação dos futuros professores para a utilização das tecnologias passa inevitavelmente, para além de outros fatores, pelos objetivos e natureza da formação, pelas crenças e ainda pela exposição dos futuros professores a modelos de prática que criem níveis de confiança, de domínio e de conhecimento sobre a influência que as TIC representam no processo de ensino e na aprendizagem dos alunos (Enochsson & Rizza, 2009; Estévez-Nenninger et al., 2014).
Acresce que, no caso concreto da formação de professores para o uso das TIC, os trabalhos e experiências existentes em Portugal (Costa, 2008; Costa et al., 2008; Ponte, Oliveira & Varandas, 2002; Ponte & Serrazina, 1998) reportam-se maioritariamente ao conteúdo que os professores devem aprender tendo dado pouca, ou nenhuma, atenção ao papel que os formadores de professores têm na promoção do uso integrado das TIC nas atividades de formação, e nas suas práticas.
O que atrás fica dito levou-nos a lançar um olhar sobre os formadores de professores pela influência isomórfica que teoricamente têm no entendimento da utilização das TIC no processo de ensino e de aprendizagem, nos futuros professores. Neste estudo, escolhemos focar em particular o quadro da formação inicial de professores do 1.º ciclo do ensino básico. A investigação de que fazemos relato, inserindo-se num campo de objetivos mais vastos, pretendeu conhecer e compreender, através da visão, representações e entendimentos dos atores que intervêm diretamente no campo de estudo, como é que a formação inicial prepara profissionalmente os futuros professores para o uso das TIC no processo de ensino e de aprendizagem.
Privilegiou-se uma abordagem qualitativa interpretativa, como adiante daremos conta, uma vez que a preocupação fundamental era descrever, desocultar e fazer explicitar oralmente as práticas de formação realizadas pelos formadores com recurso a estratégias de uso e promoção das TIC. Assim, o nosso objetivo consubstanciou-se na pergunta: que fazem os formadores, do ponto de vista da sua intervenção formadora, para mostrar e promover o uso pedagógico das TIC no processo de ensino e de aprendizagem nos formandos que formam e acompanham?
CONTEXTUALIZAÇÃO METODOLÓGICA
A investigação centrou-se, como se disse, nos formadores de duas instituições públicas portuguesas de Ensino Superior que formam professores, e que designámos por instituição A e instituição B. Importa esclarecer que entendemos aqui por formadores de professores um conjunto alargado de atores que, no quadro das instituições de formação inicial de professores, se encarregam de desenvolver um currículo que prepare os seus estudantes para o exercício da docência. Considerando a diversidade desses atores, cingimo-nos à população que, direta ou indiretamente, participa no processo de formação dos futuros professores, especialmente os que se relacionam com a prática em contexto educativo (Diagrama 1).
Pela relevância do papel desempenhado pelos órgãos da direção e dos conselhos técnico-científicos (CTC) na definição, gestão e orientação das políticas e práticas de formação (que vão desde a criação, alteração e aprovação de ciclos de estudos; decisão de creditação ou de substituição de unidades curriculares (UC); aprovação dos programas das UC, do currículo, entre outros), decidimos entrevistar o diretor e o presidente do CTC, de ambas as instituições.
A decisão de selecionar os docentes que lecionam as UC de TIC e as UC das didáticas pautou-se, essencialmente, pelo facto de, para além de serem responsáveis pela lecionação de disciplinas (e respetivos conteúdos) consideradas nucleares na preparação profissional dos futuros professores, desempenharem um papel mais ativo e, de certa forma, influenciador, através da promoção de práticas de formação com recurso às TIC.
A opção de entrevistar os formadores que desempenham a função de supervisores da Prática de Ensino Supervisionada (PES)/estágio justificou-se por lhes ser reconhecida a responsabilidade direta de orientar e acompanhar os futuros professores na mobilização dos conhecimentos académicos para o contexto de estágio, assim como de promover a experimentação de práticas com recurso ao uso das TIC no processo de ensino e de aprendizagem. Não esqueçamos que a componente prática, nomeadamente a experimentação em contexto real de trabalho onde exercerão a sua prática futura, é fundamental na preparação profissional dos professores.
Desta forma, foram ouvidos os diretores das duas instituições de formação, os presidentes dos CTC, os docentes que asseguram as UC que dizem respeito às TIC enquanto disciplina, os que lecionam as UC referentes às didáticas (português, matemática, estudo do meio e/ou ciências, expressões) e os docentes que asseguram a supervisão da PES/estágio, totalizando 9 formadores entrevistados na instituição A, e 11 na B, sendo que, em alguns casos, o mesmo docente executava/acumulava diferentes papéis. À medida que foram sendo entrevistados, cada um referiu o docente da sua instituição que, reconhecidamente por este, lecionava usando as TIC, de modo a podermos identificar o conjunto de docentes que utilizavam as tecnologias no desenvolvimento da sua prática letiva.
Recorreu-se a entrevistas semidiretivas enquanto técnica de recolha de dados para inquirir os atores que, depois de gravadas, foram sujeitas a uma análise de conteúdo temática, obedecendo aos procedimentos sustentados por Amado (2013) e Bardin (2002). O processo seguido foi predominantemente indutivo, tendo emergido como categorias, no tema das práticas de formação/supervisão explicitadas pelos formadores de ambas as instituições de formação, as descritas na figura seguinte (Figura 1).
O estudo apresentado é um recorte de uma investigação mais alargada que envolveu a auscultação de outros atores (professores cooperantes e estudantes que se encontravam a finalizar a sua formação académica), de que não nos ocuparemos aqui, podendo ser consultado na íntegra em Fonseca (2019).
APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
Práticas de formação desenvolvidas com recurso ao uso e promoção das TIC na formação inicial
A análise dos dados (Tabela 1) permitiu apreender práticas dos entrevistados que, no âmbito da formação inicial de professores, podem ser descritas como intencionalmente promotoras do uso das TIC na formação profissional dos futuros professores. Sintetizamos no quadro seguinte as categorias e subcategorias emergentes. Podemos ainda visualizar o peso discursivo de cada uma das práticas de formação emergentes desenvolvidas pelos formadores com recurso ao uso e promoção das TIC por categoria de entrevistados, e em percentagem. Evidencia-se a cinza a percentagem de frequência de unidades de enumeração de modo a ser possível visualizar a percentagem de convergência de opinião entre as categorias de entrevistados.
A análise de conteúdo permitiu, ainda, outro tipo de informação que não sendo, em sentido restrito, práticas de formação, são-no em sentido lato, e de qualquer modo, são pertinentes enquanto enquadramento das práticas atrás sintetizadas. São elas a promoção, pela direção da instituição de formação, de condições favoráveis ao uso das TIC, a prática relativa à seleção dos formadores cooperantes e a um conjunto de princípios de formação defendidos pela instituição (Figura 2).
Os entrevistados salientam a importância de a direção garantir a aquisição e/ou manutenção de equipamentos TIC na instituição de modo a promover as condições favoráveis ao uso das TIC, tanto pelos formadores, como pelos futuros professores.
No referente à prática de selecionar os formadores cooperantes que acompanham/recebem os futuros professores nas suas salas de aula, locais de trabalho futuro, o discurso destaca a frágil ou nula atenção atribuída às competências por estes evidenciadas na utilização das TIC quando afirmam que a política das instituições: relativamente aos professores cooperantes não tem em linha de conta se eles utilizam ou não as tecnologias no processo de ensino e aprendizagem. (Pb1.1, diretor). O discurso é convergente com as preocupações a que alguns autores vêm chamando a atenção pela influência isomorfa que estes profissionais têm na preparação profissional dos futuros professores (Branquinho, 2004; Estrela, Esteves & Rodrigues, 2002; Rodrigues & Esteves, 2003). Confirma, ainda, o panorama nacional no que respeita à pouca atenção dada à formação e aos conhecimentos necessários para o exercício da função supervisiva de que dão conta autores como Rodrigues (2001).
Os entrevistados referem ainda um conjunto de princípios de formação que consideram presidir à organização da formação global dos futuros professores na sua instituição no que diz respeito à promoção do uso das TIC. Assim, destacamos três princípios em que parece haver convergência em ambas as instituições: i) proporcionar uma formação de base reflexiva e investigativa; ii) articular a teoria com a prática; e iii) proporcionar uma prática isomórfica entre práticas do formador e práticas do futuro professor. Relativamente ao primeiro princípio proporcionar uma formação de base reflexiva e investigativa, os entrevistados apontam para a necessidade de promover uma prática que contribua para que os futuros professores saibam usar as TIC com fundamentos pedagógicos assumidos em função dos contextos e dos objetivos de aprendizagem visados, saibam questionar e aperfeiçoar a própria prática, sejam capazes de ser criativos/inventivos com as TIC, reconhecer e avaliar a qualidade pedagógica dos materiais TIC, assim como trabalhar em equipa, inovando e partilhando experiências. Dizem, ainda, ser necessário sensibilizar os futuros professores para que façam uma utilização crítica, refletida, intencional e fundamentada das TIC atendendo a que as tecnologias também podem ser usadas para reforçar práticas mais tradicionais (Pb3.4, docente de TIC). Acreditam que ao desenvolverem competências reflexivas nos futuros professores estes saberão questionar-se, investigar, pesquisar e encontrar soluções para os diferentes desafios que irão encontrar no desempenho das suas funções, o que vai ao encontro do que é defendido por autores como Alarcão e Roldão (2010), Perrenoud (2002), entre outros.
Como indicadores que atestam a importância discursiva atribuída ao princípio dialético de articular a teoria com prática, invocam integrar a abordagem das TIC nos planos de estudo da formação inicial associada às UC das didáticas por acreditarem ser benéfico abordar as questões didáticas associadas ao uso das TIC no currículo. Entendem que o futuro professor necessita do saber ao nível do conteúdo disciplinar, mas também de mobilizar para a prática o apreendido na teoria. Crêem que é no contexto de PES/estágio que os futuros professores têm a oportunidade de colocar na prática o saber teórico, refletir sobre ele, questionar-se e voltar a colocá-lo em prática(Pb7.6, supervisor), sendo que o suporte e apoio dos formadores são essenciais para que estes desenvolvam/construam o seu perfil profissional a partir das experiências vividas. Assumem promover uma formação que vise aproximar a prática na formação inicial à realidade tecnológica das escolas do ensino básico preocupando-se em formar, e informar, os futuros professores sobre as potencialidades dos materiais e recursos tecnológicos no ensino, de acesso gratuito, para não correr o risco de formar para uma realidade desfasada (Pa1.1, diretor).
Finalmente, salientam a pertinência de não ser esquecido que a formação ministrada deve ser no sentido de proporcionar uma prática isomórfica junto dos futuros professores, alegando que ninguém ensina o que não sabe, e por conseguinte, ninguém utilizará, ou dificilmente usará o que nunca experimentou (Pa6.6, supervisor), o que de certa forma confirma o que alguns autores vêm salientando (Antunes & Menino, 2005; Enochsson & Rizza, 2009; Mesquita, Formosinho & Machado, 2012; Peralta & Costa, 2007, entre outros). O isomorfismo é ainda explicitado quando os entrevistados se referem às competências que os futuros professores devem adquirir durante a formação para transferir para os alunos do ensino básico.
Atentemos agora nas práticas de formação que, do ponto de vista dos formadores entrevistados, mostram e promovem o uso pedagógico das TIC na formação inicial dos futuros professores.
Acompanhar a formação dos formandos na prática
A imersão dos futuros professores na prática é assumida pelos formadores como etapa fundamental para que estes usem as TIC no processo de ensino e de aprendizagem. Criar condições para que possam observar e experienciar exemplos de uso das TIC no ensino, assim como analisar e/ou refletir sobre as práticas de uso pedagógico das TIC, em contexto de sala de aula, emergem no discurso como práticas de formação explicitadas pelos entrevistados. Na opinião manifestada é imprescindível proporcionar a observação de exemplos de uso das TIC pelos formadores. Acreditam ser importante que os futuros professores possam observá-los a usar as tecnologias no contexto formativo levando-nos a inferir que acreditam na crença do efeito contágio (Mesquita, Formosinho & Machado, 2012). Na sua opinião, quando os futuros professores observam e/ou vivenciam eles próprios exemplos de uso das TIC no contexto de ensino/formação formal, há maior probabilidade de replicarem as práticas que observaram/vivenciaram no período de profissionalização. O excerto ilustrativo de um docente das didáticas parece-nos sustentar fortemente a ideia do efeito multiplicador:
Obviamente que o facto de integrar as TIC na minha disciplina vai influenciar os meus estudantes a integrarem-nas também porque tenho um gozo enorme em descobrir, em pesquisar e depois tenho a necessidade de partilhar e isso faz com que se sintam contagiados pelo meu entusiasmo.(Pa5.6, docente das didáticas).
A opinião é igualmente convergente quando afirmam ser prática incentivar os futuros professores a experienciar exemplos de uso das TIC no ensino de modo que possam vivenciar uma prática que se aproxime da realidade. Dizem incitá-los a experimentar o uso das TIC na PES/estágio para desenvolverem níveis de autoconfiança, justificando “que o não experimentar poderá significar não usar as tecnologias de futuro (Pb5.5, docente das didáticas). O facto de no contexto supervisivo o futuro professor se encontrar apoiado/acompanhado pelo professor cooperante, pelo supervisor e pelo par de estágio concorre, na opinião dos entrevistados, para elevar os níveis de autoconfiança, incentivando-o a querer experimentar atividades com as TIC.
A ideia de que os futuros professores necessitam de conhecer os diferentes recursos tecnológicos passando pela experiência de os utilizar em contexto de ensino e de aprendizagem para perceberem as potencialidades das TIC, e mais tarde integrá-las, merece consenso entre os entrevistados, nomeadamente os supervisores. A opinião não deixa de ser convergente com o discurso de alguns autores (Costa, 2008; Coutinho & Lisbôa, 2011; Fonseca, 2019; Miranda, 2010, Morueta & Gómez, 2014, entre outros). Acreditam que, ao procurar que os futuros professores tomem conhecimento e experimentem atividades com as TIC, os despertam para o papel do professor no ensino, fazendo-os perceber que já não estão confinados a lecionar usando apenas o livro, como há 20 ou 30 anos atrás, podendo recorrer a diferentes recursos para que os alunos adquiram ou consolidem aprendizagens como afirma um docente que leciona TIC (Pb4.4). Acrescentam ser importante alertar para as potencialidades que as tecnologias podem oferecer, não apenas no seu ensino, mas também nos processos de aprendizagem dos seus alunos.
Expressam ter ainda como prática alertar para a utilização intensiva e abusiva das tecnologias (Pa4.5, docente que integra TIC), consciencializando os futuros professores para que saibam identificar quando o uso das TIC traz benefícios no processo de ensino e de aprendizagem porque se vierem a atrapalhar e a complicar o processo de ensino, então devem deixá-las ficar sossegadas (Pa3.3, docente de TIC). Defendem que os futuros professores devem saber que a tecnologia não pode atrapalhar nunca o processo de aprendizagem, argumentando que a tecnologia não deve sobrepor-se ao processo educativo uma vez que os recursos não valem por si, mas pela intencionalidade curricular (Pa3.6, supervisor) que lhes deve ser conferida.
Os entrevistados acreditam, ainda, desenvolver uma prática de formação que incita ao questionamento e à reflexão sobre a própria experiência de uso das TIC na PES/estágio ao incentivar os futuros professores a trazer para debate exemplos das experiências vividas no contexto de PES/estágio (Diagrama 2).
Afirmam, nomeadamente os supervisores, transformar os espaços de reflexão semanal em brainstorming (Pb10.6, supervisor), procurando debater e questionar o trabalho desenvolvido por cada um dos pares pedagógicos, especialmente quando há atividades que não correm como o previsto, consciencializando-os de que é a partir da reflexão que se constrói a prática e o ser-se professor (Pa5.6, supervisor). Nas palavras dos supervisores, quando a atividade desenvolvida não correu como o planeado, é importante que o futuro professor possa refletir sobre o que falhou para que consiga reformular a atividade e voltar a pô-la em prática porque não queremos que desista (Pa5.6, supervisor). Assumem a sua função como crucial no desenvolvimento e crescimento pessoal e profissional do futuro professor, argumentando que os momentos de reflexão semanal criados para discussão das dificuldades sentidas na utilização das TIC, na gestão e organização do grupo, dos espaços e do ambiente de ensino, se tornam espaços profícuos de discussão e de aprendizagem catalisadores de novas aquisições.
Nesse processo de questionamento emerge, ainda, como prática relevante e explícita por grande parte dos supervisores, induzir a reflexão sobre o uso pedagógico das TIC pelo cooperante no ensino, refletindo com os futuros professores à luz de teorias de aprendizagem ao mesmo tempo que os alertam para os perigos da reprodução/imitação de práticas irrefletidas desenvolvidas por alguns cooperantes (Pa9.6, supervisor).
Ainda que não seja regular e extensível a todos os formadores, parte dos entrevistados invoca como prática comum analisar, com os futuros professores, exemplos de simulação de situações de uso das TIC no ensino, justificando ser indispensável que estes tenham conhecimento de exemplos reais de uso das TIC através de descrições de práticas, filmes, fotografias (...), para as confrontarem com a imagem que têm/formaram da sala de aula, enquanto alunos. A projeção de vídeos e/ou imagens de exemplos de atividades retiradas do contexto real são consideradas matéria-prima fundamental na simulação de episódios de sala de aula, o que permite aproximar os futuros professores à realidade de trabalho numa sala de aula. A declaração de um dos docentes das didáticas é ilustrativa da importância que lhe é atribuída ao afirmar
Utilizamos muitos episódios de sala de aula reais usando transcrições, fotos e alguns vídeos porque permitem observar como é que o professor faz, refletir sobre isso e os estagiários aprendem muito mais do que a ler livros inteiros. (Pb1.5, docente das didáticas).
Argumentam que as conceções que muitas vezes os futuros professores têm sobre o uso dos recursos tecnológicos no contexto de sala de aula não correspondem, de um modo geral, às situações descritas pelos formadores no contexto da formação inicial, sendo necessário dar a conhecer experiências bem-sucedidas através da projeção de episódios reais para desmontar os mitos e as crenças (Pb3.3, leciona TIC) relativamente ao uso pedagógico que pode ser dado às tecnologias. A prática explicitada pelos entrevistados revê-se em muitas das sugestões emergentes dos autores da área (Antunes & Menino, 2005; Mesquita, 2011; Morueta & Gómez, 2014; Tardif, 2011).
Fazer conhecer e compreender os resultados da investigação realizada no contexto educativo no domínio das tecnologias, promovendo a reflexão e discussão das perspetivas dos diferentes autores e fazer compreender o papel que as TIC desempenham no desenvolvimento profissional através de redes sociais e comunidades de prática, emergem igualmente como práticas explicitadas, maioritariamente pelos docentes que lecionam as UC de TIC e pelos que, reconhecidamente pelos seus pares, lecionam usando as tecnologias e mostrando preocupação em apresentar um conhecimento fundamentado na investigação desenvolvida.
Acompanhar e orientar o trabalho do formando centrado nas TIC
Os entrevistados assumem explicitamente acompanhar o trabalho do futuro professor para desse modo planear reflexivamente, e em conjunto, a ação educativa com as TIC a ser desenvolvida no contexto de PES/estágio e orientar o processo do formando no uso das TIC. Expressam, nomeadamente os supervisores, fazer adquirir/desenvolver no formando a ousadia de querer experimentar/transferir para a sala de aula o que aprendeu em teoria incentivando-o para que “diversifique as atividades e ouse introduzir no estágio alguns recursos tecnológicos que já conhece, e que experimentou nas disciplinas (Pb2.4, docente de TIC).
Exprimem ser essencial que os futuros professores tenham a audácia de querer correr riscos e experimentar as TIC no desenvolvimento do seu ensino na PES/estágio, independentemente dos fatores facilitadores e/ou limitadores que possam encontrar nos contextos inexistência de recursos, liberdade concedida pelo cooperante... para que fiquem com a experiência vivida. Alegam que a formação inicial é uma espécie de janela que se abre para um pedacinho de mundo para o qual os estagiários espreitam (Pb5.5, docente das didáticas), sendo necessário ter a ousadia de querer experimentar práticas significativas. Expressam, nomeadamente os supervisores, acompanhar e orientar a planificação das propostas de atividades dos futuros professores para que estes fiquem a saber planear a sua ação educativa a partir dos contextos educativos que encontram nas escolas onde vão estagiar. Argúem que o futuro professor deve saber olhar para o meio onde a escola se encontra inserida, ter em conta os recursos materiais e humanos disponíveis, e acima de tudo, os objetivos curriculares que deseja que os seus alunos atinjam para depois montar as suas estratégias de intervenção” (Pa3.6, supervisor).
Contudo, saber planear a partir do contexto não representa necessariamente, na opinião dos entrevistados, a certeza do desenvolvimento de uma prática bem-sucedida. É igualmente importante que os futuros professores desenvolvam as competências da comunicação, saibam gerir o tempo, o espaço e os materiais na sala de aula, e acima de tudo aprendam a gerir e reagir a imprevistos, pois a ação educativa passa muito pelo “trabalho decisório” (Pa4.5, docente das didáticas), em que o professor é chamado a tomar decisões que influenciam o sucesso escolar dos alunos. Os supervisores acreditam que orientar os futuros professores na planificação e antecipação dos diferentes cenários contribuirá para que estes fiquem mais bem preparados para agir de acordo com as circunstâncias do momento. Nas palavras de um dos docentes das didáticas, os futuros professores devem saber antecipar dificuldades e prever alternativas que levem os alunos a atingir o mesmo objetivo porque quando se usa as tecnologias, há maior probabilidade de acontecerem imprevistos (Pa5.5). Afirmam consciencializar os futuros professores de que não vão saber tudo sobre as tecnologias, que haverá alturas em que os alunos saberão mais sobre determinada tecnologia do que eles, sendo perfeitamente normal os alunos colocarem questões às quais não saberão responder (Pb3.6, supervisor). Nessas situações, devem saber aproveitar os conhecimentos dos alunos porque quando estes têm oportunidade de ajudar, e partilhar com o professor conhecimentos, sentem-se valorizados e melhoram a sua autoestima como afirma um dos supervisores (Pb7.6).
Expressam, nomeadamente os supervisores, ser prática acompanhar os futuros professores para saberem usar pedagogicamente as TIC no ensino, identificando quando devem iniciar e/ou concluir o trabalho com as tecnologias, em função dos objetivos curriculares pretendidos. A opinião é ainda convergente quanto a reconhecer que muitos professores cooperantes veem os futuros professores como um apoio no desenvolvimento e inovação na sua própria prática letiva, procurando promover a partilha de práticas de uso das TIC entre os formandos e os cooperantes, como afirma um dos supervisores:
Alguns cooperantes estão à espera que os nossos estagiários os ajudem ou ensinem a usar determinadas tecnologias na sala de aula. Estou a lembrar-me de um grupo que acompanho e uma das «encomendas» que a cooperante lhes fez foi «usem o quadro interativo e ao usarem ensinem-me a usá-lo». (Pb2.6, supervisor).
Para grande parte dos supervisores, parece existir um ganho mútuo entre os cooperantes e os futuros professores no que diz respeito ao desenvolvimento da ação educativa com as TIC, proporcionando-se uma verdadeira partilha de práticas fator enriquecedor na preparação profissional. Este discurso confirma, em certa medida, a falta de preparação que os cooperantes manifestam possuir na área da utilização pedagógica das TIC, o que é evidenciado por autores como Branquinho (2004), Costa et al. (2008), Enochsson e Rizza (2009), Fonseca (2019), Leal (2001), entre outros.
Promover práticas de cooperação entre formadores (supervisores e cooperantes) é igualmente explicitado como prática desenvolvida pelos supervisores para quem o professor cooperante não é visto exclusivamente como uma figura modelar mas como um parceiro ao qual confiam o estagiário (Pa8.6, supervisor) e com o qual desenvolvem um trabalho colaborativo com o fim último de o preparar/formar profissionalmente. A conjugação das ações do supervisor e do professor cooperante na orientação e promoção no desenvolvimento de competências para o desempenho docente é amplamente referenciado por autores como Alarcão e Roldão (2010), Alarcão e Tavares (2003), Mesquita, Formosinho e Machado (2012), pela influência que pode desempenhar na promoção e experimentação de práticas de ensino e de aprendizagem com as TIC.
Ainda que não seja extensível a todos os formadores, os entrevistados invocam no seu discurso, nomeadamente os supervisores, como prática corrente sugerir novas práticas/orientações de uso das TIC para implementar na PES/estágio. Explicitam ser habitual indicar o uso de determinado recurso tecnológico para atingir o mesmo objetivo de aprendizagem que os estagiários espelharam inicialmente na planificação de determinada atividade, como afirma um supervisor (Pb8.6). Expressam, especialmente os supervisores e os que lecionam usando as TIC, sugerir aos formandos o uso de software aberto no desenvolvimento das suas atividades, consciencializando-os para a (difícil) realidade tecnológica que as escolas vivem. Têm como preocupação incentivar e alertar os futuros professores para a utilização de recursos/softwares de acesso livre e gratuito nas escolas de estágio ao mesmo tempo que desincentivam a pirataria. Afirmam, ainda, orientar o futuro professor para conceber propostas didáticas de uso das TIC no ensino baseadas na internet para utilizar no desenvolvimento da sua atividade na PES/estágio (exemplo das ferramentas Popplet, Mindmup, Plickers, Kahoot, Socrative, Padlet...). Como justificação, alegam ser premente que estes passem pelas dificuldades e pela experiência de construir diferentes recursos e propostas baseadas nas tecnologias, de modo a desenvolverem competências críticas sobre a sua utilização no contexto educativo.
No discurso proferido, dizem ainda ter como prática alertar os futuros professores para servirem de mediadores (filtro) da informação dada aos alunos, justificando ser importante consciencializá-los para saber gerir e selecionar a informação fidedigna que transmitem, ao mesmo tempo que os consciencializam para os cuidados a ter na utilização das redes sociais e dos perigos inerentes a uma má utilização. A clarificação e definição de critérios para apresentar trabalhos académicos recorrendo às TIC emergem igualmente como prática comum aos entrevistados, sendo justificada pela necessidade de fazer passar os futuros professores pela experiência de as usar em função dos contextos.
Avaliar o desempenho do formando no uso das TIC
No referente à apreciação do desempenho do futuro professor no uso das TIC, ainda que maioritariamente os entrevistados invoquem como prática contemplar na avaliação final as competências evidenciadas pelos formandos na utilização das tecnologias, quer no que diz respeito à realização de atividades inerentes às diferentes UC, quer no desenvolvimento da ação educativa em contexto de PES/estágio, os dados sugerem que esta não é uma prática regular e extensível a todos os formadores. Como justificação para omitir na avaliação final do formando as competências evidenciadas no uso das TIC apontam: i) os constrangimentos que os futuros professores encontram nas escolas de acolhimento (pouca abertura dos cooperantes, acesso limitado a recursos TIC, duração do estágio,), que impedem que estes usem as TIC; ii) a inexistência de um campo distinto na grelha de avaliação destinado à apreciação do desempenho do futuro professor na utilização das tecnologias, sendo opção do supervisor a sua (não) valorização; iii) a pouca sensibilização recebida para o efeito, delegando-se, em alguns casos, a responsabilidade de avaliar as competências em TIC nos formadores que lecionam as respetivas UC. Os excertos seguintes são ilustrativos:
A integração das tecnologias pelos estudantes na sala de aula é um dos aspetos valorizados, mas não é distinto, é mais um no meio de tantos outros dentro do parâmetro: «utilização de recursos de inovação diversificados» contemplado na grelha. (Pa5.5, supervisor).Era um dos requisitos importantes que devia ter tido em conta quando fiz a avaliação das estagiárias mas não o fiz porque só agora é que estou sensibilizado para isso, depois de me ter convidado para participar no seu estudo. (Pb11.6, supervisor).
A ausência de diretrizes claras que permitam a todos os supervisores e cooperantes agir em conformidade no que toca à avaliação e promoção do uso das TIC é indicador do (des)investimento que lhe é atribuído, sendo que, na maioria dos casos, essa mesma valorização acontece pela sensibilidade e pelas crenças que alguns supervisores manifestam sobre as potencialidades que as tecnologias representam na melhoria do processo de ensino e de aprendizagem. Os resultados sugerem a necessidade de um maior investimento na área, nomeadamente uma reflexão no que toca à avaliação da componente das TIC, de modo a aferir procedimentos comuns entre formadores.
Utilizar as TIC como instrumento no contexto de formação/supervisão
Os entrevistados consideram que as tecnologias estão no centro do contexto formativo e/ou supervisivo muito devido às potencialidades que estas oferecem no desenvolvimento da sua prática formativa, usando-as como instrumento facilitador de comunicação, para promover a interação nos formandos recorrendo às TIC ou ainda como instrumento na avaliação (Figura 3).
Para os entrevistados, as TIC são um recurso facilitador de comunicação com os diferentes intervenientes educativos, nomeadamente os futuros professores e/ou professores cooperantes, parceiros importantes na formação inicial. Alegam que as tecnologias permitem enviar/receber trabalhos/planificações/reflexões dos formandos, considerando-as como um importante suporte da prática supervisiva/formativa. No seu entender, grande parte da relação com os futuros professores passa muito pela interação que as tecnologias proporcionam. Para os supervisores, como não lhes é possível estar presente diariamente nos contextos de PES/estágio, o facto de receberem diariamente, via TIC, as propostas de intervenção dos futuros professores permite-lhes fazer um acompanhamento mais próximo do trabalho desenvolvido.
Expressam usar as potencialidades das TIC para dar feedback a dúvidas/trabalhos/planificações colocadas pelos formandos em tempo útil argumentando que as mesmas aceleram a comunicação, tornando o feedback mais oportuno. Os excertos seguintes são ilustrativos das práticas explicitadas:
(...)faço comentários ou dou dicas por e-mail usando a ferramenta de revisão e envio-os rapidamente. Os estagiários vêem os meus comentários e sugestões, alteram, e depois enviam-me novamente. Isto tudo a tempo de numa determinada semana começarem a implementar aquela planificação. (Pb9.6, supervisor)Já tirei muitas dúvidas por skype referentes às planificações ou a outros trabalhos dos meus estudantes. (Pa8.4, docente que leciona com TIC)
Para além da facilitação do processo de comunicação, os entrevistados declaram promover a interação nos futuros professores recorrendo às TIC. Invocam, especialmente os supervisores, ter como prática partilhar com os formandos artigos, hiperligações, jogos (…) materiais considerados essenciais, não só para consolidar e complementar a formação para além do contexto presencial, mas também para serem aplicados no contexto da PES/estágio, como afirma um dos supervisores: uso as tecnologias para partilhar com os estudantes os resumos das aulas, exercícios, vídeos e hiperligações para páginas de interesse que poderão consultar e utilizar no estágio (Pa4.6). Argumentam promover a interação e a partilha de materiais diversos com os futuros professores para que estes possam ter conhecimento de alguns recursos e potencialidades que as tecnologias oferecem no desenvolvimento da sua prática letiva, mas também com o intuito de desenvolver/criar pequenas comunidades de grande partilha de informação e de práticas (Pb10.6, supervisor), fator importante no desenvolvimento profissional dos futuros professores.
O discurso aponta ainda como prática promover a discussão de temáticas entre formandos através das redes sociais (chat, fórum, blogue,…), inerentes não só ao contexto supervisivo, mas também relativas aos conteúdos curriculares das UC. No seu entendimento, a utilização de redes sociais e de plataformas como a moodle, para além de serem recursos com grande potencial no contexto formativo pelas suas características facilitadoras de comunicação, constituem-se como “um fator motivacional ao permitir que os estagiários assumam o papel de consumidores e de produtores de informação, especialmente quando interagem por escrito para justificar o seu ponto de vista” (Pb9.6, supervisor).
No geral, as práticas de uso das TIC como instrumento explicitadas pelos entrevistados evidenciam as potencialidades que os diferentes recursos tecnológicos representam no ensino enumeradas por autores da área, por nós já citados, sendo estas claramente extensíveis ao contexto formativo.
Trabalhar em equipa supervisiva multidisciplinar
De acordo com a análise de conteúdo a grande maioria dos entrevistados argumenta, ainda que de forma pouco expressiva, trabalhar em equipa supervisiva multidisciplinar para haver formadores com conhecimentos na área das TIC e, concludentemente, co-existirem saberes multidisciplinares que se complementam (Figura 4). Nas palavras ilustrativas de um supervisor “o facto de haver um professor da didática da matemática, uma professora ligada à tecnologia educativa, outra ao português, outra às ciências da educação, outra às ciências naturais faz com que a equipa seja multifacetada” (Pa5.6).
Para além do cruzamento de saberes provenientes dos diferentes docentes em representatividade da totalidade das áreas disciplinares (TIC incluídas), a prática de trabalhar em equipa supervisiva multidisciplinar permite, especialmente no entender dos supervisores, suprir constrangimentos ao nível da utilização das TIC que possam ser sentidos por alguns dos formadores que constituem o grupo. Argumentam que quando têm “estagiários que querem aplicar algo que envolve o uso específico de um recurso TIC recorrem à ajuda do supervisor da equipa que melhor conhece ou está habilitado para os ajudar nessa parte da tarefa” (Pa5.6, supervisor).
Os supervisores referem que a presença de formadores com conhecimentos doutos na área das tecnologias permite que estes possam orientar diretamente trabalhos de intervenção de PES/estágio centrados nas TIC e colaborar no acompanhamento mais focalizado e conhecedor do uso pedagógico das TIC no ensino e na aprendizagem, ao mesmo tempo que impulsionam o desejo, nos futuros professores, de querer experimentar práticas com as tecnologias. O discurso ilustrativo de um docente das didáticas sustenta a ideia ao afirmar: “o docente X, que leciona as TIC, tem ajudado de uma forma fantástica os seus estagiários a serem capazes de evoluir na integração das tecnologias na sala de aula e incentivado muitos outros estagiários da equipa de supervisores” (Pa2.2).
Ainda que a prática não seja regular e extensível a todos os formadores, a grande maioria dos entrevistados invoca, ainda, trabalhar em equipa multidisciplinar para desenvolver trabalho colaborativo com outros formadores de diferentes UC, nomeadamente entre formadores das UC de didáticas e das TIC, de modo que os futuros professores possam desenvolver atividades em contexto de PES/estágio articulando os diferentes conteúdos disciplinares. Para além da riqueza e troca de conhecimentos que dizem proporcionar-se entre os formadores envolvidos, as aprendizagens transversais que são proporcionadas aos futuros professores parecem ser igualmente fator preponderante no desenvolvimento do trabalho em equipa. Os excertos seguintes sustentam a prática invocada:
“Vou estar nos estágios para observar as atividades e o produto final de alguns grupos de estudantes específicos que resultam de uma parceria entre três UC: duas das didáticas e a minha das TIC.” (Pa3.3, leciona TIC).“Ao trabalhar em equipa permite-me sair da minha «casinha do saber» e aperceber-me de outras especificidades de outras áreas e sentir a dificuldade que os estudantes têm em trabalhar a transversalidade, e por isso, lancei o repto de trabalho articulado com outros colegas não só das expressões, como também de português.” (Pb5.5, docente das didáticas).
Os entrevistados acreditam que o trabalho desenvolvido em equipa, com o fim último de apoiar os futuros professores no desenvolvimento de trabalhos/atividades que integrem conteúdos transversais comuns a diferentes UC, terá reflexos positivos na forma como estes percecionam o uso integrado das tecnologias no desenvolvimento da sua ação educativa, ao mesmo tempo que fortalece as relações interpessoais entre os principais intervenientes - formadores/futuros professores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Genericamente, e ainda que estejamos perante um estudo limitado cujos resultados devem ser interpretados com alguma prudência, a investigação põe em evidência considerações de duas ordens. Por um lado, os formadores confirmam grande parte dos resultados que a investigação feita com professores vem reconhecendo, designadamente: i) um discurso muito próximo das recomendações da investigação ao invocar a necessidade e importância de formar os professores para o uso das TIC no contexto de ensino e de aprendizagem; ii) a pouca atenção dada à formação e aos conhecimentos em TIC dos formadores, em especial dos cooperantes, para o exercício da função supervisiva, e a iii) maior predisposição, por parte dos formadores, para o uso das TIC como suporte à atividade profissional do que propriamente como recurso inovador no desenvolvimento da sua prática. Por outro, põe em evidência novas dimensões que importa ter em atenção na preparação profissional dos futuros professores para o uso das TIC, nomeadamente: i) a ausência de uma visão estratégica generalizada, e comum a todos os formadores, no sentido de incluir as TIC enquanto conteúdo curricular que concebe as TIC como recurso facilitador da aprendizagem; ii) a ausência de diretrizes claras que permitam a todos os formadores, especialmente aos supervisores, agir do mesmo modo no que toca à avaliação do desempenho dos futuros professores no uso das TIC, e iii) uma consciência dos condicionalismos das orientações curriculares para a formação inicial pouco favoráveis à relação teoria-prática e, por vezes, difusas no que ao uso das TIC diz respeito.
No geral, as práticas explicitadas revelam que, cada vez mais, os formadores estão despertos para a necessidade de formar para o uso inovador das TIC – enquanto recurso que potencia a aprendizagem e não como suporte ao seu ensino – manifestando preocupação em usá-las e consciencializar para o seu uso. Contudo, os indicadores apontam para a dificuldade em fazer passar os futuros professores pela observação, análise e experimentação de exemplos convincentes de utilização das tecnologias como recurso potenciador das aprendizagens devido, em parte, à (falta de) formação/conhecimentos na área da maioria dos formadores, assim como pelas crenças que têm sobre o ensino e as potencialidades das tecnologias que atuam como barreiras à preparação profissional dos futuros professores para o uso das TIC. Assim, e retomando a ideia da importância atribuída às práticas isomórficas, sugerem-se como recomendações que podem ser tomadas no imediato: i) a (re)definição do currículo de formação e respetivos programas das UC dos cursos que habilitam para a docência, de modo que as TIC possam ser concebidas enquanto conteúdo curricular; ii) (re)ver os critérios de avaliação/classificação de desempenho do futuro professor na PES/estágio, bem como nas diferentes UC, criando um item específico relativo à utilização das TIC; iii) sensibilizar os formadores, especialmente os supervisores e os cooperantes, para a importância e pertinência de desenvolverem estratégias comuns e concertadas, no que à importância e uso das TIC diz respeito, na preparação profissional dos futuros professores, assim como iv) investir na formação e capacitação dos formadores no e para o uso pedagógico das TIC (Fonseca, 2019).
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Contacto: Gorete Ramos Fonseca, AEL - Agrupamento de Escolas da Lourinhã, Vale de Geões - Apartado 13Lourinhã, 2534-909 Lourinhã, Portugal / prof.goretefonseca@gmail.com
(Recebido em agosto de 2019, aceite para publicação em julho de 2020)