ARTIGOS
Quando sou mãe e quando sou educadora! Comparando Mães e Educadoras (com os seus filhos ou com outras crianças) numa tarefa colaborativa com a criança
As mother and as educator! A study to compare mothers and educators in a collaborative task with their or others’ children
Quand je suis mère et quand je suis éducatrice! Comparer les mères et les éducatrices (avec leurs enfants ou d'autres enfants) dans une tâche de collaboration avec l'enfant
Cuando soy madre y cuando soy educadora! Comparando madres y educadoras (con sus hijos o con otros niños) en una tarefa colaborativa con el niño
Sofia Farinha; Marina Fuertes
CIED,
Escola Superior de Educação de Lisboa do Instituto Politécnico de Lisboa
Resumo
Estudos prévios apontam diferenças entre o comportamento dos Pais (pais e mães) versus Educadores (educadores ou educadoras) tanto em observações experimentais como em observações naturalistas. Com efeito, os educadores assumem um papel mais pedagógico atribuindo um papel mais ativo à criança. Para compreender melhor esta diversidade de papéis daqueles que educam e vivem com a criança, colocamos a seguinte questão: Será que os Educadores com os seus filhos atuam predominantemente como a generalidade dos Pais (espontaneamente) ou como os Educadores (com intencionalidade educativa)? Deste modo, procura-se comparar o comportamento interativo de 20 díades Mãe-filho(a), 21 díades Educadora-criança e 20 díades Educadora com o seu filho(a), na mesma condição quasi-experimental, como parceiras numa atividade lúdica de construção com a criança. Para o efeito, foi pedido aos participantes que realizassem, em 20 minutos, um produto à sua escolha com os materiais e ferramentas disponibilizadas. As crianças tinham entre 3 e 5 anos e não apresentavam problemas de desenvolvimento identificados. Pretendia-se nos três grupos de estudo: 1) comparar a qualidade interativa das Mães, Educadoras e Mães-e-Educadoras quanto à empatia, atenção, reciprocidade, cooperação, elaboração/fantasia e desafio proposto; 2) descrever e comparar a autoria e os produtos realizados pelas díades, bem como as escolhas de materiais e ferramentas; 3) relacionar os dados obtidos com as variáveis demográficas. Os resultados indicam poucas diferenças entre as Mães e Mães-e-Educadoras porém estes dois grupos distinguem-se do grupo das Educadoras (com crianças da sua sala). A qualidade da interação é melhor nas díades em que a autoria é da criança, e esta é menos prevalente nas díades Mãe-filho(a) ou Mãe educadora-filho(a). Em suma, as Educadoras com os seus filhos dão menos oportunidades de exploração e de realização do que as Educadoras com crianças da sua sala.
Palabras clave:Parentalidade; Educação de Infância; Interação criança-adulto; Comportamento interativo
Abstract
The research highlights differences between the behavior of fathers/mothers versus early childhood Educators both in experimental and naturalistic observations. The following question were raised: Do childhood educators act with their children predominantly as the generality of parents (spontaneously) or as educators (with educational intention)? The present study seeks to compare the interactive behavior of Mothers, childhood Educators, and Mothers-educators. In this study, mothers and educators were observed, in the same quasi-experimental conditions, as partners in a play construction activity with the child. For that effect, 20 dyads mother-child, 21 dyads educator-child, and 20 dyads educator-offspring were asked to create, in 20 minutes, a product of their choice with the available materials and tools. The children were 3 to 5 years old and did not present identified development problems. In the three groups, the intention was: 1) to compare the interactive quality of Mothers, Mothers-Educators and Educators regarding empathy, attention, reciprocity, cooperation, elaboration/fantasy, proposed challenge; 2) to describe and to compare the created products made by the dyads as well as the choices of materials and tools; 3) to relate obtained data with demographical variables. The results indicate that Educators give, in average, more appropriate answers than other participants and few differences can be found between Mothers and Mother-Educators. The interaction’s quality is better in the dyads where the child is the product’s author, and such is less prevailing in dyads Mother or Educator with their children. In sum, Educators give fewer exploration and performance opportunities to their own children than Educators with children from the classroom.
Keywords: Parenthood; Childhood Education; Child-Adult Interaction; Interactive Behavior
Résumé
Des études précédentes indiquent l’existence de différences entre le comportement des parents (pères et mères) versus ceux des éducateurs (éducatrices ou éducateurs) aussi bien en observations expérimentales qu’en observations naturalistes. En effet, les éducateurs assument un rôle plus pédagogique en attribuant un rôle plus actif à l’enfant. Afin de mieux comprendre cette diversité de rôles de ceux qui éduquent et vivent avec l’enfant, nous avons posé la question suivante: Est-ce que les éducateurs avec leurs propres enfants agissent surtout comme la généralité des parents (spontanément) ou comme les éducateurs (avec intentionalité éducative)? Ainsi, nous cherchons à comparer le comportement interactif de 20 dyades mère-enfant, 21 dyades éducatrice-enfant et 20 dyades éducatrice avec son enfant, mises dans une même situation quasi-expérimentale, comme partenaires lors d’une activité ludique de construction. Dans ce but, il leur a été demandé de réaliser en 20 minutes un produit de leur choix, avec les matériaux et outils mis à leur disposition. Les enfants avaient entre 3 et 5 ans et ils n’avaient pas de problèmes de développement identifiés auparavant. L’intention était pour les 3 groupes de l’étude: 1) comparer la qualité interactive des mères, des éducatrices, et des mères-éducatrices par rapport à l’empathie, à l’attention, à la réciprocité, à la coopération, à l’élaboration/fantaisie face au défi proposé; 2) décrire et comparer l’auteur et les produits réalisés par les dyades, ainsi que les choix des matériels et outils; 3) mettre en lien les données obtenues avec les variables démographiques. Les résultats indiquent peu de différences entre les mères et les mères-éducatrices, cependant ces 2 groupes de mères se distinguent des éducatrices. La qualité de l’interaction est meilleure chez les dyades dans laquelle l’enfant est l’auteur, et celle-ci est moins prévalente chez les dyades mère-enfant ou mère-éducatrice avec son enfant. En résumé, les éducatrices avec leurs propres enfants donnent moins d’opportunités d’exploration et de réalisation que les éducatrices avec les enfants de leur classe.
Mots-clés:Parentalité; Éducation de jeunes enfants ; Interaction enfant-adulte; Comportement interactif
Resumen
Los estudios previos indican diferencias entre el comportamiento de los padres (padres y madres) frente a educadores (educadores o educadoras) tanto en observaciones experimentales como en observaciones naturalistas. En efecto, los educadores asumen un papel más pedagógico atribuyendo un papel más activo al niño. Para comprender mejor esta diversidad de roles de aquellos que educan y viven con el niño, planteamos la siguiente pregunta: ¿Los educadores con sus hijos actúan predominantemente como la generalidad de los padres (espontáneamente) o como los educadores (con intencionalidad educativa)? De este modo, se busca comparar el comportamiento interactivo de 20 díades Madre-hijo (a), 21 díades Educadora-niño y 20 díades Educadora con su hijo (a), en la misma condición cuasi-experimental, como compañeras en una actividad lúdica de la actividad construcción con el niño. Para ello, se pidió a los participantes que realizara, en 20 minutos, un producto a su elección con los materiales y herramientas disponibles. Los niños tenían entre 3 y 5 años y no presentaban problemas de desarrollo identificados. Se pretendía en los tres grupos de estudio: 1) comparar la calidad interactiva de las madres, educadoras y madres-e-educadoras en cuanto a la empatía, atención, reciprocidad, cooperación, elaboración / fantasía y desafío propuesto; 2) describir y comparar la autoría y los productos realizados por las díades, así como las opciones de materiales y herramientas; 3) relacionar los datos obtenidos con las variables demográficas. Los resultados indican pocas diferencias entre las madres y madres y educadoras, pero estos dos grupos se distinguen del grupo de las educadoras (con niños de su sala). La calidad de la interacción es mejor en las diades en que la autoría es del niño, y ésta es menos prevalente en las díades Madre-hijo (a) o Madre educadora-hijo (a). En suma, las Educadoras con sus hijos dan menos oportunidades de explotación y de realización que las Educadoras con niños de su sala.
Palabras-clave:Parentalidad; Educación de Infancia; Interacción niño-adulto; Comportamiento interactivo
ESTADO DE ARTE
Papel Materno e papel da Educadora
Toda a aprendizagem resulta de interações sociais (Vygotsky, 1979). No dia-a-dia e na interação com os outros, as crianças aprendem conteúdos, adquirem competências, desenvolvem a curiosidade e aprendem valores.
Os pais são os primeiros protagonistas do seu mundo social e com eles a criança desenvolve relações de vinculação. Esta relação de vinculação é uma relação privilegiada com um co-específico que perdura no tempo e sem a qual a criança corre graves riscos de perturbação psicológica (Bowlby, 1969). Este elo é forjado pela biologia preparando os pais para se afiliarem e desenvolverem relações de amor com os seus filhos que, do mesmo modo, amam e procuram os pais. Bowlby (op. cit) definiu este conjunto de respostas como sistema de vinculação que a par com o sistema exploratório nasce com o indivíduo garantindo a sobrevivência e a proteção da descendência. Os pais são capazes de comportamentos extremamente altruístas com a sua descendência mais do que com qualquer outro ser humano (Halmilton, 2000).
As crianças desenvolvem outras relações afetivas significativas como com os seus pares ou educadores. Todavia, estas relações não são de vinculação. Alguns bebés iniciam a entrada na creche por volta dos 4 meses, ainda não tendo fixado todas as suas figuras de vinculação mas já tendo desenvolvido modelos internos das relações de vinculação (Howes, 1999). Assim, ainda seria possível nesta fase o educador ser integrado como figura de vinculação. No entanto, a ativação do sistema de vinculação raramente é realizada com os educadores como é com os pais (Goosens & Van, Ijzendoorn, 1990), acabando por corroborar a perspetiva de que a biologia prepara pais e filhos para este elo, que podendo ser substituído, tem características de aprendizagem social e não instintivos (Belsky, 1999, Critenden, 1999). Deste modo, podemos assumir que a relação entre pais e filhos é preferencial, proporcionada pela biologia, e baseada em interesses evolutivos.
E a relação do educador com a criança? Lilian Katz (1983) propõe que a relação do educador com a criança é pautada pela intencionalidade pedagógica enquanto os pais agem fundamentalmente por intuição ou aprendizagem cultural. Para a autora, os comportamentos dos pais procuram favorecer o sucesso dos seus filhos enquanto o educador tem objetivos de socialização, integração social e procura tratar todas as crianças do seu grupo de igual modo. Na base desta explicação está a formação pedagógica do educador que o prepara do ponto vista científico e praxelógico para o exercício da sua profissão (Oliveira-Formosinho 2007) e pela ausência de um vínculo biológico (Halmilton, 2000). Assim, o educador coloca em prática as suas intenções pedagógicas guiadas por princípios, valores sociais e humanizantes (Vasconcelos, 2007).
Contributo da relação com os Pais e com os Educadores
As relações de vinculação desenvolvidas com os pais estão associadas ao desenvolvimento, à socialização, sucesso académico e bem-estar psicológico (ver revisão em Fuertes, 2005). Bowlby previu e a investigação tem vindo a corroborar que as relações de segurança com os pais permitem à criança relacionar-se de modo mais positivo com os outros e explorar o meio aprendendo, consequentemente, melhor (revisão em Fuertes, 2012) Bowlby (1969) postulou que no contexto das relações de vinculação, a criança pelas respostas que recebe quando sinaliza as suas necessidades, constrói uma estrutura afetiva que a ajuda a desenvolver expetativas acerca da eficácia do seu self, do comportamento dos outros e das relações em geral (revisão em Fuertes, Faria, Soares, & Oliveira-Costa, 2010). O autor designou esta estrutura como modelo dinâmico interno que influencia as interações da criança com as suas figuras de vinculação.
Estudos meta-analíticos indicam que as respostas adequadas e sensíveis dos pais estão associadas à vinculação segura (Ainsworth, 1965; Bowlby, 1969). Ainsworth, Blehar, Waters e Wall (1978) descreveram estas respostas como forma de perceber os sinais enviados pela criança; a capacidade para interpretar esses dados corretamente; responder de forma adequada (tendo em conta o estado emocional do sujeito e o seu nível de desenvolvimento); e a prontidão dessas respostas.
Mais recentemente, De Wolf e van ljzendoorn (1997), num estudo meta-analítico, obtêm melhores scores para: a mutualidade, em que a interação mãe/filho(a) tem o mesmo objetivo; a sincronia, em que as transações diádicas são recíprocas e mutuamente gratificantes; o apoio, em que a mãe está atenta e apoia os esforços da criança; a atitude positiva, com expressões de afeto; e a estimulação, o incentivo às ações da criança. Enquanto parceiros de jogo, os pais tendem a proporcionar oportunidades de exploração e de jogos físicos enquanto as mães investem no jogo simbólico, no reforço positivo e na estimulação da linguagem (revisão em Faria, Lopes dos Santos & Fuertes, 2014).
Noutro estudo que relacionou o comportamento afetivo e participação dos pais em atividades de construção com os seus filhos, foi encontrada uma relação entre a qualidade afetiva e o desafio cognitivo da criança (Pinto, Sousa, & Fuertes, 2018). Os pais que estabeleciam relações mais recíprocas, positivas e afetivas eram aqueles que mais desafiavam a criança a explorar problemas desconhecidos, introduziam mais conceitos desconhecidos e estimulavam mais a participação da criança. Este trabalho sugere que em boas relações existe espaço para o desafio e o estímulo à criança. Assim, os comportamentos diádicos que favorecem a participação da criança são aqueles que mais beneficiam a relação e o desenvolvimento da criança (Crittenden, 1999).
Na verdade, fora das relações de vinculação estes comportamentos são igualmente importantes. Como se articulam estes papéis em educação de infância? Os educadores desenvolvem relações próximas e afetivas com a criança enquanto desempenham um papel pedagógico.
Do ponto de vista relacional, as crianças que estabelecem relações positivas com os seus educadores desenvolvem uma imagem positiva de si próprias e melhores relações com os seus pares (e.g., Howes, Matheson, & Hamilton, 1994, Vale, 2009). Em revisão bibliográfica, Portugal (2009) conclui que a qualidade das interações com a educadora influência também o desenvolvimento da auto regulação comportamental e emocional da criança. Outros estudos encontraram relações entre o estabelecimento de uma relação segura com a educadora e maior autonomia na concretização das atividades e das suas tarefas de sala (Howes, 1999).
De igual modo, uma prática pedagógica adequada implica um “ambiente lúdico e uma aprendizagem estimulante” (Portugal, 2009, p.13) em que a criança escolhe a atividade e o educador “apoia, informa, modela, explica, questiona, canaliza o interesse da criança para objetivos socialmente desejáveis” (p.14). O papel do educador é proporcionar um espaço à criança não interferindo na sua escolha, mas incentivando a sua autonomia, criatividade e realização (Portugal, 2009).
Independentemente do modelo pedagógico assumido, existem traços, na relação pais e educadora/ criança, que são comuns: respeito pela criança, espaço que desperte a autonomia e iniciativa da criança; ambiente rico e estimulante; interação, comunicação, diálogo; representação e ênfase na observação (Lino, 2005, Oliveira-Formosinho, 2007).
Em suma, embora distintas, as relações da criança com os pais e com os educadores são, ambas, estruturantes no desenvolvimento da criança. Em particular, uma relação de “qualidade”, com o educador ou com os pais, baseia-se nos mesmos elementos de afetividade, sensibilidade, oportunidade, partilha e estímulo.
Estudos comparativos entre Mães e Educadoras
A generalidade da pesquisa dedica-se a estudar, de forma independente, a relação entre o Educador e a criança e a relação entre mães e filhos(as). Poucos estudos comparam nas mesmas condições os contributos dos educadores e dos pais, particularmente a nível nacional.
A título de exemplo, Veríssimo e colegas (2003) procuraram comparar a qualidade da vinculação em 50 díades, Mãe-criança e Educadora-criança com o questionárioAttachment Q-Sort. A relação mãe-filho(a) foi categorizada em três grupos: seguro e independente, inseguro e dependente e inseguro e independente. O grupo das crianças seguras e independentes com as suas mães foi identificado pelas educadoras como aquele com quem tinham mais proximidade e interações mais frequentes. Noutro estudo, Aguiar e equipa (2005) verificaram que a relação da criança com os pais afetava mais o desenvolvimento da criança do que a relação com o educador. Nesta pesquisa, os autores justificam os resultados com a duração das interações: os pais observados naquele estudo passavam mais tempo em interações “longas” e individualizadas (com pelo menos 20 minutos consecutivos). Com efeito, nestas interações as crianças elaboram sobre a mesma tarefa o tempo suficiente para aceder a processos simbólicos e iterativos que favorecem o seu desenvolvimento.
A equipa Tandem portuguesa (e.g., Fuertes, Lino, Nunes & Sousa, 2018), questionou-se: como se comportariam os educadores e os pais se tivessem o mesmo tempo e as mesmas condições de interação? E se o tempo fosse de 20 minutos? Com efeito, a prática da educação de infância portuguesa, pelo rácio de crianças por adultos e pela sua tradição pedagógica investe sobretudo em atividades de grupo (Portugal, 2009). Os estudos das práticas portuguesas raramente identificam tarefas individualizadas com a duração de 20 minutos (Barroso, et al, 2017). Assim, na esteira de um estudo alemão (Brandes, Andra, Roseler & Schneider-Andrich, 2015) sobre Género e Educação que comparou educadores versus educadoras, a equipa portuguesa observou, numa situação de um para um (adulto-criança), o comportamento interativo de pais e de educadores com a criança durante a realização de uma tarefa de construção conjunta. Num primeiro estudo exploratório, os resultados indicaram claras diferenças entre o comportamento das mães e das educadoras (Barroso, et al., 2017). Com efeito, as educadoras deram mais oportunidade e proporcionaram mais autonomia à criança na concretização da atividade, enquanto as mães investiram no aprimoramento do produto construído e no cumprimento do tempo previsto para a realização da tarefa. Adicionalmente, foi possível observar que as mães utilizavam mais reforço verbal para orientar comportamento e motivar a criança enquanto as educadoras no decorrer da tarefa ensinavam conteúdos. Os autores colocaram a hipótese de que se trata de comportamentos distintos mas complementares na educação da criança.
Também os pais (homens) e os educadores foram alvo de pesquisa. Nos resultados identificamos menos diferenças entre os homens do que quando comparamos mães e educadoras (Veloso, et al., 2018). No entanto, os educadores estimularam mais exploração de novos problemas e conceitos do que os pais.
Já numa pesquisa posterior (Fuertes et al., 2018), com amostras maiores, comparando 45 pais (pais e mães) e 45 educadores (educadores e educadoras), a equipa observa que não existindo diferenças em termos de empatia e sensibilidade com a criança, os educadores desafiaram mais a criança (encorajando-a a criança a experimentar e analisar problemas desconhecidos, colocando perguntas que estimulam a reflexão e usando conceitos desconhecidos da criança) do que os pais. Este tipo de desafio advém do papel pedagógico do educador, decorrendo da sua formação e integrando conhecimento pedagógico e científico (Shulman, 1983). Atitudes mais consentâneas com os princípios pedagógicos atuais são esperados no educador. Alguns pais também desempenharam este papel, mas menos sistematicamente e aparentemente mais intuitivamente como previa o modelo de Lilian Katz (1983). Por outro lado, na esteira de pedagogias ativas e de teorias da motivação para a aprendizagem, os educadores parecem envolver mais a criança na tarefa e proporcionar-lhe mais autonomia na tomada de decisões e na realização de tarefas.
Ora, colocamos a seguinte questão: em que medida a formação pedagógica do educador contribui para estes resultados? Como se comportariam os educadores com os seus filhos? Será que no papel dos pais a intencionalidade pedagógica do Educador prevalece ou será que, como pai ou mãe, os educadores assumem um papel parental? O objetivo deste estudo é averiguar a resposta a estas questões.
Presente Estudo.
Os estudos TANDEM da equipa Portuguesa indicaram que as principais diferenças na interação criança-adulto se deviam, sobretudo, ao comportamento dos Educadores versus Pais e que o género dos participantes tinha pouco impacto nos resultados (Barroso et al., 2017; Fuertes et al., 2018; Veloso et al., 2018).
Para compreender melhor os papéis maternos e profissionais das educadoras, pretendemos estudar comparativamente o comportamento interativo de educadoras com crianças da sua sala (Educadoras), educadoras com os seus filhos ou filhas (Mães-e-Educadoras) e mães com os seus filhos ou filhas (Mães). Pretende-se comparar os grupos quanto à Empatia, Atenção, Reciprocidade, Cooperação, Elaboração/fantasia e Desafio proposto numa atividade lúdica de construção conjunta com materiais e tempo pré-definidos.
Adicionalmente, analisaremos as escolhas de materiais e ferramentas usadas, bem como o tipo e a autoria do produto. Por último, é nosso propósito averiguar o contributo das variáveis demográficas (e.g., idade, género das crianças, escolaridade do adulto e número de filhos) no comportamento interativo dos adultos.
MÉTODOS
Participantes
Participaram neste estudo 61 díades adulto-criança, distribuídas por 20 díades Mãe-filho(a), 21 díades Educadora-criança e 20 díades Mãe educadora - filho(a).
Na amostra, as 61 crianças, 34 meninos e 27 meninas, tinham idades compreendidas entre os 3 e os 5 anos de idade, não apresentavam problemas de desenvolvimento. As crianças frequentavam a creche ou o jardim-de-infância (de acordo com a idade) e, na sua maioria, pertenciam a famílias portuguesas de classe média.
Quanto à comparação dos três grupos (Mães, Educadoras e Mães-e-Educadoras) eram muito aproximados em:
i)Género da criança – as 20 díades Mãe-filho(a) eram compostas por 11 meninos e 9 meninas; as 21 díades Educadora-criança por 10 meninos e 11 meninas e 20 díades Mãe educadora-filho(a) por 10 meninos e 10 meninas.
ii) Idade dos adultos - as Mães tinham em média 36.4 anos (DP=4.46), as Educadoras 34.29 anos (DP=5.4) e as Mães educadoras 35.6 anos (DP=3.10).
iii) Idade das crianças– as crianças filhas do grupo de Mães tinham em média 3.83 anos (DP=.86), as crianças que participaram na atividade com a Educadora 3.45 anos (DP=.50) e as crianças com as suas Mães que exercem a atividade de educadoras 3.75 anos (DP=.91).
iv) Escolaridade dos adultos - nas mães quatro tinham o 12º ano e as restantes eram licenciadas;
v) Nacionalidade dos adultos - todas as participantes eram de nacionalidade portuguesa com a exceção de uma mãe;
vi) e na situação profissional só duas Educadoras e duas Mães educadoras se encontravam desempregadas;
No grupo das educadoras que participaram com os seus filhos, nenhuma das crianças estava inserida no grupo lecionado pela mãe.
O aspeto que mais diferenciou as participantes foi o número de filhos, como se pode observar pela tabela 1, a maioria das Educadoras não tinha filhos.
Procedimentos
A presente pesquisa tem início com a apresentação dos objetivos do estudo e procedimentos aos participantes convidados a colaborar. Para o efeito, foi entregue um folheto explicativo e respondidas todas as perguntas dos participantes. Os intervenientes no estudo consentiram e assinaram um documento autorizando, igualmente, a recolha de imagens.
As Mães concordaram em serem filmadas com os seus filhos ou consentiram que os filhos fossem filmados em interação com a educadora. Igualmente, as Educadoras consentiram em participar e foram informadas dos objetivos e procedimentos de estudo. De igual modo, foi criado um momento de explicação com as crianças e o seu consentimento foi pedido através do desenho, assinatura ou pintura, tendo sido, assim, garantidos os princípios éticos da investigação.
O levantamento de dados demográficos foi realizado através de um inquérito dirigido às Mães, Educadoras e Mães-e-Educadoras pela investigadora do estudo e primeira autora.
O procedimento utilizado para observar o comportamento criança/adulto (díades) e realizar a recolha de dados foi uma filmagem da interação numa situação lúdica quasi-experimental entre Mãe-filho(a), Educadora-criança e a Educadora com o seu filho(a) (sem a presença da investigadora). As filmagens decorreram em contexto de Creche/Jardim-de-Infância (espaço conhecido da criança) ou em domicílio, numa atividade livre de construção conjunta com materiais pré-determinados de acordo com o estudo TANDEM original (Brandes et al., 2012) (sempre os mesmos e nas mesmas quantidades, em todas as atividades de construção).
Foram disponibilizadas duas malas, a que os participantes tiveram acesso (Figura 1), uma contendo materiais (placas de madeira, papel colorido, fio de pesca, ataches, olhos autocolantes, missangas coloridas, palitos, rolhas, papel canelado, feltro, limpa cachimbos, arame fino, caixa de ovos, bolas de esferovite, canudos de papel higiénico, lã, anilhas de metal, palhinhas), e a outra contendo ferramentas (pistola de cola quente, alicate, tesoura, cola líquida, marcadores). Igualmente, foi disponibilizado um cronómetro para que os participantes monitorizassem o tempo de duração da atividade.
Aos participantes foram dadas instruções para que utilizassem livremente os materiais e as ferramentas disponíveis, na construção de um produto (objeto, brinquedo, boneco…), durante 20 minutos.
Cotação e aferição dos dados
No presente estudo, foram analisados i) a qualidade interativa, ii) autoria do produto, iii) tipo de produto, iv) uso de materiais e ferramentas utilizadas na realização do produto.
Qualidade interativa - Para avaliar e estudar a qualidade das interações, foi utilizada uma escala TANDEM criada pela equipa alemã (Brandes et al., 2012). A escala, organizada em 5 categorias (ver Tabela 2), pontuável de 1 a 5 (1 ponto corresponde a “discordo totalmente”; 2 pontos a “discordo um pouco”; 3 pontos a “concordo em parte”; 4 pontos a “concordo bastante” e 5 pontos a “concordo totalmente”). A cotação final foi obtida em consenso por acordo em conferência de cotadores, não sendo necessário calcular o nível de acordo. Os itens da escala são distribuídos pelas seguintes dimensões de análise (ver Tabela 2): empatia, desafio, qualidade interativa (atenção e reciprocidade), tipo de cooperação e conteúdo da comunicação.
Autoria do produto – em conferência os cotadores têm de decidir no fim da cotação se a autoria do produto (material e conceptual) se deve à criança; ao adulto ou a ambos conjuntamente.
Tipo de produto – O produto final resultado da atividade foi. Posteriormente, analisado e classificado, segundo critérios estabelecidos no estudo original TANDEM (Brandes et al. 2012), tendo sido considerados o tipo de figuração: sujeito (figura com olhos representando uma pessoa, figura imaginária, animal ou outro elemento vivo real ou fabulado) e objetos (coisa ou figura sem olhos).
O uso de materiais e ferramentas utilizadas na realização do produto - o uso de materiais e ferramentas foram contabilizados por frequência absoluta (não em número) no total do tempo da atividade. Por outras palavras, não era cotado quantas vezes era usado mas se o material ou a ferramenta eram usados.
ANÁLISE DE DADOS
Os dados foram analisados com recurso a estatística descritiva e inferencial usando a versão 22 do programa SPSS. A estatística descritiva foi usada para calcular as médias e os respetivos desvios padrão das variáveis contínuas em estudo. A estatística inferencial foi usada para calcular as diferenças de médias entre as variáveis dicotómicas e a pontuação dos itens das escalas. O estudo de associações por correlação permitiu descrever a associação entre as variáveis contínuas. O nível de significância foi assumido a .05 e a normalidade da distribuição das variáveis foi testada para efeitos de decisão entre estatística paramétrica e não paramétrica.
RESULTADOS
Qualidade interativa em díades Mãe-filho(a), Educadora-criança e Mãe Educadora-filho(a)
O primeiro objetivo deste estudo era avaliar e comparar a qualidade da resposta interativa das Mães, Educadoras e Mães-e-Educadoras participantes no estudo. Como podemos observar nas tabelas 3, 4 e 5 existem diferenças entre os três grupos em estudo. Optámos pelo estudo a pares que melhor discriminam as diferenças através do teste de médias t-student.
Na tabela 3, quando comparamos as díades Educadora-criança com as díades Mãe-filho(a), é possível verificar que as Educadoras obtiveram pontuações superiores nos seguintes itens:
- reage às observações e emoções da criança de forma adequada e com prontidão;
- encoraja a criança a experimentar e analisar problemas desconhecidos;
- adota as sugestões e/ou iniciativas das crianças;
- espera com paciência pelas decisões da criança;
- coloca perguntas para estimular a reflexão;
- está virada para a criança e procura o contacto visual;
- observa a criança e só participa verbalmente;
- trabalham conjuntamente num objeto existindo uma conciliação de interesses continua;
As Mães em comparação com as Educadoras obtiveram cotações mais elevadas nos seguintes itens:
- atua ela própria e deixa a criança observá-la;
- a Mãe e criança seguem diferentes projetos parciais em atividades paralelas e existe uma conciliação de interesses apenas pontual;
- a criança perde o interesse durante a atividade e revela sinais de aborrecimento;
- organiza a atividade como uma situação de competição;
- organiza a atividade como uma situação de competição com o exterior.
Contudo, quando comparamos Mães-e-Educadoras com os seus filhos com as Educadoras com crianças da sua sala podemos verificar que o primeiro grupo pontua menos nos seguintes itens:
- adota as sugestões e/ou iniciativas da criança;
- tematiza a relação ou aspetos pessoais (atributos, experiências, sentimentos) ou adota os mesmos, se estes partirem da criança;
- está virado para a criança e procura o contato visual com a mesma;
- observa a criança e só participa verbalmente.
Por fim, a comparação entre Mães e Mães-e-Educadoras, na tabela 5, em que se observa que as Mães sem formação pedagógica raramente deixam os seus filhos atuar e encaram a atividade como uma situação de competição.
Distribuição da autoria dos produtos realizados nas díades Mãe-filho(a), Educadora-criança e Educadora-filho(a)
Num segundo objetivo, procurámos analisar a autoria dos produtos. Na tabela 6 verificámos que quando a autoria é atribuída fundamentalmente à criança em oposição a ser realizada em partes iguais pelo adulto e pela criança, o adulto reage mais:
- às observações e emoções da criança de forma adequada e com prontidão;
- apoiando a criança de forma adequada (sem intromissão indesejada nem regras);
- adotando as sugestões e/ou iniciativas da criança;
- esperando com paciência pelas decisões da criança;
- colocando perguntas que estimulam a reflexão;
- estando virado para criança e procurando o contato visual com a mesma;
- observando a criança e só participa verbalmente;
- ambos trabalham conjuntamente num objeto, existindo uma conciliação de interesses continua.
Contudo, quando a autoria do produto material é atribuída aos dois atores em partes iguais, o adulto (ver tabela 6):
- atua ele próprio e deixa a criança observá-lo;
- seguem diferentes projetos parciais em atividades paralelas e existe uma conciliação de interesses apenas pontual.
- organiza a atividade como uma situação de competição;
- organiza a atividade como uma situação de competição com o exterior.
Na análise de frequências podemos verificar, na tabela 7, que nas díades Educadora-criança a autoria do produto é distribuída pelo adulto, pela criança e por ambos, embora em maior número à criança; nas díades Mãe-filho(a) o produto foi atribuído maioritariamente à Mãe; e nas díades Mãe-e- educadora-filho(a) o produto foi realizado em maior número pelos dois atores em partes iguais.
Distribuição do número de materiais e de ferramentas usados nas díades Mãe-filho(a), Educadora-criança e Mãe educadora-filho(a)
No tipo de produto, podemos ver, na tabela 8, que as Educadoras e as Mães-e-Educadoras criaram mais produtos animados, enquanto as Mães realizaram mais produtos animados e inanimados com os seus filhos ou filhas. O tipo de produto não está associado a diferenças na qualidade de interação das díades em estudo.
Distribuição do número de materiais e de ferramentas usados nas díades Mãe-filho(a), Educadora-criança e Mãe educadora-filho(a)
Na tabela 9 apresentamos as médias e desvios padrões de materiais e de ferramentas usados nos três grupos de estudo. Quanto aos materiais utilizados, as Mães usam em média mais materiais do que os outros dois grupos de participantes [F(58)= 3.13; p<.50]. Não existem diferenças estatisticamente significativas quanto ao uso de ferramentas.
Relação entre as variáveis demográficas e qualidade interativa diádica
Género da criança – Quando comparamos as respostas que os meninos e as meninas receberam de todos os participantes, parece que as meninas obtiveram respostas mais adequadas e sensíveis do que os meninos (ver tabela 10). Com efeito, a média total dos comportamentos dos três grupos de estudo (Mães, Educadoras e Mães-e-Educadoras) é superior nos indicadores:
- o adulto dá feedback positivo e respeitador;
- adulto reage às observações e emoções da criança de forma adequada e com prontidão;
- o adulto encoraja a criança a experimentar e analisar problemas desconhecidos;
- o adulto apoia a criança de forma adequada (sem intromissão indesejada nem regras);
-o adulto adota as sugestões e/ou iniciativas da criança;
- adulto espera com paciência pelas decisões da criança;
- ambos trabalham conjuntamente num objeto, existindo uma conciliação de interesses contínua;
- o adulto tematiza a relação ou aspetos pessoais (tributos, experiências, sentimentos) ou adota os mesmos, se estes partirem da criança.
Idade da criança - Recorrendo a um critério conservador de análise, tendo em conta que a amostra é reduzida, nesta síntese consideramos somente os valores de significância com erro inferior a 1%. Perseguindo este critério, verifica-se, na tabela 11, que quanto mais novas são as crianças mais os adultos tendem a:
- reagir às observações e emoções da criança de forma adequada e com prontidão;
- dar feedback positivo e respeitador;
- tematizar a relação ou aspetos pessoais (tributos, experiências, sentimentos) ou adota os mesmos, se estes partirem da criança.
Idade do adulto - Ainda na tabela 11 podemos observar, por outro lado, que quanto mais novo era o adulto mais:
- adota as sugestões e/ou iniciativas da criança;
- coloca perguntas que estimulam a reflexão;
- tematiza a relação ou aspetos pessoais (tributos, experiências, sentimentos) ou adota os mesmos, se estes partirem da criança.
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
O presente estudo procurou comparar o comportamento interativo das Mães, das Educadoras e das Mães-e-Educadoras. Pretendia-se nos três grupos de estudo: 1) comparar a qualidade interativa das Mães, Mães-e-Educadoras e Educadoras quanto à empatia, atenção, reciprocidade, cooperação, elaboração/fantasia e desafio proposto; 2) descrever e comparar a autoria e os produtos realizados pelas díades, bem como as escolhas de materiais e ferramentas; 3) relacionar os dados obtidos com as variáveis demográficas. Para o efeito, as participantes foram observadas, na mesma condição quasi-experimental, como parceiras numa atividade lúdica de construção com uma criança em idade pré-escolar.
Comportamento interativo materno e o comportamento do educador. O primeiro resultado que merece ser sublinhado respeita às diferenças entre os três grupos de estudo compostos por 20 díades Mãe-filho(a), 21 díades Educadora-criança e 20 Mãe educadora-filho(a). Sendo as diferenças entre as díades com Mães (Mãe-filho(a) versus Mães Educadoras-filho(a)) menores do que quando comparadas com as Educadoras em interação com as crianças da sua sala. As Mães distinguem-se das Mães-e-Educadoras por incentivarem mais a competição. Lilian Katz (1983) tinha proposto que as Mães educavam espontaneamente e com preocupação centrada no seu filho (como o sucesso), enquanto as Educadoras educavam para valores sociais e para a integração social guiadas pela intencionalidade pedagógica. Estes dados parecem suportar esta proposta teórica.
Curiosamente, as Mães-e-Educadoras remeteram mais as crianças para um papel de observadoras do que as Mães em geral, afastando-se muito do comportamento das outras Educadoras observadas com crianças da sua sala. No papel de Mães, as Educadoras comportam-se como as outras mães.
É difícil aduzir uma explicação para estes resultados, mas a prevalência do papel materno sobre o papel profissional fará sentido do ponto de vista da evolução e da biologia humana.
Segundo a Teoria da Vinculação proposta por John Bowlby (1969), a vinculação resulta de uma predisposição biológica do bebé e da mãe, universal na espécie, que perdura no tempo, e na sua ausência a criança pode vir a experimentar graves problemas no seu desenvolvimento sócio-emocional. O papel materno marcadamente forjado pela biologia e pela evolução, tal como a reprodução, são prioritário sobre todas as outras tarefas. Os pais protegem e ajudam os seus filhos guiados por processos instintivos e aprendidos social e culturalmente. Todavia, o papel do educador é distinto. As Educadoras com as crianças da sua sala, por seu lado, apresentaram uma conduta pautada pela sua formação profissional e orientada por intencionalidade pedagógica distinguindo-se das restantes participantes por: adotarem as sugestões e iniciativas da criança, por valorizarem a componente relacional e por favorecerem a participação da criança. Na verdade, em todos os itens relacionados com estes aspetos, as Educadoras com as crianças da sua sala obtiveram melhores pontuações do que as Mães. Estes resultados, ainda que menos expressivos, já tinham sido apresentados noutras pesquisas similares (Barroso et al., 2017). Os autores, nessa altura, colocaram a hipótese de que as Mães e as Educadoras desempenhassem papéis distintos mas complementares. Na interação adulto criança, as Mães adotam comportamentos em que modelizam tarefas e comportamentos. Na formulação de Tomasello, Kruger e Ratner (1993), os humanos transmitem comportamentos ontogeneticamente adquiridos assegurando assim a evolução da cultura.
As Mães adotaram uma abordagem de aprendizagem cultural que favorece a modelização e a instrução e as Educadoras, orientadas por uma intencionalidade educativa – observando pressupostos pedagógicos da sua formação profissional – distinguem-se por oferecer à criança um papel mais ativo na aprendizagem.
Assim, a abordagem das Educadoras seria mais próxima de uma aprendizagem colaborativa (Tomasello, Kruger & Ratner, 1993) contrária ao conhecimento transmitido de uma entidade mais madura para uma entidade mais imatura. Deste modo, o conhecimento seria construído na participação na aprendizagem pela descoberta proporcionando à criança a oportunidade de explorar, errar, tentar, colocar e testar hipóteses (Vygostsky, 1979). Em suma, julgamos que a presente pesquisa contribuí para a discussão e compreensão dos papéis maternos e dos educadores.
Participação da criança. Quando a autoria do produto é da criança, o adulto tende a: reagir às observações e emoções da criança de forma adequada e com prontidão; apoiar a criança de forma adequada (sem intromissão indesejada nem regras); adotar as sugestões e/ou iniciativas da criança; esperar com paciência pelas decisões da criança; colocar perguntas que estimulam a reflexão; estar virado para criança e procurando o contato visual; e, a observar a criança e só participa verbalmente. É natural que o adulto que recua para dar espaço à criança, consiga exercer mais reflexão sobre a ação, sobre o seu comportamento e sobre o comportamento da criança como propõe o modelo Touchpoints de reflexão na ação (Singer & Hornsteisn, 2010).
Questões de género. Intrigantemente, as meninas obtiveram respostas mais positivas. Com efeito, as meninas do nosso estudo receberam mais feedback positivo e respeitador; respostas mais pacientes, adequadas e com prontidão; maior encorajamento para experimentar e analisar problemas desconhecidos; respeito e aceitação pelas suas sugestões e iniciativas; e maior tematização da relação ou de aspetos pessoais do que os meninos. Tal traduz-se num trabalho conjuntamente com o adulto, existindo uma conciliação de interesses contínua. A investigação em psicologia do desenvolvimento tem apresentado resultados aparentemente contraditórios no que respeita ao comportamento dos adultos com meninas e meninos. Ainda que a maioria das pesquisas corrobore este resultado, nalgumas pesquisas os meninos são mais apoiados e obtêm uma resposta mais positiva do que as meninas e noutros estudos os resultados são contrários (Brody, 2000; Else-Quest, Hyde, Goldsmith, & Van Hulle, 2006). Na verdade, parece que o adulto e o contexto de interação são importantes mediadores desta relação. No âmbito da pesquisa Tandem, embora as meninas grosso modo recebam um feedback mais positivo dos seus pais e educadores, temos verificado que elas recebem respostas diferentes das Mães e dos Pais, das Educadoras e dos Educadores, conforme o contexto, o seu nível de desenvolvimento e comportamento (Barroso et al. 2007, Ferreira et al. 2016). Por exemplo, as meninas com os pais são mais apoiadas e incentivadas a colocar as suas ideias em prática do que com as mães (Faria et al., 2014; Fuertes et al., 2018). Na verdade, o aprofundamento da pesquisa (pela triangulação de variáveis) tem permitido compreender melhor as questões de género na educação da infância e a plasticidade de papéis. Na pesquisa que envolve a participação da criança numa atividade colaborativa, não encontramos um género preferencial (mais apoiado ou valorizado) mas uma diversidade de oportunidades disponibilizadas quer aos meninos, quer às meninas.
Fator Idade.Nos estudos Tandem (Barroso et al., 2017, Ferreira et al. 2016) a idade dos adultos e da criança tem surgido como um fator importante a afetar o comportamento interativo Com efeito, é natural que o adulto adeque o comportamento conforme se trate de uma criança mais nova ou mais velha. Com a criança mais nova, os adultos tenderam a apresentar comportamentos de maior aceitação, incentivo e estímulo positivo. Com efeito, a publicação científica indica que quanto mais nova é a criança mais estes estímulos contribuem para o seu auto-conceito e auto-imagem (Bowlby, 1969). Os adultos mais novos recorreram mais à simbologia temática do que os restantes, mais ao incentivo, aceitando ideias da criança sem deixar de colocar questões que estimulam a sua reflexão. Na investigação prévia (op cit), os adultos mais jovens apresentam, igualmente, perfis adequados, originais e que arriscaram mais na interação com a criança.
Em suma, estes resultados corroboram os
dados anteriores que indicam a necessidade de considerar a idade,
desenvolvimento e género da criança tanto no desenvolvimento das práticas de
educação de infância como para compreender os papéis dos adultos que com ela
interagem, reportando-nos a um quadro sistémico e bioecológico das interações
da criança. Com efeito, este estudo corrobora a premissa de que a
criança recebe diferentes estímulos de diferentes adultos e em diferentes
contextos, como postulado por Bronfenbrenner (1992). Igualmente, a
presente pesquisa confronta os papéis das mães e das educadoras, e das
educadoras no papel das mães para nos abrir uma nova oportunidade de discussão
sobre o contributo para o desenvolvimento destas influências – a forma como
a criança integra esta informação poderá ser fonte de risco ou de resiliência?
A investigação em contexto experimental e naturalista vai ajudando a mapear
estes contributos e, deste modo, a compreender as condições de desenvolvimento
da criança.
LIMITAÇÕES E SUGESTÕES PARA ESTUDOS FUTUROS
O presente estudo apresenta limitações próprias dos trabalhos experimentais sujeitos ao efeito da filmagem e à observação em condições experimentais idênticas para os grupos de estudo. A prática diária da educação de infância portuguesa e os estudos das famílias portuguesas raramente identificam que a criança está 20 minutos em interação individualizada e cooperativa com um adulto. Como tal, é difícil encontrar espontaneamente este tipo de interação, para estudarmos o comportamento do adulto e da criança, nesta condição a situação teria de ser proporcionada. Não obstante, este elemento (a interação individualizada educador-criança), também é considerado um fator de qualidade (Laevers, 1994). Destas limitações, resulta também uma sugestão: estudar os fatores que explicam a raridade destas interações nas práticas portuguesas, estudar as soluções alternativas usadas pelos educadores em Portugal e o contributo dessas soluções para a prática de educação de infância portuguesa.
Adicionalmente, a amostra é composta por três grupos de estudo com dimensão reduzida o que impede a generalização de resultados.
Contudo, os resultados desafiam-nos a pensar sobre a formação dos educadores e a prática educativa em educação de infância. Neste sentido, seria interessante estudar as auxiliares e verificar o tipo de comportamento e respostas dadas à criança por adultos participantes na educação de infância mas sem formação académica.
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Contacto: Sofia Farinha, Instituto Politécnico de Lisboa, Escola Superior de Educação, Centro Interdisciplinar de Estudos Educacionais (CIED), Campus de Benfica do IPL, 1549-003 Lisboa, Portugal / sophiafarinha@sapo.pt
(Recebido em novembro de 2018, aprovado em maio de 2018)