ARTIGOS
Um Portugal de Imigrantes: exercício de reflexão sobre a diversidade cultural e as políticas de integração
Dulce Rodrigues, Tânia Correia, Inês Pinto, Ricardo Pinto, Cristina Cruz
Departamento de Ciências Humanas e Sociais da ESElx, Escola Superior de
Educação de Lisboa, Instituto Politécnico de Lisboa
2010611@alunos.eselx.ipl.pt ;
2010187@alunos.eselx.ipl.pt ;
2010188@alunos.eselx.ipl.pt ;
2008359@alunos.eselx.ipl.pt ;
cristinac@eselx.ipl.pt
RESUMO
Apesar da pluriculturalidade que caracteriza algumas regiões
de Portugal, existe um desconhecimento e por vezes resistência, em
particular das comunidades mais tradicionais e das gerações mais antigas, na
aceitação dos imigrantes que escolhem o nosso País como destino de
acolhimento. Conhecer as comunidades imigrantes pode ajudar a perceber e a
minimizar as dificuldades do convívio pluricultural. Este será, na
atualidade, um dos papéis que o animador sociocultural será chamado a
desempenhar. Para isso, é necessário que reconheça os recursos legais,
metodológicos e teóricos que tem ao seu dispor, sendo estas as premissas que
norteiam o presente exercício. Esta análise nasceu de uma proposta de
trabalho da Unidade Curricular de Multiculturalidade e Cidadania, mas
rapidamente se revelou um importante contributo para o conhecimento da
diversidade cultural no nosso país. Após uma contextualização teórica
relativa aos principais fluxos migratórios em Portugal, é apresentada a
análise dos dados relativos à composição das origens dos imigrantes em
Portugal na atualidade e a sua distribuição pelo território português. Este
é o ponto de partida para a reflexão que se lhe seguiu, que visa, por um
lado, identificar algumas das problemáticas que
resultam dos contextos de diversidade cultural e, por outro, conhecer as
propostas do Estado para promover a integração do “outro”. Estes pilares
sustentaram a abordagem final relativa ao papel da Animação Sociocultural
(ASC) e do animador neste contexto.
Palavras-chave: multiculturalidade e cidadania, imigração, diversidade cultural, animação sociocultural.
ABSTRACT
Portugal has been a pluricultural country since early
times. Notwithstanding, Portuguese society is mostly unaware of this fact
and is not always open to cultural diversity. Social and cultural workers
may have an important role managing inter cultural conflicts. In order to do
so, these professionals need to acknowledge the importance of theoretical
social principles and scientific research to effectively intervene in
multicultural contexts. These arguments support the present exercise,
developed during Multiculturalism and Citizenship classes (lectured at
Escola Superior de Educação de Lisboa – Instituto Politécnico de Lisboa,
2012-2013). We present a brief analysis regarding migration patterns to
Portugal followed by a data analysis concerning their geographical origin
and distribution in Portuguese territory. An overview on the problems
regarding cultural diversity and foreigner acceptance is also presented.
Finally, we debate on the role played by the social and cultural worker in
today’s globalized and diverse society.
Key words: multiculturalism and citizenship, cultural diversity, migration, sociocultural community development
RÉSUMÉ
La pluriculturalité qui caractérise certaines régions du
Portugal n’est pas reconnue par tous les citoyens et est, parfois, associée
à une certaine résistance quant à l’acceptation des immigrants qui
choisissent notre pays comme destination d’accueil. L’animateur
socioculturel peut avoir un rôle prépondérant dans la gestion de la
diversité culturelle. C’est pourquoi, il est important qu’il soit conscient,
tout d’abord, du besoin d’investir dans la formation et la recherche
théoriquement fondée portant sur la réalité qui l’entoure et où il pourra
être amené à travailler et ensuite, qu’il connaisse les caractéristiques de
la société moderne et globale dans laquelle il vit.; Ce sont les deux
prémisses qui orientent le présent exercice qui est issu d’une proposition
de travail de l’Unité Curriculaire de Multiculturalité et Citoyenneté mais
qui rapidement, s’est révélé un apport considérable pour la connaissance de
la diversité culturelle. Après une contextualisation théorique relative aux
principaux flux migratoires au Portugal, sont présentées et analysées des
données relatives à la composition des origines des immigrants au Portugal
actuellement et leur distribution sur le territoire portugais. C’est le
point de départ pour la réflexion qui s’en est suivie. La réflexion prétend
d’une part, identifier certaines des problématiques qui proviennent des
contextes de diversité culturelle et d’autre part, connaître les
propositions de l’Etat pour promouvoir l’intégration de «l’autre» qui peut
être, plus ou moins, en marge de la société portugaise. Ces piliers
soutiennent l’abordage final relatif au rôle de l’animateur socioculturel
dans ces contextes pluriculturels.
Mots-clés: multiculturalité et citoyenneté, immigration, diversité
culturelle, animation socioculturelle
1. INTRODUÇÃO
“Na sociedade portuguesa parece existir um défice de conhecimentos da
diversidade cultural e de diálogo intercultural.” (Vieira, 2011, p.92). Esta
é uma realidade que tem vindo a desencadear um conjunto de reações e
comportamentos entre o “nós” e o “outro” que nem sempre resultam num
convívio pluricultural harmonioso. Por esse motivo, o Estado, em larga
escala por via do Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural
(ACIDI) e, ao nível local, por intermédio das autarquias e associações
cívicas, tem sido forçado a desenvolver um conjunto de medidas que visam a
integração e gestão das problemáticas que resultam de um contexto de
diversidade cultural e que já não podem ser ignoradas. Este não é um
fenómeno atípico. Tal como defendem Lages e Matos (2008) “nenhuma sociedade
tem uma cultura totalmente integrada” (p.33). A luta pela afirmação das
diferenças persiste mesmo no seio de comunidades pequenas e aparentemente
homogéneas do ponto de vista cultural.
A existência de diversidade cultural e das dificuldades do exercício das diferentes formas de cidadania – de nacionais e apátridas – resultante desta realidade, constituíram os pilares que suportaram a construção de parte dos conteúdos programáticos da Unidade Curricular (UC) de Multiculturalidade e Cidadania no ano letivo de 2012-2013. De facto, parte dos objetivos desta UC passa por “compreender algumas dinâmicas associadas às mudanças culturais na sociedade contemporânea”, “valorizar o papel da intervenção sociocultural como um veículo rectificador de práticas discriminatórias e potenciador de relações enriquecidas graças à diversidade” e ainda “assumir a multiculturalidade e a diferença como riquezas a integrar” (Escola Superior de Educação de Lisboa, 2012-2013, p.1). Nesse sentido, os estudantes da licenciatura em Animação Sociocultural que frequentaram esta disciplina no regime diurno foram desafiados a investigar e refletir sobre um conjunto de temas propostos pelos docentes que, de alguma maneira, espelhavam esta relação paradoxal: a existência crescente de diversidade cultural e a também crescente dificuldade em fazer uma gestão eficaz deste inevitável convívio pluricultural. É desta conjugação de fatores que nasce a presente reflexão. "Um Portugal de Imigrantes" tem como ponto de partida a perceção da existência, em Portugal, de muitas nacionalidades e a consciência de que os indivíduos de origens diversas representam hoje uma percentagem que não pode ser ignorada. Os 3.7% de imigrantes residentes em Portugal, segundo os Censos de 2011, representam um aumento de 70% face aos valores de 2001 (Censos, 2011). Estes dados revelam a necessidade de refletir sobre esta nova realidade social que parece estar na origem de alguns problemas de convivialidade entre as comunidades de imigrantes e destas com os autóctones. É na identificação e desenvolvimento de propostas de resolução destes problemas – que passam pela compreensão da diferença e pelo convívio harmonioso com o “outro” – que a Animação Sociocultural pode ser chamada a intervir.
Este exercício de reflexão e investigação, relativo ao contexto pluricultural que caracteriza Portugal na atualidade e as políticas de integração que promovem a aceitação da diversidade, prevê cumprir os seguintes objetivos:
a)Conhecer as comunidades imigrantes existentes em Portugal, através da sua caracterização e da identificação dos motivos pelos quais imigraram;
b)Identificar as políticas de integração existentes em Portugal;
c)Desenvolver um exercício de contacto com o “outro” no sentido de perceber qual a visão dos imigrantes acerca de Portugal e dos portugueses, usando como sujeitos deste exercício alguns alunos estrangeiros da ESELx-IPL;
d)Refletir sobre o papel do animador numa sociedade.
O domínio destes elementos pode revelar-se uma mais-valia para os
profissionais na área da Animação Sociocultural que se proponham a trabalhar
com uma população com este tipo de características, comuns em qualquer
grande cidade, já que irá permitir uma intervenção no âmbito da Animação
Sociocultural substancialmente mais eficaz.
Tendo em conta o anteriormente referido vai-se procurar, num primeiro
momento, dar a conhecer a composição multicultural de Portugal, seguindo-se
uma apresentação sumária das políticas de integração da diversidade cultural
e, por fim, uma reflexão sobre o papel da ASC e do Animador Sociocultural.
Foram ainda realizadas entrevistas a três alunos da Escola Superior de
Educação de Lisboa (ESELx) com o intuito de desenvolver competências no
contacto com o ponto de vista do “outro”.
1.1 Os fluxos migratórios em Portugal: conceitos e especificidades
É extensa a bibliografia que procede à análise dos fluxos migratórios em
Portugal e interpreta o seu papel no contexto europeu e internacional. Por
esse motivo, as linhas que se seguem têm como pretensão enquadrar a presente
reflexão neste tema, não se substituindo, por isso, à investigação aturada
que tem vindo a ser desenvolvida.
A história recente de Portugal concorreu para cimentar a ideia de que se trata de um país de emigração. Contudo, o paradigma migratório da década de 60 e anteriores sofreu importantes alterações desde meados da década de 70 (Barreto, 2005; Peixoto, 2007). Estas alterações, resultantes de processos migratórios de diversas naturezas, transformaram Portugal num Estado multiétnico e multicultural. Ou seja, verifica-se a existência de diversas etnias e culturas que coexistem no mesmo espaço geográfico.
Os processos de migração referidos implicam movimentos socioespaciais muito diversos que importa clarificar. Eisenstadt (1953, citado em Pires, 2003) defende que o termo migração consiste numa “transição, física, de um indivíduo ou grupo, de uma sociedade para a outra. Essa transição envolve habitualmente o abandono de um quadro social e a entrada num outro" (p. 58). Pires (2003), inspirado por Eisenstadt, utiliza o termo migração para “delimitar um tipo particular de mobilidade espacial: entre sistemas sociais, ou, mais precisamente, como deslocação inter-sistemas de ordem que inclui processos de desintegração (na sociedade de partida) e de (re)integração (na sociedade de chegada) dos migrantes” (p. 59).
Os processos imigratórios são caracterizados por dois tipos de migrações: voluntárias e involuntárias. A migração voluntária consiste na imigração realizada de forma voluntária, em que o indivíduo assume a vontade de querer abandonar o seu país, em prol de uma vida melhor num outro país. Por sua vez, a migração involuntária consiste numa imigração forçada, na qual um indivíduo, que entra no país de acolhimento, se vê obrigado a abandonar o seu país de origem em consequência da privação de recursos que assegurem a sua sobrevivência. A imigração temporária consiste em movimentos migratórios a que correspondem estadas que a priori são limitadas no tempo, ao passo que a imigração permanente funda-se na estadia no país de acolhimento sem limite de tempo. (Fonseca, 2005).
Tendo por base estes padrões migratórios, são vários os momentos da história
que concorreram para a diversidade cultural de Portugal.
1.2 Contextualização histórica
Apesar de se considerar a imigração para Portugal como um fenómeno do século
XX, é possível identificar vários momentos relevantes que, desde cedo,
deixaram uma marca pluricultural no país. Na época anterior à era cristã,
existiam, no território que hoje constitui Portugal, diversos grupos étnicos
– como os Celtas, os Iberos, os Lusitanos, os Visigodos, os Suevos e os
Fenícios, mencionando apenas os mais reconhecidos – que, mais tarde foram
dominados pelos romanos, seguindo-se a estes os árabes (Rocha-Trindade,
Cordeiro, Horta, Madeira, Rego, Viegas, 1995). Com a expansão dos
Descobrimentos, acentua-se o tráfico de escravos negros efetuado por
navegadores e viajantes portugueses, desde o século XVI, determinando, desta
forma, a existência de um significativo contingente de africanos em
território português (Rocha-Trindade et al., 1995). Estes são, contudo,
movimentos dispersos, tendo em consideração aqueles que se verificaram nos
últimos 30-40 anos.
Adotando a divisão tripartida proposta por Pires (2006) pelo seu caráter sistemático, serão caracterizadas as fases que constituem o processo de imigração em Portugal: a fase pós-colonial consiste na imigração africana resultante da descolonização; a segunda, fase comunitária, desenvolveu-se nas décadas de 80 e 90; e a terceira, fase da globalização, centra-se nas novas migrações datadas da transição do século XX para o século XXI.
1.2.1 1.ª Fase: pós-colonial
A primeira fase está ligada ao processo que viria a findar a soberania
portuguesa em territórios ultramarinos da Ásia e África que aconteceu de
forma quase simultânea com o encerramento dos movimentos migratórios
transatlânticos que levavam os portugueses, essencialmente, para o Brasil
(Fonseca, 2008). O início das guerras de libertação em Angola, Moçambique e
Guiné deu origem a fluxos migratórios de dimensão significativa provenientes
desses territórios e, em consequência, do recrutamento de cidadãos nacionais
para estas guerras, surge a necessidade de mão de obra em território
português: a população cabo-verdiana ocupou os postos de trabalho dos
portugueses que cumpriam serviço militar e da população portuguesa que
emigrou para a América (Rocha-Trindade et al., 1995).
Com a descolonização, em 1975, abre-se em Portugal o ciclo de imigração liderada pela comunidade africana que, ao contrário do repatriamento, terá continuidade até aos dias de hoje (Baganha & Góis, 1998/1999; Barreto, 2005; Pires, 2003).
1.2.2 2.ª Fase: comunitária
Depois de um intenso crescimento do número de imigrantes, promovido pelo fim do domínio português nos territórios que constituíam as antigas colónias africanas, “o ritmo de crescimento da fixação de estrangeiros abranda durante a década de 80” para conhecer nova aceleração nos primeiros anos da década seguinte (Baganha & Góis, 1998/1999, pp. 257). Fatores internos – como o fim da ditadura – e internacionais – como a adesão à CEE, a queda do muro de Berlim no Leste da Europa e o estabelecimento do acordo de Schengen – terão promovido as novas vagas imigratórias (Fonseca, 2008).
Este desenvolvimento da imigração é caracterizado pela consolidação dos fluxos com origem nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), que perdem o seu peso relativo e “recuperam a sua importância nos anos 90” (Baganha & Góis, 1998/1999; Pires, 2003, p. 140), e “pelo início da diversificação da origem da população estrangeira: nesta época, a imigração europeia ganha um novo impulso, (...) e dá-se o crescimento da imigração brasileira” (Pires, 2003, p. 140). Para além destes, outros países se juntam, com a particularidade de não apresentarem laços históricos com Portugal aumentando-se assim o número de nacionalidades presentes no território nacional (Baganha & Góis, 1998/1999, pp. 257).
Esta fase é marcada, na década de 80, por uma crescente intervenção estatal defensiva e centrada no controlo de entradas e, na década de 90, por uma intervenção reguladora e alargada ao domínio da integração dos imigrantes. Assiste-se à “emergência e consolidação de políticas da imigração em Portugal, o que significou, também, a emergência de orientações divergentes, e conflituais, neste domínio da acção estatal” (Pires, 2003, p. 137). Será a partir deste momento que crescem as preocupações associadas ao convívio pluricultural.
1.2.3 3.ª Fase: globalização
Em finais de 2001, com a regularização da situação de milhares de imigrantes
através da aplicação do novo regime das autorizações de permanência,
torna-se visível um crescimento acelerado da imigração que se iniciara no
final da década de 90, integrando nacionalidades não representadas na
história recente da imigração em Portugal: iniciava-se, assim, a imigração
da Europa do Leste (Pires, 2003; Peixoto, 2007). Este novo fluxo imigratório
modifica profundamente a hierarquia das origens da população imigrada,
consolidada nas duas últimas décadas do século XX (Pires, 2003). Com a
entrada no século XXI, complexificaram-se as origens geográficas e sociais
dos imigrantes. Aos reencontros entre os novos imigrantes vindos das antigas
colónias portuguesas em África e os que chegaram ao território nacional na
década de 1970, somaram-se os trabalhadores qualificados, essencialmente do
sexo masculino, vindos do Leste Europeu (Castro, 2008). Desta forma, podemos
dizer que “a aceleração do crescimento da imigração para Portugal, nos
últimos dez anos, foi acompanhada pela tendência para o aumento da
diversidade étnica e geográfica dos imigrantes” (Fonseca, 2008, p.55).
2. COMUNIDADES IMIGRANTES
Portugal apresenta uma grande diversidade de comunidades imigrantes
provenientes de quatro continentes: África, América, Ásia e Europa. Os
cidadãos vindos dos diversos países destes continentes apresentam uma
característica semelhante: grande parte deles imigra para Portugal em idade
ativa, desenvolvendo em território português a sua vida profissional e/ou
laboral e, em alguns casos, também a vida familiar.
As imigrações originárias do continente africano são, maioritariamente, realizadas por cidadãos dos Países Africanos cuja língua oficial é o português: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. Os imigrantes africanos constituem um dos grupos com maior peso em território português, destacando-se de entre estes os cidadãos cabo-verdianos. Estes imigrantes apresentam níveis baixos de qualificação, sendo mesmo identificados como “trabalhadores desqualificados” (Pires, 2003, p. 149). Os fluxos migratórios destas populações são essencialmente fomentados pela necessidade de encontrar um emprego e, desta forma, estes fluxos são “apelidados” de imigração de trabalho: “(…) Portugal é o destino de trabalhadores desqualificados oriundos dos PALOP (migrações de trabalho) (…)” (Pires, 2003, p. 149). Fruto deste tipo de imigração, destaca-se em Portugal a presença muito forte destes imigrantes “num sector de actividade onde predomina o recurso intensivo a mão- de-obra pouco qualificada, a construção civil” (Pires, 1990 citado em Pires, 2003, p. 149), sendo também notória a presença deste grupo de imigrantes em postos mais precários do mercado de trabalho e socialmente desvalorizados.
Os imigrantes oriundos das ex-colónias portuguesas são maioritariamente jovens, com poucas ou nenhumas habilitações literárias, e desempenham tarefas não qualificadas. Os homens trabalham predominantemente por conta de outrem, na construção civil e obras públicas e nos serviços, dedicando-se as mulheres basicamente aos serviços domésticos e ao comércio. Estes imigrantes não possuem, em geral, qualificações profissionais adequadas às sociedades urbano-industriais e têm dificuldades linguísticas que impendem de forma negativa na sua adaptação ou integração profissional e social, sendo conduzidos a relações laborais mal renumeradas e precárias. (Rocha-Trindade et al., 1995, p. 201).
Mudando o foco geográfico verifica-se que, do continente americano, os
imigrantes proveem essencialmente do Brasil. A imigração originária deste
país integra-se nos movimentos migratórios transcontinentais. A imigração de
cidadãos brasileiros para Portugal adquiriu uma expressão significativa a
partir dos anos 80, do século XX. Esta população é detentora de níveis
superiores de qualificação e exerce “actividades no sector dos serviços
especializados” (Costa, 2002, p. 107). Tal como os cidadãos dos PALOP, a
população brasileira foi “atraída” pela vantagem de uma língua comum, bem
como de referentes culturais facilitadores da integração social em Portugal.
Ao longo dos anos, este fluxo migratório tem-se intensificado e, atualmente,
o grupo de cidadãos brasileiros constitui-se como o maior grupo de
imigrantes em Portugal.
A oriente, as imigrações asiáticas têm adquirido grande visibilidade em Portugal, relativizando-se dois fluxos principais: o indiano e o chinês (Fonseca, 2008). Segundo Pires (2003), as migrações asiáticas apresentam características peculiares: “elevada proporção de ativos inseridos nos pequenos negócios e contraste cultural, em particular religioso (…)” (p. 153). Quando refere a imigração indiana, centra-se num termo que designa “populações com origens e trajectos muito variados”, envolvendo cidadãos de diferentes países – Índia, Paquistão, Bangladesh (Pires, 2003, p. 153). A população associada a este fluxo migratório apresenta-se como sendo qualificada e exerce a sua vida laboral essencialmente no comércio e em negócios de ramos diversificados (Peixoto, 2008). No que diz respeito à imigração chinesa, é de referir que se encontra ligada à existência de pequenos negócios (atividades comerciais), sendo característica desta população a criação de pequenas empresas com recurso a mão de obra dependente (familiar e/ou de outras nacionalidades, incluindo cidadãos de nacionalidade portuguesa). Segundo Pires (2003), estes fluxos assentes nos pequenos negócios introduziram uma maior heterogeneidade na reprodução da sociedade portuguesa e “contribuíram para descentrar do espaço lusófono as áreas geradoras da imigração” (p. 154).
Relativamente ao grupo de cidadãos originários de países da União Europeia (UE), este provém essencialmente dos países desenvolvidos e apresenta níveis elevados de qualificação. Assim, este fluxo migratório assenta em migrações de profissionais (Pires, 2003; Fonseca, 2008). Estes cidadãos são caracterizados por “um estatuto socioeconómico elevado” e “distribuem-se tipicamente pelas actividades e categorias superiores das empresas e dos serviços” (Costa, 2002, p. 107). Deste grupo também fazem parte os cidadãos que, em período de reforma, escolheram Portugal como país de residência permanente. Segundo Pires (2003), o fluxo migratório proveniente da UE está associado “às dinâmicas do investimento estrangeiro” em território português (p. 149). Este movimento migratório integra-se nas migrações intraeuropeias, isto é, migrações em que o país de origem e o país de acolhimento são ambos Estados-membro da UE.
Por fim, ainda originária do continente europeu, desenvolve-se a imigração
da Europa do Leste, com origem em países como a Roménia, a Ucrânia e a
Moldávia, fruto da queda do Muro de Berlim (Barreto, 2005). Os cidadãos
provenientes destes países têm níveis relativamente elevados de instrução,
nomeadamente no que se refere a “níveis de qualificação escolar e
profissional”, com “grande peso das formações intermédias e de carácter
técnico, bem como dos graus de instrução de nível superior” (Fonseca, 2008,
pp. 57-58). Apesar destes níveis de instrução, os imigrantes da Europa do
Leste trabalham em atividades com baixos salários e desvalorizados
socialmente, como a construção civil (tipicamente os indivíduos do sexo
masculino), os serviços de limpeza e trabalhos domésticos (essencialmente as
mulheres). Ainda nesta perspetiva relativa ao emprego, Costa (2002) salienta
que estes cidadãos “têm sido recrutados para as actividades mais
desqualificadas do mercado de trabalho, quase sempre em situações de
clandestinidade (…)” (p. 108).
3. MOTIVAÇÕES DA IMIGRAÇÃO
De uma forma sucinta, podemos dizer que as migrações humanas são motivadas
tanto por razões de ordem interna, como de ordem externa, em relação à sua
região de residência anterior (geralmente, o país de origem do imigrante).
Estas razões são, sobretudo, de índole social, com determinantes de raiz
económica, política ou religiosa. Segundo Rocha-Trindade et al (1995), “nos
tempos que correm, porém, condicionantes de natureza legal, podem determinar
o estabelecimento de uma corrente migratória ou, pelo contrário, tentar
impedir que ela venha a atingir dimensão significativa” (p. 18). Os mesmos
autores afirmam ainda que:
Os processos migratórios que assumem uma dimensão colectiva não são dissociáveis das razões, próximas ou profundas, que os motivaram. Tais razões decorrem das próprias características das sociedades de origem dos migrantes; das condições, reais ou espectáveis, oferecidas pelas sociedades receptoras; dos enquadramentos legais que, de um lado como do outro, e também em plano multilateral do direito internacional, determinam ou condicionam o seu desenvolvimento; da imagem que a emigração e a condição de migrante evocam nos potenciais candidatos à emigração – isto para nos limitarmos a um conjunto restrito de factores determinantes (Rocha-Trindade et al., 1995, p. 22).
A partida para um “novo” país constitui uma experiência de “ruptura com o
quotidiano conhecido, em favor de um novo espaço geográfico, social e
cultural; de um novo emprego, quiçá de uma nova profissão” (Rocha-Trindade
et al., 1995, pp. 40-41). A decisão de partir não afeta somente o emigrante,
mas também toda a sua família. Assim, é natural que “as razões que
aconselham ou obrigam a partir não se restrinjam só ao foro individual, mas
tenham uma provável incidência colectiva” (Rocha-Trindade et al., 1995, pp.
40-41). Desta forma, retomando a perspetiva anteriormente referida, pode-se
afirmar que as principais motivações das migrações humanas são de cariz
económico, político, de emergência, étnico-cultural, laboral e social,
intrínsecas ao país de origem e ao país de acolhimento.
Relativamente ao país de acolhimento, as motivações que fundamentam a escolha centram-se nas circunstâncias políticas, sociais e económicas desse contexto. Relativamente a estas motivações, King (1996, citado em Possidónio, 2006) afirma que, de maneira geral, “podemos afirmar que o principal motivo para o crescimento da imigração em qualquer território consiste no desenvolvimento económico desse país, comparativamente superior em relação aos países de origem dos estrangeiros” (p.79).
Para além destas, existem outras motivações tais como: a existência de uma tradição migratória, isto é, “a preexistência de relações políticas, sociais e económicas entre a sociedade de origem e a sociedade de acolhimento, que incluam um passado de fluxos migratórios” (Papademetriou, 2008, p. xxv); a existência de comunidades da mesma nacionalidade e/ou etnia, contribuindo para “facilitar substancialmente a expansão dos fluxos migratórios quando se verifica uma acentuada deterioração das circunstâncias com que se deparam os seus correligionários ou os indivíduos da mesma etnia presentes noutro país” (Papademetriou, 2008, p. xxv); a existência de laços culturais, linguísticos e institucionais com os principais países geradores das migrações; e o estabelecimento de redes de solidariedade que suportam a chegada de novos migrantes (Possidónio, 2006). Apesar da relevância que os laços sociais entre territórios de partida e chegada representam, importa notar que o “princípio da atracção económica” desempenha um papel importante.
Portugal tornou-se um país atraente para os imigrantes quando, “após a instabilidade política dos anos 70, o país entrou em fase de reestruturação da economia e crescimento económico, resultante da situação internacional favorável, da consolidação da democracia e estabilidade política necessária (…)” (Fonseca, 1997, citado em Possidónio, 2006, p. 79). Por outro lado, a manutenção dos fluxos emigratórios portugueses para os países da Europa mais desenvolvidos (França, Alemanha, Luxemburgo, Suíça) e a melhoria do nível de vida, refletido no prolongamento da escolaridade e na criação de expetativas profissionais mais qualificadas e mais bem remuneradas, originaram “alterações na disponibilidade da mão-de-obra nacional” e, desta forma, “a criação de oportunidades de emprego para os trabalhadores migrantes” em território português (Ferreira; Rato, 2000, citados em Possidónio, 2006, p. 79).
Assim, os fatores mencionados anteriormente fomentaram a constituição de Portugal como país de acolhimento de imigrantes.
4. BREVE ANÁLISE E CARACTERIZAÇÃO DAS COMUNIDADES IMIGRANTES
4.1 Número de estrangeiros em território português
Os dados revelam que em 2000 se encontravam em Portugal 207.587 imigrantes e
que em 2011 este valor aumentou para 436.822. Assim, verifica-se que em 11
anos, o número de imigrantes mais do que duplicou. Contudo, também é
possível constatar-se que o número de estrangeiros residentes em Portugal
começou a decrescer no ano de 2010. Para este decréscimo contribuíram não só
o aumento do acesso à nacionalidade portuguesa, que retirou da condição de
imigrantes muitos dos indivíduos provindos de outros contextos geográficos
(Lei da Nacionalidade [1]), e os impactos da crise económica e financeira em
Portugal (redução do investimento e emprego), mas também a alteração dos
processos migratórios em alguns países de origem (como o Brasil e Angola).
Esta é uma tendência que não se tinha verificado até 2010. Desde os anos 60
(época em que a emigração era uma forte tendência em Portugal) que o
processo de imigração tem vindo a evoluir positivamente para números nunca
antes vistos.
4.2 Escolha dos distritos de destino dos imigrantes
Em 2000, a escolha dos imigrantes recaiu sobre os principais distritos da
zona litoral. O padrão manteve-se em 2011, havendo apenas ligeiras
alterações entre as quais se destaca a entrada de Santarém para a lista dos
distritos de escolha em 2011 (tabela 1). A escolha destas regiões resulta do
seu maior desenvolvimento económico e da existência de importantes zonas
industriais com especial destaque para os distritos de Porto, Setúbal (onde
também existem zonas portuárias de referência) e Leiria. A escolha do
distrito de Lisboa justifica-se pelo facto de dele fazer parte a cidade
capital do país, cidade economicamente desenvolvida e na qual existem mais
oportunidades de emprego e de acesso a determinados serviços. O distrito de
Faro destaca-se por ser, preferencialmente, uma zona turística, em
particular, na época balnear, e por ser também uma zona de referência para
os imigrantes reformados.
Tabela 1 Distribuição por principais distritos de destino dos imigrantes em Portugal, entre 2001 e 2011
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Fonte: Adaptado de SEF, 2001 e 2012)
Tabela 2: Distribuição das nacionalidades mais representadas em Portugal
entre 2000 e 2011
A Área Metropolitana de Lisboa (AML) tem sido “aquela que apresenta maior
proporção de residentes não nacionais e de minorias étnicas descendentes de
imigrantes” (Fonseca, 2008, p.50). Em apenas dez anos (1991-2001), o número
de cidadãos estrangeiros residentes na AML quase triplicou, aumentando o seu
peso percentual na população da região de 1,8% para 4,7%. Relativamente ao
total nacional, o número de imigrantes que em 2001 residiam na AML
representava 55,5%, sendo o valor equivalente para o conjunto da população
residente de 25,9% (Fonseca, 2008.).
No que diz respeito à última década de 90, os imigrantes provenientes das
antigas colónias portuguesas constituíam o grupo mais numeroso (63,9% do
total). Do Brasil (13%) e dos países da União Europeia (10%) vêm os
restantes imigrantes mais bem representados, seguidos pelos indivíduos de
outros países europeus (6%), dos países asiáticos (3%), Canadá (2%) e
Estados Unidos da Améria (1%) (Fonseca, 2008).
Verifica-se que o processo de imigração para Portugal tem vindo a diminuir
desde 2010, por conseguinte, também o número de imigrantes no distrito de
Lisboa tem diminuído desde essa altura. De acordo com os dados de 2011,
existem em Lisboa 188.259 imigrantes de mais de 160 nacionalidades
diferentes (entre os quais os apátridas e os imigrantes de origem
desconhecida). De entre estas proveniências, destacam-se os imigrantes
africanos, europeus, asiáticos e sul-americanos. Quando temos em
consideração o concelho de Lisboa, os dados mais recentes revelam que estão
presentes 45.626 imigrantes oriundos de mais de 150 nacionalidades
diferentes, (entre os quais os apátridas e os imigrantes de origem
desconhecida), dos quais se destacam os africanos, europeus, asiáticos e
sul-americanos (SEF, 2011).
5. CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS DO CONVÍVIO PLURICULTURAL
A intensificação do processo de globalização e as novas motivações para a
migração vieram modificar a forma como os migrantes são vistos. Criou-se uma
nova dinâmica de valorização do cosmopolitismo associado aos processos
migratórios de sujeitos que, na escala social, se encontram bem posicionados
(Machado, 1997). Isto é, o estereótipo do imigrante com fracas qualificações
e com fracas condições de vida no país de origem alterna, hoje em dia, com a
presença de imigrantes bem-sucedidos social e profissionalmente. Esta nova
realidade confere aos fluxos migratórios uma nova roupagem, tornando algumas
tipologias migratórias atraentes. As migrações, atualmente, podem ser
entendidas como um fator de sucesso profissional e de estatuto social na
medida em que refletem um percurso de ascensão. Soma-se a esta nova forma de
perceber as migrações a consciência de que a diversidade cultural contribui
para o desenvolvimento cultural e económico. Aliás, esta ideia tem vindo a
ser integrada no discurso das autoridades e dos cidadãos (Santos, 2008).
“Estes” migrantes deitam uma nova luz sobre o estigma dos expatriados
laborais e, em certa medida, são um “outro” que é bem-vindo e bem acolhido.
Em alguns contextos podem mesmo funcionar como um atestado de
desenvolvimento de um determinado setor da sociedade. Neste sentido, a sua
integração não se apresenta como um desafio, podendo as diferenças ser
consideradas como exóticas e não como problemáticas. Na escala social, estes
estrangeiros (que raras vezes são percebidos como imigrantes) tendem a estar
mais bem posicionados que muitos dos locais com menores qualificações.
Contudo, tradicionalmente as comunidades de imigrantes são percebidas como
um problema a resolver (Rocha-Trindade, 2001). Os países de origem marcam em
grande medida o modo como os indivíduos são aceites: “são neste caso
visíveis as facetas do conflito relacionadas com a manifestação de atitudes
xenófobas, entre outras variadas e complexas questões levantadas pelo
encontro com um “outro” percepcionado como muito diferente e visível.”
(Santos, 2008, p.131). De facto, a forma como os imigrantes são acolhidos no
território de chegada não se caracteriza por ser estanque ou linear: “o
processo de migração é caracterizado por um declínio inicial do estatuto
socioprofissional, seguido de um progressivo aumento, na sequência do maior
envolvimento dos migrantes na sociedade de destino...” (Egreja & Peixoto,
2011, p. 44). Esta é uma realidade apenas para alguns grupos
socioprofissionais já que o mais frequente é que os descendentes de
imigrantes fiquem “sequestrados” em classes profissionais menos favorecidas.
Este fenómeno pode ser impeditivo do desenvolvimento de percursos
ascendentes no âmbito profissional, revelando também um problema de
integração (Egreja & Peixoto, 2011).
Estas diferentes dinâmicas relacionais promovidas pela globalização tornam
evidentes as desigualdades sociais entre autóctones e imigrantes e entre
imigrantes de regiões em desenvolvimento e os que provêm do “mundo
ocidental”, do “mundo desenvolvido” (Costa, 2012). Assim, é importante ter
presente que as sociedades pluriculturais devem munir-se de estratégias que
permitam vencer o fosso que separa os diferentes grupos socioculturais
(Rocha-Trindade, 2001). Em grande medida, esta assimetria pode ser fruto da
tradição migratória de sul para norte, ou seja, que leva cidadãos de países
em desenvolvimento para países desenvolvidos, ainda que nos dias que correm
esta linearidade se comece a esfumar (Machado, 1997). Estas rotas
migratórias “tradicionais” (sul-norte) têm permitido alimentar o mercado de
trabalho em Portugal em setores associados ao desenvolvimento urbanístico
(veja-se o caso da EXPO’98 e das construções de estádios para o Euro 2004) e
mais recentemente aos projetos relacionados com “serviços pessoais e
domésticos ou de hotelaria e turismo...” (Machado, 2003, p.184). A esta
dependência transversal a vários setores laborais, somam-se, contudo,
movimentos que levam a opinião pública a contestar esta realidade e a
rejeitar as presenças exteriores (Machado, 2003). Naturalmente, esta
perceção vai desaguar em situações de tensão e conflito que importa conhecer
no sentido de atuar sobre elas - por exemplo, por via da Animação
Sociocultural - e minimizá-las.
Apesar de as motivações para a escolha de Portugal enquanto país de
acolhimento serem distintas, aspetos relacionados com a perceção do país
quanto à forma de acolhimento de estrangeiros e a impressão geral sobre a
sociedade portuguesa não diferem significativamente. Os dois alunos vindos
de países africanos referem que Portugal, por ser um país pluricultural,
está habituado a conviver com as diferenças culturais e, possivelmente por
esse motivo, não sentiram dificuldades no processo de integração:
Contudo, é interessante notar que o aluno que vem de uma importante capital
europeia não associa a diversidade cultural a Portugal, mas identifica
algumas características comportamentais que facilitam a integração da
diversidade: As pessoas são muito disponíveis, simpáticas e prestáveis. Não são fechadas,
pelo contrário. São bastante abertas em comparação com as pessoas em Milão.
(Aluno 2)
Vim para Portugal, para aprender mais sobre o língua da minha mãe. Não
falava e queria aprender o português. Não conhecia Portugal e queria
conhecer a cultura pelo facto de ser próxima da cultura brasileira. (Aluno
2)
É diferente de São Tomé, para melhor. A comunicação é fácil, pois pratica-se
o mesmo idioma (...) e isso faz-me sentir em casa porque estou no seio de
pessoas com a mesma nacionalidade que eu, pessoas que já não via há algum
tempo. (Aluno 3).
De facto, e tal como foi visto anteriormente, os países de expressão
portuguesa, em particular o Brasil e as antigas colónias portuguesas em
África, representam as origens de onde tradicionalmente provêm os imigrantes
que escolhem Portugal como país de destino.
É interessante também verificar que, apesar de considerarem Portugal um país
que integra de forma positiva os imigrantes - “Sinceramente, acho que
Portugal é um bom país de acolhimento” (Aluno 1); As pessoas são muito
disponíveis, simpáticas e prestáveis” (Aluno 2); “Como estudante, acho que
são muito acolhedores. Eu nunca senti nenhum tipo de discriminação” (Aluno
3) - são também capazes de identificar algumas barreiras, que consideram
naturais, no processo de integração: Penso que é preciso tempo para este processo se realizar. A integração é
faseada, pois a meu ver os portugueses não se relacionam diretamente com os
cidadãos estrangeiros. (Aluno 1)
Contudo, quando cheguei, houve algumas falhas de integração por parte de
algumas pessoas. Acho que é normal, pois muitas vezes as pessoas não sabem
como falar e abordar os estrangeiros. (Aluno 2).
Quando cheguei algumas pessoas tinham receio de conversar com os
estrangeiros. Por vezes ficavam a olhar com alguma desconfiança, o que
incomodava. (Aluno 3)
O convívio com a diferença acarreta necessariamente formas diferentes de
lidar com o “outro”, aquele que é diferente da realidade que conhecemos e
que leva ao questionamento sobre a origem e implicações da diferença. Desta
nova realidade associada ao convívio pluricultural tem resultado a
implementação de diversas políticas de integração da diversidade cultural
que variam de acordo com o contexto sociocultural da Europa Ocidental
(Santos, 2008).
6. POLÍTICAS DE INTEGRAÇÃO
Relativamente ao nível da não-discriminação, na lei portuguesa estabelece-se
o princípio da igualdade com vista à erradicação da discriminação. A Lei
Constitucional nº. 1/2005, de 12 de agosto, no Artigo 13.º, estipula que
nenhuma pessoa pode ser discriminada perante as suas características
visíveis como o sexo e a raça, e/ou características não visíveis como a
língua, religião ou ideologia política. Citando o mesmo artigo, “ninguém
pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito
ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua,
território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas,
instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual” (ponto
2, do artigo 13.º da Lei Constitucional n.º 1/2005, de 12 de agosto). Além
disso, o Artigo 15.º da Lei Constitucional determina que “os estrangeiros e
os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e
estão sujeitos aos deveres do cidadão português” (ponto 1, do artigo 15.º da
Lei Constitucional n.º 1/2005, de 12 de agosto).
No âmbito da não-discriminação, em 1999, a Assembleia da República aprovou a
lei antidiscriminação. Lei n.º 134/99, de 28 de agosto, que tem como
objetivo: Prevenir e proibir a discriminação racial sob todas as suas formas e
sancionar a prática de actos que se traduzam na violação de quaisquer
direitos fundamentais, ou na recusa ou condicionamento do exercício de
quaisquer direitos económicos, sociais ou culturais, por quaisquer pessoas,
em razão da sua pertença a determinada raça, cor, nacionalidade ou origem
étnica. (Artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 134/99, de 28 de agosto).
Desta forma, este Decreto-Lei prevê a criação de uma Comissão para a
Igualdade e Contra a Discriminação Racial que promova “estudos sobre a
igualdade e discriminação racial”, vigie a aplicação da lei e apresente
“propostas legislativas que considere adequadas à prevenção de todas as
formas de discriminação” (Baganha & Marques, 2001, p. 46).
A discriminação positiva é considerada um elemento importante na igualdade
entre indivíduos e, segundo Baganha & Marques (2001), esta “é considerada um
instrumento importante no sentido de garantir o igual acesso aos direitos
sociais, económicos e culturais por parte dos membros de grupos
desfavorecidos como sejam os imigrantes e as minorias étnicas” (p. 46).
Segundo os autores, a discriminação positiva é realizada através de medidas
públicas de inclusão social. Estas medidas públicas são constituídas por
políticas sociais, laborais e educativas.
As políticas sociais constituem as políticas que visam a erradicação da
exclusão social e da pobreza. Para a compreensão destas políticas é
importante perceber o que constitui a exclusão social. Segundo García
(2004), a exclusão social “corresponde à existência de três deficiências
existentes nos indivíduos, nas comunidades e no próprio sistema
socioeconómico”. Assim, esta é determinada pela convergência de três
fatores: “a dificuldade de acesso aos bens económicos (poder aquisitivo e
receitas)”; “a deficiência das redes de apoio social (família, vizinhos,
apoios profissionais)”; e “a debilitação dos recursos pessoais (fragilidade
na identidade, incapacidade para enfrentar as exigências e dificuldades do
respectivo contexto)” (García, 2004, p. 266).
Para a realização prática das políticas sociais foram criados diversos
programas, tutelados pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social,
cujos objetivos se centravam na “criação de redes institucionais” e na
“utilização de uma abordagem multidisciplinar” (Baganha & Marques, 2001, p.
47). Estes programas foram gerados para serem desenvolvidos por diversas
instituições, principalmente pelas autoridades centrais e locais, as
Organizações não-Governamentais (ONG) e por outros parceiros privados, e
nestes são incluídas iniciativas destinadas a erradicar as principais causas
da exclusão social: emprego, habitação, saúde, educação e problemas com o
rendimento mínimo (Baganha & Marques, 2001, p. 47).
O Rendimento Mínimo Garantido é um exemplo dos programas anteriormente
referidos. Este foi edificado em 1996 como instrumento multifacetado de
combate à exclusão social e à pobreza e inclui um programa de inserção, isto
é: O conjunto de acções cujos princípios são definidos pelos Ministérios da
Solidariedade e Segurança Social e para a Qualificação e o Emprego e
assumido localmente por acordo entre as comissões locais de acompanhamento
(…) e os titulares do direito a esta prestação, com vista à criação das
condições para a progressiva inserção social destes e dos membros do seu
agregado familiar. (Artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 19-A/96, de 29 de junho)
As políticas laborais, segundo Baganha & Marques (2001), assentam
essencialmente em protocolos entre diversas entidades para o estabelecimento
de contratos de trabalho para os imigrantes. A título de exemplo, em 1999, o
Instituto Português do Emprego e da Formação Profissional (IEFP) consolidou
um acordo com o Alto-Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas, atual
Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural (ACIDI), com o
ideal da “cooperação em iniciativas conjuntas no âmbito da qualificação
profissional, do acesso ao mercado de trabalho, e da inclusão social dos
imigrantes e das minorias étnicas” (Baganha & Marques, 2001, p. 55).
Por fim, as políticas educativas subsistem na consciencialização relativa
aos problemas inerentes às relações interculturais e à educação
multicultural. No âmbito destas políticas, em 1991 foi criado pelo Governo o
Secretariado Coordenador dos Programas de Educação Multicultural com a
competência de “coordenar, incentivar e promover, no âmbito do sistema
educativo, os programas e as ações que visem a educação para os valores da
convivência, da tolerância, do diálogo e da solidariedade entre diferentes
povos, etnias e culturas” (ponto 2 do Despacho Normativo n.º 63/91, de 31 de
março).
Este Secretariado deve acompanhar programas que contemplem, por exemplo, “a
articulação com o Instituto de Inovação Educacional visando a elaboração, no
âmbito da área da formação pessoal e social, de conteúdos de educação
multicultural e convivência étnica” e “a promoção de uma campanha de diálogo
intercultural e de valorização da diversidade étnica nas escolas, em
colaboração com as associações de pais e de estudantes e as autarquias
locais” (alíneas d e g do ponto 5 do Despacho Normativo n.º 63/91, de 31 de
março). Em Portugal, atualmente, as questões associadas à integração de
imigrantes são trabalhadas pelo Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo
Intercultural (ACIDI).
O ACIDI resultou da fusão do Alto Comissariado para a Imigração e Minorias
Étnicas, da estrutura de apoio técnico à coordenação do Programa Escolhas,
da Estrutura de Missão para o Diálogo com as Religiões e do Secretariado
Entreculturas. Desta forma, o Governo centralizou, num instituto público, as
atribuições dispersas por vários organismos, permitindo unir os meios
humanos necessários e especializados numa resposta conjunta aos desafios que
se colocam, demonstrando o seu empenho no reforço da institucionalização dos
serviços vocacionados para o acolhimento e a integração dos imigrantes, bem
como numa maior eficácia na promoção do diálogo intercultural e
inter-religioso. Este é um instituto público integrado na administração
indireta do Estado, dotado de autonomia administrativa, que tem como missão
colaborar na conceção, execução e avaliação das políticas públicas,
transversais e sectoriais, relevantes para a integração dos imigrantes e das
minorias étnicas, bem como promover o diálogo entre as diversas culturas,
etnias e religiões.
Segundo o Decreto-Lei n.º 167/2007, de 3 de maio, o ACIDI tem as seguintes
funções:
a) Promover o acolhimento e a integração dos imigrantes e das minorias
étnicas através da participação na conceção, desenvolvimento e coordenação
de políticas públicas transversais, integradas e coerentes;
7. INTERVENÇÃO DA ASC E DO ANIMADOR SOCIOCULTURAL
De entre os problemas mais comuns nas sociedades multiculturais destacam-se
as questões associadas à exclusão, à exploração laboral, ao racismo e à
xenofobia. Contudo, há outros fatores que afetam as populações imigrantes
(Vieira, 2011). Por um lado, temos os discursos contra os imigrantes que
parecem ser fruto de uma convicção errónea de que a “Nação” é uniforme na
sua composição e de que a cultura que a define é imutável (Vieira, 2011).
Por outro lado, quem procura um novo país sofre processos de transformação
que o envia para uma “terra identitária de ninguém”, tornando-o “num ‘outro’
bem diferente dos seus semelhantes que ficaram no país de origem” (Vieira,
2011, p. 94). A identificação destas problemáticas nestes contextos
permitirá desenvolver estratégias de atuação que permitam cumprir aquela que
será a missão da Animação Sociocultural: (...) conjunto de acções realizadas por indivíduos, grupos ou instituições
numa comunidade (ou num sector da mesma) e dentro do âmbito de um território
concreto, com o objectivo principal de promover nos seus membros uma atitude
de participação activa no processo do seu próprio desenvolvimento quer
social quer cultural. (Trilla, 2004, p. 26)
O trabalho da ASC e do animador com este público-alvo deve ter por base a
erradicação da exclusão social e da marginalização a que este grupo pode
estar sujeito, proporcionando a sua integração. Assim, o animador poderá
atuar enquanto mediador de diferentes realidades sociais e culturais (a da
sociedade de acolhimento e de proveniência) (Oliveira & Galego, 2005). O
trabalho realizado no âmbito desta problemática deve ser feito a partir e
com a comunidade local e não somente com os indivíduos, sendo necessário
“estabelecer aberturas para a coordenação e recursos comunitários
(profissionais, programas, instituições, associações…)” (García, 2004, p.
267). Importa também que o animador desenvolva estratégias que lhe permitam
conhecer e integrar as diferentes linguagens e referenciais culturais
(Oliveira & Galego, 2005). Esta intervenção subsiste essencialmente nas
“dimensões que constituem os indivíduos (físicas, psíquicas, sociais e
culturais)” e na “realização de programas globais no território” (García,
2004, p. 267). Este trabalho deve assentar nas potencialidades dos
indivíduos e das comunidades e não na assistência e na carência. Desta
forma, o trabalho junto deste público-alvo assume um caráter
responsabilizador (quer nas pessoas, quer na comunidade) da procura de
soluções para os problemas existenciais, partindo de uma “consciencialização
autónoma e crítica e com uma visão política das suas acções” (García, 2004,
p. 267).
Segundo García (2004, p. 276), este público-alvo tem a necessidade de
“preservar a sua identidade e a dignidade numa integração intercultural”,
bem como de encontrar a “igualdade de oportunidades e do respeito pelas
diferenças”. Assim, este grupo tem o direito de participar de forma ativa
nas estruturas do ambiente em que vive. Neste sentido, conhecer as
especificidades da sociedade que recebe os imigrantes e estudar as
particularidades culturais das populações que escolhem um determinado país
podem revelar-se instrumentos fundamentais para o sucesso das práticas
utilizadas pelos animadores socioculturais. Isto é, o animador, face às
dificuldades do convívio pluricultural ou para as minimizar, deve conseguir
estabelecer o equilíbrio entre as necessidades das comunidades “residentes”
e “visitantes”. No que respeita ao território nacional, é sabido que,
culturalmente, o território português apresenta algumas diferenças que vão
condicionar a forma como os imigrantes são recebidos (Oliveira & Galego,
2005). Deve, por isso, ser pedido ao animador que desenvolva a sensibilidade
para fazer a mediação entre estes grupos.
Esta intervenção pode consistir em atividades de tempos livres e ócio, apoio
escolar, ensino do idioma do país de acolhimento, alfabetização e outras
capacidades socioeducativas, festas, entre outras, desde que sejam
pertinentes e procurem contornar os problemas de exclusão e integração a que
muitas vezes os elementos das comunidades imigrantes, em particular as mais
desfavorecidas, estão associados. Neste sentido, o animador deve encaminhar
a sua intervenção para critérios metodológicos que impliquem a presença de
indivíduos da sociedade acolhedora, assim como indivíduos de várias
nacionalidades. A juventude da ASC, enquanto campo formal de conhecimento,
irá obrigar o animador a construir as suas metodologias a partir dos métodos
e ferramentas de Ciências Sociais como a Antropologia, a Sociologia ou a
Psicologia. Uma abordagem de natureza multidisciplinar terá maior
probabilidade de sucesso apesar de exigir ao animador um maior investimento
no domínio dos campos teóricos.
A identificação das dificuldades da gestão de comunidades culturalmente
diversas deve servir para orientar o trabalho desenvolvido em prol da
convivência intercultural, envolvendo uma intervenção educativa
intercultural, para uma ligação afetiva (estimulando desta forma a
proximidade entre os indivíduos) e para o trabalho na comunidade contra a
erradicação de quaisquer estereótipos associados a este público (García,
2004). Estas estratégias devem ter por base uma plataforma teórica e
metodológica sólida que deverá sempre acompanhar o animador sociocultural.
8. CONCLUSÃO
Os dados recolhidos permitiram ilustrar o quadro da diversidade cultural que
caracteriza o território nacional e em particular da área de Lisboa. Esta
caracterização, mais do que se limitar a um tempo e espaço, permitiu também
perceber a evolução dos fluxos migratórios ao longo dos últimos anos e
perceber quais as alterações ao paradigma migratório que caracterizava
Portugal há 50 anos. A esta transformação associam-se muitas das questões
que conduzem à exclusão e marginalização de algumas comunidades
estrangeiras. Ainda assim, apesar de vários autores indicarem a dificuldade
de integração de algumas comunidades, os discursos dos imigrantes atribuem
aos portugueses boas capacidades de acolhimento. Estas evidências parecem
ser corroboradas pela pequena amostra de alunos estrangeiros da ESELx a quem
foi aplicada uma entrevista no sentido de aferir estes parâmetros.
No sentido de se minimizar o impacto dos fatores sociais que não promovem a
convivência pluricultural harmoniosa, o Estado tem vindo a desenvolver um
conjunto de estratégias e instrumentos que visam a integração do “outro”. O
conhecimento destes mecanismos tem uma importância vital no trabalho
desenvolvido pelo animador sociocultural já que lhe irá permitir explorar e
utilizar em proveito do seu público-alvo os recursos que estão disponíveis.
A partir da construção deste quadro demográfico, cultural e social complexo,
torna-se possível pensar o papel da Animação Sociocultural e do animador em
contextos em que a diversidade cultural é uma marca inegável e é necessário
proceder à gestão das várias particularidades sociais.
Os temas abordados carecem, dada a sua magnitude e complexidade, da
contribuição dos dados resultantes de investigações interdisciplinares - por
exemplo na área da Geografia, Antropologia, Sociologia e História - que
podem emprestar à Animação Sociocultural elementos preciosos para o seu
posicionamento no seio das Ciências Sociais. Esta interação multidisciplinar
pode e deve começar na fase inicial do percurso formativo dos animadores
socioculturais.
Analisando as nacionalidades mais representadas no território nacional, são
percetíveis algumas diferenças entre 2000 e 2011 (tabela 2).
Nacionalidade dos imigrantes
2000
2011
Cabo-verdiana
22,70%
10,00%
Brasileira
10,80%
26,00%
Angolana
9,80%
5,00%
Guineense
7,70%
4,00%
Inglesa
6,77%
4,00%
Espanhola
5,90%
Alemã
4,99%
Americana
3,90%
Francesa
3,46%
Santomense
2,64%
Moçambicana
2,24%
Ucraniana
11,00%
Romena
9,00%
Chinesa
4,00%
Moldava
3,00%
(Fonte: Adaptado de SEF, 2001 e 2012)
Resumidamente, podemos dizer que, enquanto em 2000, os cabo-verdianos são os
imigrantes em maior número, em 2011, este lugar é ocupado pelos imigrantes
de nacionalidade brasileira. Verificou-se um decréscimo dos imigrantes com
nacionalidade angolana, guineense, inglesa e santomense. É também
interessante constatar o aparecimento de imigrantes vindos dos países da
Europa de Leste e da China.
“Apesar da dispersão por todo o território nacional das vagas migratórias
mais recentes (…), a região de Lisboa continua a ser a área onde se
concentram actualmente mais imigrantes e a que apresenta maior diversidade
étnica e cultural”. Assim, em 2006 residiam no distrito de Lisboa (e
Setúbal) perto de 60% dos estrangeiros documentados registados em Portugal
(Fonseca, 2008, p.72).
Os dados anteriormente apresentados permitem compreender de que forma
Portugal tem vindo a construir o seu mosaico cultural. Os processos
migratórios, em particular na última década, têm vindo a afastar-se dos
padrões convencionais já que, cada vez mais, a migração não implica,
atualmente, apenas descer na escada social. Pelo contrário, pode ser um
mecanismo de valorização profissional e social. Estas mudanças introduzem
novas formas de acolher e de perceber a diferença que convivem com as mais
tradicionais. Importa agora compreender as consequências desta transformação
no desenvolvimento das relações sociais pluriculturais.
Perceber como o “outro” nos vê e em que medida os elementos teóricos
refletem ou não a realidade deve ser um exercício exigido ao Animador
Sociocultural. Nesse sentido, foram entrevistados três alunos estrangeiros
que se encontravam a frequentar a ESELx durante o primeiro semestre do ano
letivo 2012-2013. As questões colocadas tiveram como intuito perceber em que
medida um aluno refugiado (Aluno 1), um aluno europeu vindo de Itália (Aluno
2) e um aluno vindo de São Tomé e Príncipe (Aluno 3) imaginavam Portugal
enquanto país de acolhimento. As quatro questões colocadas, podendo diferir
na forma, apresentavam um conteúdo semelhante e permitiram perceber as
motivações associadas à escolha de Portugal enquanto contexto de destino;
perceber qual a perceção sobre o país e os seus habitantes; e indagar como
veem Portugal no que respeita ao acolhimento dos estrangeiros. A última
questão colocada permitiu saber em que medida a legislação referente à
imigração, acolhimento e integração dos estrangeiros era do conhecimento
geral ou não.
O facto de haver uma grande diversidade cultural em Portugal é muito bom e
também um meio facilitador de integração. (Aluno 1)
Acho que é muito bom haver uma diversidade cultural em Portugal, torna o
país multicultural... (Aluno 3)
Em grande medida, estas afirmações vão ao encontro do que alguns autores
sugerem ser o funcionamento dos processos migratórios na Europa, mas, em
particular, aqueles que são referentes aos fluxos migratórios que acontecem
em Portugal. Uma das motivações que trouxe o Aluno 2 ao nosso território
prende-se com a sua ascendência brasileira:
Já o Aluno 3 apresenta como argumentos de escolha a coincidência do idioma,
o facto de ter familiares em Portugal e a proximidade política que facilita
os processos de formação académica:
Em Portugal são os anos 90 e a alteração do paradigma migratório que estão
na origem da implementação de quadros legais e institucionais que visam a
integração e a gestão dos comportamentos associados à diversidade cultural
(Marques e Rosa 2003). Esta gestão não encontrou ainda um padrão
transversal, deixando nas mãos dos poderes locais (autarquias e associações
de apoio à imigração) a resolução das questões que surgem, fruto da
diversidade cultural (Esteves, 2005 citado por Santos, 2008). Este livre
arbítrio tem conduzido à existência de importantes assimetrias na forma como
os imigrantes são tratados. Alguns municípios e organismos do Estado têm
procurado desenvolver estratégias adequadas ao seu contexto cultural e às
comunidades migratórias residentes. Estas medidas têm permitido, em maior ou
menor grau, gerir as problemáticas associadas à diversidade cultural.
Contudo, “apesar da clara mudança de postura face à diversidade cultural, os
imigrantes continuam a ser considerados essencialmente como alvos de
projectos de âmbito social, não integrando um papel activo como agentes de
desenvolvimento, designadamente através do seu empreendedorismo.” (Santos,
2008, p.142). Os imigrantes têm sido frequentemente associados a situações
problemáticas, a comportamentos marginais, à criminalidade e à
(auto)exclusão social. Contudo, a intensificação dos fluxos migratórios
pode, aos poucos, contribuir para a desconstrução desta ideia (Rath, 2007
citada por Santos, 2008). As políticas de integração existentes em Portugal
são de âmbito social, laboral e educativo e centram-se nos níveis da
não-discriminação e da discriminação positiva. Uma intervenção mais eficaz
do animador sociocultural dependerá, em grande medida, do domínio destas
políticas e das medidas que preveem a integração das comunidades imigrantes.
b) Incentivar a participação cívica e cultural dos imigrantes e das minorias
étnicas nas instituições portuguesas;
c) Combater todas as formas de discriminação, através de ações positivas de
sensibilização, educação e formação, bem como através do processamento das
contraordenações previstas na lei;
d) Promover a interculturalidade, através do diálogo intercultural e
inter-religioso;
e) Contribuir para a melhoria das condições de vida e de trabalho dos
imigrantes em Portugal, de modo que seja proporcionada a sua integração com
dignidade, em igualdade de oportunidades com todos os cidadãos nacionais;
f) Incentivar iniciativas da sociedade civil que visem o acolhimento e
integração dos imigrantes e minorias étnicas em Portugal;
g) Promover ações de sensibilização da opinião pública e a realização de
estudos sobre as temáticas da imigração, minorias étnicas, diálogo
intercultural e diálogo inter-religioso;
A configuração da sociedade não é estática. Muito pelo contrário.
Encontra-se em permanente evolução, fruto de transformações que, de forma
mais ou menos intensa, afetam as estruturas da organização social. Esta é
uma ideia avançada pelos primeiros cientistas sociais e que se mantém válida
até aos dias de hoje (Petrus, 2004). É sobre esta perspetiva da dinâmica
social que os animadores socioculturais devem desenvolver o seu trabalho.
Congelar práticas, paradigmas e perspetivas numa realidade passada pode
revelar-se contraproducente. Nesse sentido, cabe ao animador conhecer e
explorar a realidade pluricultural e as problemáticas que se lhe associam e
que, hoje em dia, caracterizam os nossos meios urbanos.
Apesar da importante componente prática que o exercício da Animação
Sociocultural tem associada, outras abordagens são também importantes. A
observação da realidade em que os animadores socioculturais irão trabalhar
constitui um dos iniciais e principais exercícios que terão de desenvolver.
Esta é uma abordagem que implica, necessariamente, um exercício reflexivo
suportado pela fundamentação teórica combinada com os conhecimentos
recolhidos no terreno. Nesse sentido, é fundamental que ao longo da formação
académica os futuros animadores socioculturais possam desenvolver
competências associadas à investigação e reflexão. Esse foi um dos objetivos
que num primeiro momento estiveram na origem deste documento. Contudo, este
exercício revelou-se extremamente útil para além do seu objetivo inicial.
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Contacto: Dulce Rodrigues, Tânia Correia, Inês Pinto, Ricardo Pinto, Cristina Cruz, Campus de Benfica do IPL, 1549 - 003 Lisboa
(recebido em maio de 2013, aceite para publicação em novembro de 2013)
NOTAS
[1] Reforço do princípio ius soli (direito do solo) – reconhecimento de cidadania a quem tem fortes laços com Portugal.
Atribuição de nacionalidade portuguesa a indivíduos (descendentes de
imigrantes) nascidos em Portugal, caso um dos progenitores tenha nascido
ou resida em Portugal. Direito à naturalização de menores nascidos em
solo português (um dos progenitores tem de ser legal e residir em
Portugal há cinco anos ou o menor tem de aqui concluir o 1º ciclo).
Casamento/União de facto judicialmente reconhecido com um cidadão
português ( http://www.nacionalidade.sef.pt/ ).