ARTIGOS
A reorganização do espaço e dos materiais pedagógicos: favorecer a participação e as escolhas de um grupo de crianças
The rearrangement of space and pedagogical materials: to encourage participation and the choices of a group of children’s
La réorganisation de l´espace et du matériel pédagogique: favoriser la participation et les choix d´un groupe d´enfants
La reorganización del espacio y de los materiales pedagógicos: favorecer la participación y las elecciones de un grupo de niños
Cristina ReisI; Cristina ParenteII
I Universidade do Minho, Instituto de Educação
II Universidade do Minho, Instituto de Educação, Centro de investigação em estudos da criança (CIEC)
Resumo
Na Educação Pré-Escolar os espaços e os materiais são geridos de forma flexível e não seguem um modelo único de organização, competindo assim, ao educador de infância organizar, avaliar e refletir sobre as suas potencialidades educativas. A valorização da participação e das escolhas da criança na infância adquire um significado relevante para os educadores que adotam uma abordagem de aprendizagem ativa. A criança participa quando tem oportunidade de escolher, de agir sobre os objetos, de refletir sobre as suas ações e de comunicar o que está a fazer. Escutar as crianças permite conhecer as suas ideias e propicia oportunidades aos adultos de apoiarem os esforços da criança e estenderem e ampliarem o seu trabalho.
Nesse enquadramento, tendo como referencial a abordagem metodológica da investigação-ação, foi desenvolvido um Projeto de Intervenção Pedagógica, com um grupo de vinte e quatro escolhas de um grupo de crianças. Os dados foram recolhidos através da observação direta, de crianças, com três anos de idade que teve como objetivo procurar compreender de que modo a reorganização do espaço e dos materiais pedagógicos poderá favorecer a participação e as registos de áudio e de vídeo que documentavam a ação e as falas das crianças no processo de reorganização do espaço e dos materiais. A análise e interpretação da documentação pedagógica suportou o desenvolvimento do processo. O estudo realizado permitiu constatar que reorganizar o espaço e os materiais, com a participação das crianças, promove não só a sua independência e autonomia como apoia a criança a pensar criticamente sobre problemas que encontra quando esta a trabalhar ou a jogar. Permitiu ainda, compreender que a longo prazo, promove os diferentes tipos de jogo da criança, uma vez que o mesmo se torna mais intencional, diverso e rico pedagogicamente.
Palavras chave: Educação Pré-Escolar; Organização do espaço; Materiais pedagógicos; Participação; Escolha
Abstract
Spaces and materials in Pre-School education are managed in a flexible way and do not follow a unique model of organization. Therefore, it belongs to the kindergarten teacher to organize, assess and reflect on their educational potential.
Valuing children's participation and choices in childhood acquires significant significance for preschool teachers who adopt an active learning approach. The child participates when he has the opportunity to choose, to act on the objects, to reflect on his actions and to communicate what he is doing. Listening children allows them to know their ideas and provides opportunities for adults to support the child's efforts and extend and broaden their work.
In this framework, based on the methodological approach of action research, a Pedagogical Intervention Project was developed with a group of twenty-four children, three years old, whose objective was to understand how the reorganization of space and of pedagogical materials may favor the participation and choices of a group of children. Data were collected through direct observation, audio and video recordings that documented the action and speech of children in the process of reorganizing space and materials. The analysis and interpretation of the pedagogical documentation supported the development of the process.
The study showed that reorganizing space and materials, with the
participation of children, promotes not only their independence and autonomy
but also helps the child to think critically about the problems they encounter
when working or playing. It also allowed us to understand that in the long run,
it promotes the different types of play of the child, since it becomes more
intentional, diverse and pedagogically rich.
Keywords: Pre-School Education; Organization of space; Pedagogical materials; Participation; Choice
Résumé
Dans l’éducation préscolaire les espaces et les matériels sont gérés de
manière flexible et ne suivent pas un modèle d’organisation unique. Ils sont donc en concurrence avec l’éducateur pour organiser, évaluer et
réfléchir à son potentiel éducatif. Valoriser
la participation et les choix des enfants dans l’enfance acquiert une
importance significative pour les éducateurs qui adoptent une approche
d’apprentissage actif. L'enfant participe lorsqu'il a la possibilité de
choisir, d'agir sur les objets, de réfléchir à ses actions et de communiquer ce
qu'il fait. L'écoute des enfants leur permet de connaître leurs idées et offre
aux adultes la possibilité de soutenir les efforts de l'enfant et d'étendre et
d'élargir leur travail. Dans ce cadre, basé sur
l’approche méthodologique de la recherche-action, un projet d’intervention
pédagogique a été développé avec un groupe de vingt-quatre enfants de trois
ans, dont l’objectif était de comprendre comment la réorganisation de matériel
pédagogique peut favoriser la participation et les choix d’un groupe d’enfants.
Les données ont été collectées au moyen d'observations directes et
d'enregistrements audio et vidéo qui ont documenté l'action et le discours
d'enfants dans le processus de réorganisation de l'espace et des matériaux.
L'analyse et l'interprétation de la documentation pédagogique ont facilité le
développement du processus. L'étude a montré que la réorganisation de l'espace et des matériaux, avec
la participation des enfants, favorise non seulement leur indépendance et leur
autonomie, mais aide également l'enfant à réfléchir de manière critique aux
problèmes qu'il rencontre lorsqu'il travaille ou joue. Cela nous a également
permis de comprendre qu’à long terme, cela favorise les différents types de
jeux de l’enfant, car ceux-ci deviennent plus intentionnels, diversifiés et
riches d’un point de vue pédagogique.
Mots-clés: Education préscolaire; Organisation de l'espace Matériel pédagogique; Participation; Choisir
Resumen
En la Educación Pre-Escolar los espacios y los materiales se gestionan de forma flexible y no siguen un modelo único de organización, compitiendo así, al maestro de educacion infantil organizar, evaluar y reflexionar sobre sus potencialidades educativas.La valoración de la participación y las elecciones del niño en la infancia adquiere un significado relevante para los maestros que adoptan un enfoque de aprendizaje activo. El niño participa cuando tiene la oportunidad de elegir, de actuar sobre los objetos, de reflexionar sobre sus acciones y de comunicar lo que está haciendo. Escuchar a los niños permite conocer sus ideas y propicia oportunidades a los adultos para apoyar los esfuerzos del niño y ampliar su trabajo.
En este marco, teniendo como referencia el enfoque metodológico de la investigación-acción, se desarrolló un Proyecto de Intervención Pedagógica, con un grupo de veinticuatro niños, con tres años de edad que tuvo como objetivo procurar comprender de qué modo la reorganización del espacio y de los materiales pedagógicos podrá favorecer la participación y las elecciones de un grupo de niños. Los datos fueron recogidos a través de la observación directa, de registros de audio y de vídeo que documentar la acción y las palabras de los niños en el proceso de reorganización del espacio y de los materiales. El análisis e interpretación de la documentación pedagógica soportó el desarrollo del proceso.
El estudio realizado permitió constatar que reorganizar el espacio y los
materiales, con la participación de los niños, promueve no sólo su
independencia y autonomía como apoya al niño a pensar críticamente sobre
problemas que encuentra cuando está trabajando o jugando. También permitió
comprender que a largo plazo promueve los diferentes tipos de juego del niño,
ya que el mismo se vuelve más intencional, diverso y rico pedagógicamente.
Palabras Clave: Educación Preescolar; Organización del espacio; Materiales pedagógicos; Participación; Elección
INTRODUÇÃO
A definição e a caraterização do espaço pedagógico, tem sofrido ao longo dos tempos, diversas alterações e mudanças. Antigamente, as escolas eram vistas como espaços fechados e que se isolavam da realidade, com o principal intuito de preservar o saber e não se deixarem contaminar pelo saber que consideravam profano. Mas, à medida que o pensamento e a sociedade se foram alterando, o conceito de espaço pedagógico foi, também, sendo repensado. Hoje em dia, o espaço físico de aprendizagem é visto como um instrumento de convivência, de educação social e de aperfeiçoamento da responsabilidade (Domènech & Viñas, 1997).
Para Martín (2008) as diferentes finalidades educativas e metodologias comportam organizações de espaços diferentes. Autores como Martín (2008), Domènech & Viñas (1997) consideram que a organização dos espaços, a acessibilidade e diversidade de materiais, a presença de um adulto que apoie as escolhas das crianças são aspetos muito relevantes, na medida em que, um ambiente educativo adequado facilita as escolhas e a utilização dos espaços e dos materiais e favorece a autonomia das crianças.
No contexto da abordagem High-Scope a criança aprende num ambiente de aprendizagem ativa e os adultos que adotam este currículo envolvem-se com as crianças nas salas de atividades, observando as suas iniciativas e planeando atividades e materiais que permitam responder, apoiar e desafiar os interesses e curiosidades das crianças. (Hohmann, Weikart & Epstein, 2008).
Hohmann, Banet & Weikart (1995), afirmam que o arranjo do ambiente físico de aprendizagem é importante, na medida em que “afecta tudo o que a criança faz… Afecta as escolhas que pode fazer e a facilidade com que é capaz de concretizar os seus planos. Afecta as suas relações com as outras pessoas e o modo como utiliza os materiais” (p.51). Com efeito, a organização da sala de atividades deve ser “um espaço que possa ser construído ativamente por todos os membros que o acolhe, que reflita as peculiaridades e a própria identidade de cada membro do grupo” (Domènech & Viñas, 1997, p.61). Nesta compreensão a criança deve poder tomar parte ativa na organização do ambiente educativo. Segundo Lino (2014), é importante na educação pré-escolar favorecer o desenvolvimento da competência da escolha e da tomada de decisão, uma vez que a “A escolha é… uma componente essencial da nossa vida que requer engenho e arte … [e] para a qualidade das práticas na educação de infância” (p.138).
Foi este o referencial teórico que sustentou o desenvolvimento de um Projeto de Intervenção Pedagógica, com um grupo de vinte e quatro crianças, com três anos de idade que teve como objetivo procurar dar resposta à seguinte questão: De que modos a organização do espaço e dos materiais e o reapetrechamento das áreas de interesse influenciam o jogo da criança?
ESCOLHER MUDAR, PLANEAR MUDAR E CRIAR MUDANÇAS: UM PERCURSO QUE SE FEZ BRINCANDO
Segundo Malavasi & Zoccatelli (2013) “recolher e registar evidências da prática é um fator essencial à reflexão profissional… quem trabalha num serviço educativo sabe que todos os dias acontecem coisas que arriscam perder-se se não se abordam com a reflexão” (p.131). As observações realizadas às crianças e ao contexto permitiram verificar que as crianças, ao explorarem os materiais nas diversas áreas, rapidamente se desinteressavam pelos mesmos e, com frequência em vez de os manipularem centravam a sua atenção no que as outras crianças estavam a fazer. Foi também através destas observações e registos, que se verificou que as crianças chegavam às áreas de interesse, retiravam todos os materiais das gavetas, espalhando-os pelo espaço da área; no tempo de arrumar não voltavam a colocar os materiais nos mesmos sítios de onde os tinham retirado e apressavam-se nesta tarefa; algumas crianças queriam levar consigo os materiais que mais gostavam de explorar, afirmando ser seus.
A
análise realizada a estas observações sustentou a proposta de um Projeto de Intervenção
Pedagógica que foi desenvolvido tendo por base uma aproximação à
investigação-ação. Como refere Cardoso (2014), “a investigação-ação tem como
finalidade apoiar os professores a lidarem com os desafios e problemas da
prática e a implementarem inovações, de forma refletida” (p.34). Nesta
compreensão e, uma vez que “a reflexão reconstrói a ação, tal como foi
registada através da observação… [e] procura encontrar o sentido dos processos,
os problemas, as restrições que se manifestam durante a ação desenvolvida”
(Cardoso, 2014, p.32) foram realizadas diversas observações diretas e
participativas, que foram registadas em notas de observação e com recurso a
registos áudio e visuais. Enquanto profissional reflexivo que procurava
produzir mudanças para dar resposta a uma problemática identificada, as notas
de observação e os registos foram sendo objeto de análise e de reflexão e foram
suportando as decisões que iam sendo tomadas tanto a nível dos objetivos a
prosseguir como das estratégias que iam sendo tomadas para monitorizar tanto os
processos como os resultados.
Como Oliveira-Formosinho & Andrade (2011) afirmam, “o quotidiano pedagógico traz muitas situações de desorganização, conflitos, quase atropelos” (p.25) e, especificamente o tempo de arrumar, apesar de ser uma constante no final das atividades de brincadeira, nem sempre é uma atividade que as crianças consideram agradável. Assim, com o objetivo de potenciar o tempo de trabalho e as oportunidades de jogo para as crianças e tornar o tempo de arrumar um momento mais agradável e de aprendizagem, considerou-se pertinente reorganizar o ambiente físico de aprendizagem, através da etiquetagem dos materiais e a identificação das áreas de interesse, com a participação das crianças.
Importa salientar que todas as atividades propostas ao longo deste projeto foram realizadas em pequenos-grupos tendo em conta que “o tempo em pequenos grupos favorece as competências das crianças, através da introdução de materiais e experiências, que de outra forma poderiam perder e fornece ao adulto um ambiente mais íntimo na qual podem observar e aprender sobre cada criança.” (Hohmann, Weikart & Epstein, 2008, p.248).
No desenvolvimento do projeto e num primeiro momento, procurou-se conhecer que conceções tinham as crianças sobre a etiquetagem e as etiquetas. Numa conversa sobre o assunto as crianças disseram que “é aquilo que tens na roupa e magoa aqui- diz enquanto aponta para o bibe- e depois a mãmã corta com a tesoura”- MR; tal como que “ servem para a roupa” – A; e que “ as etitetas têm muitas letras”- JG. Num segundo momento, enquanto as crianças brincavam nas áreas do quarto e da cozinha foram convidadas a dirigirem-se até ao tapete para se conversar um pouco, antes do momento de arrumação das áreas.
Iniciou-se a conversa sobre o que observávamos quando olhávamos para estas áreas e sobre os momentos em que costumávamos ver as áreas deste modo. No momento em que, durante a conversa, se perguntou se costumavam guardar sempre os materiais no mesmo sítio A. foi o primeiro a dizer “vá vamos arrumar!”. Assim que fez esta afirmação, alguns elementos que estavam no tapete a conversar, levantaram-se para se dirigirem para as áreas para arrumarem. Ao seguir a intenção das crianças, observou-se novamente que algumas crianças pegavam em diversos materiais que se encontravam espalhados e colocavam-nos dentro da gaveta mais próxima, enquanto outras, aproveitavam o momento para manipularem e brincarem mais um pouco, em vez de procederem à arrumação.
Neste momento de arrumação, propôs-se novamente às crianças que nos voltássemos a reunir perto da área do quarto e o seguinte excerto ajuda-nos a compreender o que se passou de seguida.
Cristina (C): Sabem… eu já tinha reparado que quando arrumamos, nem sempre colocamos os materiais no mesmo sítio. O que acham de hoje, todos juntos, decidirmos o sítio onde vamos guardar sempre os materiais depois de os utilizarmos?
B:Eu quero arrumar o colar vermelho! C: Sabes onde está o colar vermelho?
B:[acena afirmativamente com a cabeça, levanta-se e dirige-se até ao armário da área do quarto. Pará para observá-lo e vira-se na minha direção] Cristina, isto não é aqui. MD:ah! Pois não. É da cozinha.
C:MD gostarias de arrumar a máquina registadora enquanto B procura o colar vermelho para arrumar?
MD:Sim. [dirige-se para a área do quarto, pega na máquina e dirige-se para a área da cozinha e coloca em cima de um armário da área] é aqui.
B:[continua a observar a área e decide abrir a primeira gaveta do armário] Cristina, não sei onde está o colar vermelho.
SM:eu sei onde está!
C:SM podias ajudar a B a encontrar o colar
SM:[acena afirmativamente com a cabeça e abre a terceira gaveta do armário e retira o colar vermelho] aqui.
C:O que acham de decidirmos um sítio para arrumarmos sempre o colar vermelho?
LR:O colar vermelho pode ficar ali [aponta para um cesto pequeno] ao pé da bandolete.
C:É uma boa ideia. Assim, se o guardarmos sempre aqui depois de o utilizarmos vamos sempre saber onde está. [agarro numa mala que está em cima da cama] e esta mala? Onde acham que a podemos arrumar?
Excerto da gravação de áudio do dia 12 de dezembro de 2016
Segundo Hohmann, Weikart & Epstein (2008), “permitir às crianças que decidam onde guardar… os materiais providencia oportunidades para que elas pensem sobre critérios como a classificação e correspondência pensando acerca das semelhanças e diferenças dos materiais” (p.451) e deste modo, durante esta atividade, uma das estratégias utilizadas foi incentivar o pequeno grupo a arrumar os materiais consoante as suas caraterísticas semelhantes. Assim que a área ficou reorganizada, tendo em conta as escolhas das crianças, conversou-se sobre de que modo, o restante grupo poderia saber como arrumar os materiais da mesma maneira que tinham sido arrumados por nós. Após um breve silêncio, durante o qual as crianças pensavam sobre a questão colocada, surgiram diversas propostas, como fazer desenhos dos materiais para colarmos nas gavetas ou tirar fotografias aos materiais com a máquina fotográfica para que no dia seguinte as pudéssemos colar nos locais escolhidos, que acabou por ser, a proposta de maior agrado para a maioria do grupo de crianças.
Dado que as áreas com maior quantidade e variedade de materiais da sala de atividades eram a área do quarto e da cozinha pensou-se, inicialmente em etiquetar apenas estas áreas da sala. Mas, como estas atividades eram implementadas em pequenos grupos e para assegurar que o restante grupo de crianças conhecesse e respeitasse as etiquetas colocadas, foi realizada uma conversa em grande grupo para dar a conhecer o que tinha sido feito. Como salientam Martins, Duque, Pinho, Coelho & Vale (2017) ”é importante complementar a intencionalidade educativa com a participação ativa da criança na construção do trajeto a seguir, baseando essa intencionalidade no feedback fornecido pelas crianças” (p.25) na medida em que “quando a criança sente que a sua voz é escutada, quando sente verdadeiramente incluída, ela, entusiasticamente expressa as suas intenções e pensamentos” (Luís, Andrade & Santos, 2015, p.538). Apesar de plano inicial do projeto, ser apenas etiquetar as áreas que continham mais materiais e eram de maior interesse para o grupo de crianças, após a conversa em grande grupo as crianças demonstraram vontade em etiquetar as restantes áreas da sala, perguntando quando iriamos “arrumar” e “colocar imagens” nas outras áreas, levando assim a que se repensasse sobre o alargamento do projeto.
Na perspetiva de Calheiros & Piscalho (2013) “o adulto deve distanciar-se, deve observar e conhecer para que depois possa, perante as circunstâncias, (re)adaptar, (re)ajustar, (re)construir um ambiente mais favorável, mais aprazível para cada criança e em cada momento concreto” (p.268). Assim e indo encontro ao mencionado, durante este projeto toda a sala de atividades acabou também por ser reorganizada para dar resposta às sugestões e aos interesses das crianças.
Para Lino (2014), “envolver as crianças no desenvolvimento de atividades educacionais e proporcionar-lhes escolhas acerca do que e como concretizar as atividades e tarefas, é reconhecer que são competentes e assegurar o direito à participação na aprendizagem e desenvolvimento” (p.152). Assim, e de maneira um pouco semelhante à etiquetagem das áreas do quarto e da cozinha, procurou-se primeiramente reorganizar em conjunto com as crianças os materiais das áreas das restantes áreas da sala de atividade: a biblioteca e os fantoches, os jogos, a expressão plástica e as construções.
Sabendo que e salientando Rogers (2013), “para se tornarem aprendizes confiantes, as crianças precisam de ganhar mestria no seu próprio ambiente através da exploração e do brincar” (p.43) considerámos que, para estas atividades de reorganização das áreas, a exploração dos diversos materiais e o tempo que dedicámos ao mesmo era de extrema importância. Deste modo, a principal estratégia utilizada na reorganização das áreas, como a dos jogos e as construções, foi observar e apoiar o grupo de crianças nas suas escolhas e na exploração dos materiais que se encontravam nestas áreas pois, como afirma Bruce (2006), “as crianças precisam de tempo para brincar, espaço para brincar e pessoas que as ajudam e apoiam durante essas brincadeiras“ (p.154). Após estas explorações e manuseamento dos diversos materiais, contatou-se que se tornou mais fácil para as crianças pensarem sobre as semelhanças e diferenças dos materiais, o que as ajudou a realizar propostas de como os poderiam organizar em função das suas caraterísticas para que de seguida pudessem ser etiquetados.
BRINCAR E APRENDER
Após a reorganização do espaço e dos materiais da sala de atividades, considerou-se importante continuar a observar, analisar e refletir sobre estas mudanças. Como referem Silva, Marques, Mata & Rosa (2016), “a progressão do desenvolvimento e da aprendizagem das crianças, ao longo do ano, levará à introdução de novos espaços e materiais, que sejam mais desafiadores e correspondam aos interesses que vão sendo manifestados” (p.26). Foi, no decorrer dessas observações, que se identificou a necessidade de procurar estratégias para gerir conflitos entre as crianças nos momentos de brincadeira, uma vez que estes ocorriam com alguma frequência, principalmente nas áreas do quarto e da cozinha. Assim, a sala de atividades foi equipada com novos materiais: toucas e óculos brilhantes, cachecóis, camisas e perucas, tal como, caixas de ovos, de bolachas, garrafas de azeite, entre outros, para diversificar as oportunidades oferecidas ao grupo.
Como referem Luís, Andrade & Santos (2015), “uma intervenção educativa de qualidade exige refletir sobre qual o espaço que se proporciona à criança para agir e participar no quotidiano educativo de maneira plena” (p.539), sendo fulcral para isso que o adulto crie um quotidiano educativo onde a atenção, o respeito e a confiança entre o adulto-criança e criança-criança, esteja sempre presente o máximo possível. Deste modo, durante a realização destas atividades, num primeiro momento, deu-se maior relevância à exploração e manipulação destes novos materiais por parte das crianças. Num segundo momento, no tempo de arrumação, considerou-se importante reunir com as crianças para não só conversar um pouco sobre estes novos materiais, mas também para identificar e escolher o seu local na sala. Foi, durante este momento, na área do quarto, que as crianças propuseram diversos sítios de arrumação mas, quando tentaram arrumar o BE alertou que as gavetas não fechavam, devido ao pouco espaço que havia disponível e MD salientou que não havia outro local, uma vez que a outra gaveta disponível já se encontrava cheia com malas. Para resolver este problema, encontrou-se a solução de trazer outro móvel pequeno para esta área, para que fosse possível arrumar os novos materiais.
Como Silva, Marques, Mata & Rosa (2016) salientam é “nas relações e interações com os outros e com o meio que a criança vai construindo referências, que lhes permitem tomar consciência da sua identidade e respeitar a dos outros, desenvolver a sua autonomia como pessoa e como aprendente” (p.33). Nesta compreensão, quando procedemos à exploração dos novos materiais da área da cozinha e de seguida, nos concentramos na escolha do local de arrumação, ocorreu o que o excerto que se segue demonstra:
JGcomeça por dizer: “vamos arrumar à beira dos outros” (Enquanto segura na lata de Pringles) ao que L prontamente responde: “sim sim. Olha pode ser à beira dos talheres, à beira dos tomates, à beira das panelas…!”. Dito isto, JG baixa-se e abre uma das prateleiras da cozinha e coloca a lata lá dentro e diz “pode ser aqui” ao que L e D dizem que sim, e cada um agarra em outros dois materiais e RI coloca a outra lata de Pringles junto à outra que tinha sido arrumada por JG.
L utiliza a mesma prateleira no seu interior e começa a colocar as caixas de ovos enquanto D coloca noutra porta do mesmo armário as caixas de café. Aproveito este momento para perguntar se todos concordavam e relembrar que tínhamos que trabalhar em conjunto, pois era importante todos juntos decidirmos onde ficariam os novos materiais.
No fim D diz: “pronto já está!” Aproveito o momento e pergunto como é que o restante grupo saberá onde arrumar no sítio onde decidiram e JG é o primeiro a dizer: “vamos dizer-lhes!”.
Concordei com a sua ideia e perguntei se não haveria outra maneira de sabermos pois podíamos esquecer-nos. Nesse momento o RI pergunta: “Cristina não trouxeste as imagens? Podíamos tirar com a tua mánica e depois colar”.
Excerto do registo do vídeo da atividade do dia 12 de janeiro de 2017
Consideramos que no decorrer do projeto as crianças se foram sentindo cada vez mais encorajadas a participar e perceberam que a sua voz era valorizada, o que levou a que as suas propostas e participação se fossem tornando cada vez mais evidentes e ativas, como foi possível observar no excerto acima.
Como nos esclarecem Pol, Fusté, Martín, Palou & Masnou (2008) “ o jogo é, em si mesmo, um fator vital no desenvolvimento das diferentes funções que abraçam os processos de formação da pessoa” (p.128). Zabalza (1996) afirma que o simples facto de se etiquetar estantes, caixas, entre outros, oferece diversas oportunidades à criança de exercícios cognitivos de descriminação. Ao colocarem os materiais nos lugares consoante a identificação das suas características e funções, são oferecidas às crianças oportunidades de hábitos de ordem, na medida em que estas se acostumam a deixar cada material no seu lugar e a desenvolver atitudes de responsabilidade. Nesse sentido, considerou-se importante observar e verificar em que medida esses hábitos se teriam ou não alterado após as atividades de reorganização do espaço e dos materiais, como se pode ler no seguinte excerto apresentado.
Na área da cozinha encontram-se L, SM, N e RI. Todos se encontram sentados à mesa e estão a comer uma refeição quando a educadora avisa que em breve terão que começar a arrumar. N e RI levantam-se e começam a retirar os materiais de cima da mesa e colocam-nos no lava-loiça. RI pega nos pratos que se encontravam ao pé da lava loiça e coloca-os no sítio do armário. Antes de fechar a porta do armário, observa N que está a lavar os pratos e RI tira novamente os pratos que já tinha arrumado e coloca-os na lava loiça. À medida que N passa os pratos por água, dá os mesmos a RI e este arruma-os no armário. Entretanto SM arruma as toalhas e L varre o chão.
Excerto do registo do vídeo de uma observação realizada no dia 27 de janeiro de 2017
A análise deste registo evidencia que ao reorganizar e etiquetar o espaço, as crianças ganharam maior consciência dos materiais que tinham ao seu alcance e começaram a prever com que materiais gostariam de brincar e como gostariam de o fazer, dando significado ao jogo, ao contrário do que acontecia inicialmente, quando chegavam a uma área espalhavam os materiais e ficavam o resto do tempo a observar outras crianças do grupo.
CONCLUSÃO
Para Lino (2005) quando a interação adulto-criança e criança-criança “se caracteriza por uma relação de reciprocidade, sustentada na perspectiva de uma escola activa, que enfatiza a importância da acção e da experiência reflexiva para a aprendizagem” (p.220) as crianças aprendem não só através do confronto com ideias prévias, mas também com materiais que exploram durante o seu dia-a-dia. Para que essa experiência reflexiva ocorra é importante que a criança faça escolhas e pense criticamente sobre as mesmas, uma vez que as escolhas remetem “para o desenvolvimento de identidades pessoais, relacionais e sociais; para o desenvolvimento de pertença participativa; para o desenvolvimento da exploração, manipulação, representação em contexto de comunicação com os pares e os adultos e o desenvolvimento de experiências” (Oliveira-Formosinho, 2011, p.112).
Neste sentido e em suma, verifica-se que as crianças ao longo deste projeto se foram apropriando de processos de escolha e de participação, uma vez que “participar significa influir directamente nas decisões e no processo em que a negociação entre os adultos e as crianças é fundamental” (Tomás, 2007, p.49). As crianças tiveram oportunidade para fazer enumeras escolhas e puderam perceber que realmente essas escolhas influenciavam diretamente e positivamente o seu dia-a-dia e que, juntamente com os adultos partilhavam o controlo sobre o mesmo. As escolhas e a participação das crianças foram-se tornando cada vez mais visíveis na medida em que, no início das atividades de reorganização e etiquetagem dos materiais as crianças se mostravam mais constrangidas a participar e ate a brincar e no fim do projeto, desenvolviam brincadeiras mais ricas e complexas e já conversavam e propunham entre si sobre os melhores locais para guardar os materiais da sala.
REFERÊNCIAS
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Contacto: Cristina Reis, Universidade do Minho, Instituto de Educação, Campus de Gualtar,
4710-057 Braga, Portugal / cristina.a.m.reis@gmail.com
Cristina Parente, Universidade do Minho, Instituto de Educação/ Universidade do
Minho, Instituto de Educação Centro de investigação em estudos da criança (CIEC), Campus
de Gualtar, 4710-057 Braga, Portugal / cristinap@ie.uminho.pt
(Recebido em março de 2018, aprovado em maio de 2018)