ARTIGOS

Compreensão na leitura num manual de estudo do meio

Teresa Costa I; Otília Costa e Sousa II; Adriana Cardoso III

I Colégio Cesário Verde terese_alex@hotmail.com

II Escola Superior de Educação de Lisboa, UIDEF otilias@eselx.ipl.pt

III Escola Superior de Educação de Lisboa, Centro de Linguística da Universidade de Lisboa acardoso@eselx.ipl.pt  

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Resumo

A aquisição de competências ao nível da compreensão na leitura apresenta-se, cada vez mais, como o caminho para chegar ao conhecimento. O tipo de texto que se assume como o meio privilegiado de acesso ao conhecimento é o texto expositivo. Como tal, é importante que os textos a que os alunos têm acesso diariamente na sala de aula (nomeadamente, os textos dos manuais) sejam adequados ao desenvolvimento dessas competências.Neste estudo, analisaram-se os textos expositivos do manual de Estudo do Meio do 4.º ano mais adotado em Portugal no ano letivo 2010/2011. Em concreto, apurou-se a percentagem de textos expositivos existentes no manual, analisou-se a sua estrutura (Meyer, 1985), o tipo de questões que os acompanham, bem como as relações entre as perguntas e as respostas (Raphael, 1986, cit. em Giasson, 2000). O manual foi ainda analisado à luz do que é preconizado pelos documentos oficiais do Ministério da Educação. [1]

Palavras-chave: didática da Língua Portuguesa; texto expositivo; compreensão na leitura; manual escolar; acesso ao conhecimento.

 

Abstract

The acquisition of skills for reading comprehension is increasingly presented as the way to knowledge. Expository texts stand out as preferred means of access to knowledge. As such, it is important that the texts that students have access to daily in the classroom (eg, textbooks) are suitable for development of these skills. In this study, we analyzed the textbook of Environmental Studies for the 4th year that was more used in Portugal in the academic year 2010/2011. Specifically, we ascertained the percentage of expository texts, we analyzed their structure (Meyer, 1985), the type of issues that accompany them, as well as the relation between questions and answers (Raphael, 1986 cit. in Giasson, 2000). The textbook was also analyzed in the light of what is recommended by the official documents of the Ministry of Education.

Keywords: teaching of the Portuguese language; essay; reading comprehension; textbook; access to knowledge.

 

Résumé

L'acquisition de compétences de compréhension de lecture constitue, de plus en plus, le moyen d'obtenir des connaissances. Le type de texte qui se démarque comme le moyen privilégié d'accès à la connaissance est le texte expositif. C’est pourquoi, il est important que les textes auxquels les élèves ont accès quotidiennement dans la salle de classe (par exemple, les textes des manuels) soient adaptés pour le développement de ces compétences. Dans cette étude, nous avons analysé les textes informatifs du manuel  d’étude de l’environnement  de la 4ème année, le plus utilisé au Portugal durant l'année scolaire 2010/2011. Plus précisément, nous avons calculé le pourcentage de textes informatifs existants dans le manuel, nous avons analysé leur structure (Meyer, 1985), le type de questions qui les accompagnent, ainsi que les relations entre les questions et réponses (Raphael, 1986 cit. dans Giasson, 2000). Le manuel a également été analysé à la lumière de ce qui est recommandé par les documents officiels du ministère de l'Éducation.

Mots-clés: didactique de la langue portugaise; texte expositif; compréhension de la lecture; manuel scolaire; accès à la connaissance

 


1. INTRODUÇÃO

A presente investigação insere-se no domínio da didática da Língua Portuguesa, em particular no âmbito da competência leitora. A maioria das investigações já realizadas sobre a compreensão na leitura centra-se, essencialmente, nas questões didáticas e nas estratégias que deverão ser utilizadas pelos professores em sala de aula. Contudo, dado o papel que os manuais desempenham no processo de ensino-aprendizagem, considerou-se que uma linha de investigação a explorar seria a de analisar manuais escolares (de diversas áreas disciplinares) tendo em conta os géneros textuais predominantes e o desenvolvimento de competências de compreensão na leitura que preconizam.

Tendo em conta as exigências da sociedade atual relativamente às competências de leitura, considera-se que a leitura é uma das competências fundamentais a desenvolver ao longo da vida. Sim-Sim (2007, p. 5) afirma mesmo que “saber ler é uma condição indispensável para o sucesso individual, quer na vida escolar, quer na vida profissional”. A mesma posição é defendida no relatório PISA de 2009 (OECD, 2010, p. 18): “success in reading provides the foundation for achievement in other subject areas and for full participation in adult life”.

A compreensão na leitura tem sido alvo de diversos estudos, nomeadamente através do PISA. Os últimos dados disponíveis, relativos à avaliação realizada em 2012, situam Portugal um pouco abaixo da média da OCDE, apresentando, no entanto, uma evolução desde a última avaliação. Em 2009, encontrava-se a 9 pontos da média e, em 2012, encontra-se a sete (OECD, 2014). Apesar de Portugal se situar perto da média da OCDE, a verdade é que os resultados a este nível não melhoram significativamente e ainda existe muito trabalho a fazer para se continuar a progredir ao nível da leitura. Se é verdade que já foi percorrido um longo caminho, também se nos afigura necessário desenvolver competências de leitura de nível mais avançado. Na análise dos resultados do PIRLS de 2011, verificou-se que só 9% dos alunos de 4.º ano alcançam o nível avançado e 47% alcançam o nível elevado.

Os investigadores tentam explicar os resultados equacionando várias causas, entre elas o facto de os textos que aparecem nos manuais (e que são, por vezes, o recurso a que mais facilmente os alunos podem aceder) não estarem construídos de forma a auxiliá-los no processo de compreensão dos mesmos. Considerando que a compreensão do texto expositivo é essencial para o percurso académico dos estudantes, tentou-se, com este estudo, perceber de que forma é que este tipo de texto é abordado e como é concebido o desenvolvimento das competências de leitura no manual de Estudo do Meio do 4.º ano mais adotado em Portugal no ano letivo 2010/2011.

Apesar de os manuais serem alvo de diferentes abordagens na literatura, no presente trabalho a análise adotada centra-se conteúdo, explorando-se, sobretudo, a abordagem dos textos expositivos do ponto de vista do desenvolvimento de competências de compreensão na leitura e do acesso ao conhecimento

 


2. O TEXTO EXPOSITIVO NOS MANUAIS ESCOLARES E O ACESSO AO CONHECIMENTO

Os textos expositivos têm como objetivo informar, descrever ou relatar (Moss, 2004). A sua importância prende-se com o facto de constituírem o principal recurso textual utilizado pelos alunos no acesso ao conhecimento, pois são a forma de organização da maioria da informação pesquisada, tanto em livros, como na internet, por exemplo (Schmar-Dobler, 2003). De acordo com os estudos de Goldman (2012), ser alfabetizado significa ser capaz de utilizar a leitura e a escrita para adquirir conhecimento, resolver problemas e tomar decisões no âmbito académico, pessoal ou profissional. O desenvolvimento de competências ligadas ao processo de alfabetização lança, tanto a alunos como a professores, quatro desafios que devem ser tidos em consideração quando se trabalha nesta área: os leitores de sucesso devem conseguir aceder a informação que esteja para além do que está explícito no texto; os leitores eficazes devem ser capazes de adaptar as suas habilidades de leitura às especificidades do texto que estão a ler, recorrendo ao conhecimento que já possuem e usando diferentes estratégias de leitura; os leitores devem dominar e compreender uma grande diversidade de géneros textuais (que se diversificaram exponencialmente com o desenvolvimento das novas tecnologias); por último, é importante que o leitor seja capaz de avaliar as fontes de informação a que têm acesso, adotando uma postura crítica perante a leitura.

Ainda que importantes e omnipresentes nas Áreas Disciplinares, normalmente, os alunos apresentam muitas dificuldades na compreensão do texto expositivo, originadas, por um lado, pela falta de ensino explícito de estratégias de leitura direcionadas para a compreensão (Colomer & Camps, 2002) e, por outro, pela sua diversidade estrutural.

Ao contrário do texto narrativo, que tem como intenção contar uma história, respeitando, normalmente, sempre a mesma estrutura, cada texto expositivo pode apresentar uma estrutura diferente, por vezes bastante complexa, sendo frequentes textos compostos por mais do que uma estrutura. Dadas a diversidade e a mistura de estruturas, é importante que, desde cedo, as crianças comecem a desenvolver competências ao nível da leitura e da compreensão de textos expositivos. Assim, assume-se como essencial a melhoria das práticas de ensino neste domínio. É um trabalho que tem de passar necessariamente por uma dinâmica de sala de aula em que explicitamente se ensine a ler e se desenvolvam estratégias cognitivas e metacognitivas, mas também em que se desenvolva a capacidade de questionamento do real. É ainda crucial que se dê primazia à explicitação das diferentes estruturas apresentadas por estes textos e se ensinem os alunos a extrair informação do que é lido (Reis et al., 2009).

Quando se analisou a situação nacional, percebeu-se que existem documentos orientadores que guiam os professores no sentido de otimizarem o trabalho que desenvolvem em torno dos textos expositivos. Para além dos documentos publicados, foi ainda implementado o Programa Nacional de Ensino do Português [2], que pretendia levar os professores a refletir sobre as suas práticas e a melhorá-las de acordo com o que os estudos apontam ser o caminho para o sucesso dos alunos.

No entanto, os últimos dados das provas de aferição nacionais revelam que a compreensão na leitura é uma competência que, ao nível do quarto ano, ainda apresenta resultados baixos. Numa análise mais aprofundada dos estudos efetuados no âmbito das práticas dos professores, percebeu-se que estas não estão a alterar-se como seria desejável, porque estes ainda utilizam como recurso primordial o manual escolar, colocando-o, muitas vezes, em substituição dos Programas Oficiais (Nunes, 2005; Pinto, 2003; Reis et al., 2009). Tal facto significa que, para haver uma mudança das práticas, terão de existir, obrigatoriamente, alterações ao nível dos manuais escolares.

É importante, então, perceber que tipo de problemas e, consequentemente, de alterações é que precisam de ser realizadas nos manuais, quando nos direcionamos especificamente para o trabalho com os textos expositivos. De acordo com Miguel (1993), os problemas apresentados pelos textos escolares podem agrupar-se em torno de 4 dimensões:

1- Uma pressuposição do conhecimento dos alunos excessiva e pouco realista:

- introduzem-se muitos conceitos novos em poucas palavras;

- toma-se como ponto de partida um assunto que não foi referido anteriormente e que, provavelmente, é desconhecido para o leitor;

- requerem-se muitas inferências por parte do leitor.

2- Os textos requerem do aluno uma contribuição excessiva para garantir a coerência:

- faltam elementos de continuidade entre o título do texto e o início do texto, o que pressupõe a realização de muitas inferências.

 3- Os textos precisam de definir metas claras em termos de conteúdo e um plano correspondente para as alcançar:

- apresenta-se uma lista de ideias sobre o tema do texto mas não existe uma ligação entre as mesmas.

 4- Os textos não são transparentes no que diz respeito à sua estrutura:

- escrevem-se os textos de uma forma que não deixa perceber como se devem unir as ideias umas às outras, como se pode diferenciar o seu grau de importância e como é que se devem articular entre si.

Acredita-se que a solução para estas situações passa, entre outras hipóteses, pela reescrita dos textos, uma vez que os alunos que leem textos reescritos apresentam melhores resultados ao nível da compreensão do que os alunos que leem textos originais (cf. Beck & Mckeown, 1991; Miguel, 1993).

Pelo que se pode constatar, ainda há um longo caminho a percorrer no que se refere à melhoria dos textos expositivos nos manuais. É necessário que os autores respeitem as necessidades do leitor: o que já é suposto saber sobre o assunto; o vocabulário que já conhece e o que é novo e implica uma explicitação; e uma definição de estrutura em que as ideias estão organizadas e articuladas, privilegiando a utilização de elementos de ligação para que o texto seja o mais coerente possível.

Pelos motivos apontados, a questão das caraterísticas e da qualidade dos textos continua a ser uma reflexão bastante pertinente para a comunidade educativa, uma vez que os textos expositivos acompanham os alunos ao longo da sua vida académica e profissional, constituindo-se como um meio privilegiado para a construção do conhecimento.

 


3. A COMPREENSÃO DO TEXTO EXPOSITIVO

A compreensão na leitura é uma competência que aparece no currículo como a capacidade de os alunos lerem um texto, compreenderem o que leram e utilizarem a informação existente no texto para construir conhecimento sobre os mais diversos temas. Apesar de ser uma competência transversal a todas as áreas do currículo, a verdade é que nem todos os alunos conseguem apresentar bons resultados ao nível desta competência. Vejam-se, entre outros, os resultados das provas de aferição e os resultados do PIRLS (2011).

Os dados dos relatórios de aplicação das Provas de Aferição de Língua Portuguesa do 1.º ciclo, realizados em 2010, 2011 e 2012 e disponibilizados pelo GAVE, sustentam esta tese, indicando que a classificação média nacional por competência situa, em termos percentuais, a leitura em 68%, 72% e 69%, respetivamente, enquanto a escrita se situa nos 73%, 65% e 60%, respetivamente, e o conhecimento explícito da língua se situa nos 73%, 70% e 68%, respetivamente. Todos estes resultados espelham necessidades de ensinar a ler com mais qualidade.

Os resultados obtidos ao nível da compreensão na leitura levantam, pois, algumas questões importantes no que diz respeito à compreensão dos diferentes tipos de texto, em geral, e do texto expositivo, em particular. Neste âmbito, o texto expositivo merece especial atenção, dado que é o tipo de texto que veicula por excelência os conteúdos escolares (Heydari & Mustpha, 2009).

Colomer e Camps (2002) referem que o problema se situa ao nível do trabalho da sala de aula, uma vez que “os alunos leem textos relacionados com as diferentes matérias do currículo para aprender os seus conteúdos, sem que, de uma maneira geral, lhes tenham ensinado a ler textos informativos” (p. 53).

O guião de implementação do Novo Programa de Língua Portuguesa dedicado à leitura refere que o “trabalho mais habitual incide sobre o texto narrativo” (Silva, Bastos, Duarte, & Veloso, 2010, p. 10). No entanto, segundo os mesmos autores, é importante diversificar os tipos textuais, uma vez que o nível de compreensão do texto será tanto maior quanto mais desenvolvido estiver o conhecimento das diferentes estruturas dos textos (cf., entre outros, Dymock, 2005; Montelongo, Berber-Jiménez, Hernandéz, & Hosking, 2006; Montelongo, Herter; Ansaldo, & Hatter, 2010).

Estudos recentes continuam a dar grande importância ao trabalho da compreensão na leitura desde os primeiros anos, defendendo mesmo que devem ser utilizadas estratégias com vista ao aumento do vocabulário das crianças logo desde o jardim de infância. Para além disso, estes estudos alertam-nos para o facto de o trabalho de compreensão na leitura ter diminuído ao nível do 1.º ciclo, o que poderá vir, a longo prazo, a ter impacto substancial nos resultados, tal como é referido, entre outros, por Duke e Block (2012).

Assim, é importante que os professores tomem consciência de que os alunos precisam de aprender a compreender o texto expositivo, o que deve passar especificamente por uma explicitação das diferentes estruturas que este pode apresentar. O trabalho de sala de aula que os vários autores consideram essencial para uma melhoria ao nível da compreensão na leitura poderá ser apoiado por recursos construídos tendo por base a importância do desenvolvimento de competências de leitura ligadas ao acesso ao conhecimento.

Um desses recursos é, sem dúvida, o manual escolar. Os manuais deverão servir de apoio ao trabalho de sala de aula, mas também ao trabalho autónomo dos alunos, ajudando-os a progredir no caminho do conhecimento. Devem ser manuais que, para além de apresentarem textos bem organizados, contemplem: (i) atividades de pré-leitura que permitam a ativação de conhecimentos prévios sobre o tema em questão; (ii) atividades que acompanhem a leitura do texto, como estratégia de monitorização da compreensão da leitura e (iii) atividades de pós-leitura, para que o aluno consiga ligar a informação que já conhecia à informação veiculada pelo texto e, a partir daí, construir novo conhecimento.

 


4. MANUAL SELECIONADO PARA O ESTUDO

Na impossibilidade de analisar todos os manuais existentes no mercado, solicitou-se diretamente à Direcção de Serviços de Desenvolvimento Curricular (DSDC) da Direção Geral da Inovação e Desenvolvimento Curricular (DGIDC) a listagem dos manuais mais adotados em Portugal no ano letivo 2010/2011.

O manual selecionado para esta investigação foi o manual de Estudo do Meio mais comercializado em Portugal: Pasta Mágica ‑ Estudo do Meio 4, da Areal Editores (cf. Rodrigues, Pereira, Borges, & Azevedo, 2010).

Este manual [3] está estruturado em 6 blocos, que correspondem aos blocos estabelecidos no programa. Os blocos estão divididos em capítulos e os capítulos em temas ou lições de extensão média. A organização do manual obedece a uma lógica de aprendizagem (do conhecimento do eu para o conhecimento do que me rodeia). As aprendizagens não incluem objetivos, resumos, nem a indicação de pré-requisitos. Depois dos textos, aparecem somente exercícios de aplicação, esquemas dos conteúdos abordados e atividades ligadas à Expressão e Educação Plástica. Ao longo do manual, constata-se uma certa regularidade na repartição dos objetivos da aprendizagem, que segue uma progressão adequada às exigências da didática específica e denota-se coerência interna do manual.

A informação presente no manual permite inúmeras abordagens e reflexões. Para a presente investigação, interessaram apenas os aspetos relevantes para o estudo da compreensão na leitura em textos expositivos.

A secção identificada pelas autoras como “Desenvolvimento dos temas” não está delineada fisicamente no manual. Pela análise da informação apresentada por este recurso, pode-se deduzir que se integram nesta secção todos os textos com informações sobre os diversos conteúdos do programa, bem como todas as atividades que os acompanham.

 

5. ESTRUTURA DOS TEXTOS APRESENTADOS PELO MANUAL

A análise dos textos do manual foi realizada tendo por base a tipologia de textos apresentada no Dicionário Terminológico, a saber: textos conversacionais, textos narrativos, textos descritivos, textos expositivos, textos argumentativos, textos instrucionais, textos preditivos e textos literários. Após a análise de cada um dos textos e da sua categorização, concluiu-se que o manual é bastante homogéneo no que se refere à tipologia de textos apresentados, dado que todos eles são do tipo expositivo (ver Figura 1).

Embora pertençam todos à mesma tipologia, os textos diferem na sua organização e podem ser agrupados em diversas categorias, de acordo com a sua organização lógica de base. Para a realização desta categorização, utilizou-se a classificação apresentada por Meyer (1985), que comporta cinco categorias ou modos de organização: coleção; causalidade; resposta; comparação e descrição.

Dado que os textos nem sempre pertencem inequivocamente a apenas uma destas categorias, foram tomadas algumas opções metodológicas para a classificação dos textos. Como refere Adam (1993), em geral não há textos homogéneos, mas sim sequências textuais complexas e heterogéneas. Dada a heterogeneidade dos textos que compõem o manual, seguiu-se na classificação a estrutura dominante (como referido em Adam, 1993). Por motivos metodológicos, na nossa análise considerou-se para efeitos de classificação somente o texto que é apresentado para cada conteúdo, excluindo caixas de destaque de texto que possam surgir no meio ou no final dos textos. Os dados recolhidos são apresentados na Figura 2.

A análise da Figura 2 permite-nos verificar que existe uma categoria de textos (descrição) que predomina em relação às restantes. Existem apenas 6 textos classificados como descrição e coleção, 1 texto classificado como coleção e 1 texto classificado como resposta e coleção. Verifica-se também a inexistência de textos das categorias causalidade, resposta e comparação.

 

6. O TRABALHO DE COMPREENSÃO NA LEITURA NO MANUAL ANALISADO
Neste estudo, um dos nossos objetivos foi o de verificar de que forma é que as orientações sobre o tipo de textos e atividades que devem surgir no manual dos alunos são seguidas pelos autores do manual em análise.

Após a análise do texto e das questões que o acompanham, foi possível concluir que a abordagem veiculada pelo manual não respeita os princípios propostos na literatura sobre o trabalho da compreensão na leitura. Em primeiro lugar, porque não há uma boa ativação de conhecimentos prévios nem de formulação de hipóteses sobre a informação que poderá estar no texto e sobre o tema que aparece no título, por exemplo. Em segundo lugar, porque, durante a leitura do texto, não são propostas atividades que auxiliem os alunos na monitorização da compreensão. Finalmente, porque, depois da leitura do texto, não são sugeridas atividades que levem os alunos a cruzar a informação nova com a já conhecida, no sentido de construírem conhecimento.

É ainda importante referir que, ao longo das páginas em que são apresentadas as questões (Secções “Já aprendi. Vou praticar”), não há uma conceção do aluno como construtor dos conhecimentos, não há atividades guiadas para a construção de conhecimentos nem intencionalidade de ensinar a ler/desenvolver na fase em que os alunos se encontram: ler para aprender (Chall, 1983; Sousa, 2007).

Ainda no âmbito da reflexão sobre as atividades de compreensão na leitura existentes no manual, procedeu-se a uma análise da tipologia das questões apresentadas, bem da relação pergunta/resposta. A análise visava perceber, por um lado, se as questões e atividades propostas refletem o que é proposto na literatura sobre este tema, ou seja, se contemplam os três momentos essenciais do processo de leitura (pré-leitura, durante a leitura e após a leitura, tal como proposto por Giasson, 2000). Por outro lado, pretendia-se perceber se, de alguma forma, as questões e as atividades propostas auxiliam os alunos no cruzamento da informação já conhecida com a informação nova, no sentido de construir conhecimento.  Por fim, procurava-se identificar se as questões visavam a mobilização de estratégias cognitivas diferenciadas, isto é, se existia uma diversificação em termos de tipologia de perguntas (cf. Albanese 1999; Raphael 1986, cit. em Giasson, 2000).

Em termos de tipologia, decidiu-se classificar as questões de acordo com os itens que, normalmente, aparecem nas provas de aferição nacionais. Já quanto à relação pergunta/resposta, os itens apresentados foram selecionados da lista de descritores de desempenho de leitura do 3.º e 4.º anos do Novo Programa de Português (Reis et al., 2009), de acordo com o tipo de texto apresentado pelo recurso analisado.

Relativamente à tipologia de questões, a recolha de dados foi realizada tendo em conta as seguintes categorias: construção de resposta; escolha múltipla; ligação; classificação de verdadeiro ou falso; legendagem de figuras/siglas; preenchimento de quadros; ordenação de itens; preenchimento de lacunas. Os dados obtidos através da contagem e classificação das questões são apresentados na Figura 3.

A análise da Figura 3 permite-nos verificar que:

- há uma predominância das questões em que é solicitada a redação de uma resposta (63%);

- o preenchimento de lacunas apresenta a segunda maior percentagem (12%);

- não existem questões que solicitem aos alunos a ordenação de itens;

- há uma proximidade no número de questões de legendagem de figuras/siglas (9%), verdadeiro ou falso (5%) e ligação (8%);

- o preenchimento de quadros (1%) e as perguntas com resposta de escolha múltipla (2%) têm pouca representatividade nas perguntas propostas.

Através da análise dos dados é ainda possível perceber que existe alguma preocupação com a diversidade das questões propostas. No entanto, uma vez que estamos perante uma área curricular disciplinar em que devem ser utilizadas estratégias de cariz mais investigativo, nomeadamente a recolha e organização de dados (cf. Ministério da Educação, 2004, p. 103), a predominância de questões de construção de resposta que exigem apenas a reprodução de conceitos não favorece o desenvolvimento de competências no âmbito da compreensão na leitura.

A análise das relações pergunta-resposta apresentada de seguida abrange todas as questões das secções “Já aprendi. Vou praticar” e é realizada à luz da classificação apresentada por Raphael (1986, cit. por Giasson, 2000).

Quando é colocada uma pergunta ao aluno, a resposta pode encontrar-se numa só frase do texto ou em diversas frases. Também poderá ser necessário construir a resposta, combinando o que o aluno sabe com o que o autor diz ou então utilizando somente os conhecimentos que o aluno possui sobre o tema. Na Figura 4 é apresentada a classificação das relações entre perguntas e respostas apresentada por Raphael (1986, cit. por Giasson, 2000):

A análise da relação entre as perguntas/respostas tendo por base a tipologia proposta por Raphael (1986) é apresentada na Figura 5.

A leitura da Figura 5 permite-nos verificar que quase metade das questões (47%) implica uma resposta cuja informação se encontra numa só frase do texto. Dado que, normalmente, a informação é fácil de localizar, o aluno só terá de a copiar do texto para o espaço da resposta sem, muitas vezes, ter de fazer alterações ao nível da construção frásica.

Por outro lado, 29% das questões solicitam ao aluno a localização da informação presente em diferentes frases do texto. Numa primeira leitura destes dados, poder-se-ia inferir que o objetivo destas questões será o de desenvolver nos alunos competências ao nível da compreensão e do relacionamento de ideias tendo em vista a construção de uma resposta. No entanto, não é isso que acontece. Estas questões foram classificadas desta forma porque, normalmente, a informação aparece em duas frases ou dois parágrafos. Contudo, como as frases/parágrafos são contíguos no texto, a tarefa não oferece qualquer dificuldade ao aluno, que acaba por realizar o mesmo trabalho que nas questões em que a resposta se encontra numa só frase: copiar a informação, muitas vezes, literalmente.

Na Figura 5, observa-se ainda que 12% das questões solicitam ao aluno um cruzamento de informação que já conhece com o que é transmitido pelo autor. O conhecimento que o aluno deverá mobilizar está, muitas vezes, relacionado com questões de cultura geral e do quotidiano. Por sua vez, 10% das questões solicitam ao aluno a consulta de imagens ou esquemas. Normalmente, estes esquemas estão preenchidos e o aluno não precisa de os compreender para responder à pergunta.

Por fim, é de notar que apenas em 2% das questões se espera que o aluno responda tendo em conta somente os seus próprios conhecimentos. Normalmente, estas questões estão relacionadas com a pesquisa de dados relativos à comunidade onde vivem os alunos e, dado que o manual é criado para ser utilizado por alunos residentes em todas as regiões do país, não é possível colocar informação relativa a todas as regiões no manual.

Em suma, após a análise dos dados acima expostos, verificou-se que este manual, ao nível das questões que coloca, é um recurso que apresenta uma abordagem dos conteúdos do tipo: lê, responde. Na maioria dos casos, os alunos leem um texto sobre um determinado assunto, observam algumas figuras, quadros ou até caixas de destaque de texto com curiosidades e depois são convidados a transpor essas informações para os espaços dos questionários. Há uma clara valorização das questões literais em detrimento das questões inferenciais, críticas e de organização (cf. Viana et al., 2010).

Uma vez que a maioria das respostas às questões se encontra numa só frase do texto e o vocabulário utilizado nas questões e no texto é muito próximo, o aluno não terá de compreender verdadeiramente o texto para responder corretamente às propostas. Desta forma, não se trabalha a compreensão do texto nem se ensina os alunos a compreender autonomamente um texto expositivo.

 


7. O MANUAL ESCOLAR E O PROGRAMA, A INTERDISCIPLINARIDADE E O ENSINO POR COMPETÊNCIAS

O programa do 1.º ciclo apresenta-nos uma perspetiva de ensino muito interessante e claramente direcionada para o que se acredita ser uma abordagem de qualidade em sala de aula: “incentivar a aquisição de competências para selecionar, interpretar e organizar a informação que lhe é fornecida ou de que necessita” (Ministério da Educação, 2004, p. 15).

No entanto, esta não é a perspetiva veiculada por um manual que apresenta textos para leitura e depois solicita aos alunos a mera cópia de algumas informações para os espaços de resposta, sem, muitas vezes, como foi possível verificar na análise das questões, ser necessária sequer a transformação das frases do ponto de vista da sua estrutura gramatical.

Para além disso, são textos distantes dos que normalmente aparecem nas pesquisas dos alunos e não são acompanhados de propostas de trabalho que guiem a leitura do aluno, mostrando-lhe quais as estratégias de compreensão na leitura que devem utilizar quando estão perante textos expositivos.

Como é que se pode falar de um desenvolvimento da “competência de leitura relacionando os textos lidos com as suas experiências e conhecimento do mundo” (Ministério da Educação, 2004, p. 138), quando não é pedido aos alunos a partilha dos conhecimentos que já possuem, a formulação de hipóteses sobre o texto que vão ler, o acesso a significados desconhecidos, a seleção e esquematização da informação e a verificação, no final, das hipóteses colocadas inicialmente?

O conceito de interdisciplinaridade indica-nos um caminho de cruzamento e interação entre várias disciplinas que, de acordo com Berger (1972), citado em Pombo (s.d., p. 2) “pode ir desde a simples comunicação das ideias até à integração mútua dos conceitos directivos, da epistemologia, da terminologia, da metodologia, dos procedimentos, dos dados e da organização da investigação e do ensino correspondentes.”

No entanto, a análise realizada permitiu-nos verificar que, neste manual, não são mobilizadas as competências de leitura trabalhadas ao nível da Língua Portuguesa, ou seja, pretende-se somente transmitir conhecimentos relativos aos temas do programa de Estudo do Meio sem ter em atenção a explicitação de estratégias de compreensão na leitura.

Dado que as autoras do manual de Estudo do Meio analisado são também as autoras do manual de Língua Portuguesa da mesma coleção – Pasta Mágica –, esperar-se-ia uma maior articulação entre as duas áreas, através da utilização, no manual de Estudo do Meio, de estratégias de compreensão na leitura que, provavelmente, existirão no manual de Língua Portuguesa da mesma coleção. Conseguia-se, desta forma, um desenvolvimento de competências ao nível da aprendizagem da compreensão na leitura e ao nível das literacias da informação.

Seria também importante que os autores se preocupassem em estender o ensino de estratégias de compreensão a outros tipos de texto e não apenas ao narrativo, apostando em atividades de leitura que privilegiassem a mobilização de competências da Língua Portuguesa, como processo de ativação de conhecimentos, capacidades e estratégias, tal como é referido no currículo do ensino básico. Assim, os alunos poderiam ser incentivados a realizar trabalho ao nível da compreensão na leitura de textos expositivos, no momento de leitura dos textos que aparecem nos manuais de Estudo do Meio, tornando, assim, a aprendizagem da leitura mais significativa. Com este tipo de dinâmica, conseguir-se-iam melhores resultados ao nível da compreensão na leitura e, consequentemente, do acesso ao conhecimento.

Finalmente, no que se refere ao ensino por competências, considerou-se importante verificar o que é veiculado pelo Currículo Nacional [4]. As orientações curriculares apresentadas em 2001, retomadas, em larga medida, pelos autores dos programas de Português em 2009, remetem-nos para uma dinâmica de trabalho diferente da que tinha vindo a ser implementada nos anos anteriores. Procurava-se a passagem de um ensino mais transmissivo (embora os programas de 1991 já tentassem ultrapassar este paradigma) para um trabalho sobre os conteúdos baseado na resolução de problemas, no trabalho cooperativo, na utilização das TIC, na realização de atividades investigativas, no desenvolvimento de projetos e na intervenção no Meio, por exemplo. Estes pressupostos deveriam servir de base à construção dos manuais escolares, uma vez que são estas as orientações oficiais que devem nortear o trabalho do professor como gestor de um currículo que se quer aberto e flexível.

O manual de Estudo do Meio em análise não reflete estes princípios orientadores da atividade pedagógica. Pelo contrário, trata-se de um manual que se afasta das questões com que os alunos se confrontam no seu quotidiano e que não apresenta situações concretas do dia-a-dia, que podem ocorrer quer na escola quer no meio que rodeia os alunos. Ora estas situações poderiam constituir motores de aprendizagem e ser analisadas experimentalmente através da observação, da colocação de hipóteses e da busca de soluções.

No manual analisado não há, desta forma, espaço para um percurso de questionamento, de reflexão e de desenvolvimento do pensamento crítico, para a resolução de problemas ou até para o desenvolvimento de trabalhos de projeto. Dito de outro modo, não se promove a construção de atitudes investigativas em que se espera também o desenvolvimento de competências ao nível da comunicação oral e escrita.

Em suma, apesar de haver uma referência, no início do manual, ao Programa do 1.º Ciclo e ao Currículo Nacional, ao longo deste não são apresentadas estratégias que sigam o que é preconizado por estes documentos.

Assim, é possível concluir que, mesmo dez anos após a publicação do Currículo Nacional, ainda se continua a encontrar nas nossas escolas manuais escolares que não respeitam o espírito e a letra dos currículos e que não servem as finalidades apontadas pela tutela nos princípios orientadores dos programas, não estando, por isso, adaptados às mudanças previstas pela legislação portuguesa.

Esta situação leva-nos a levantar algumas questões, nomeadamente: Será que os professores conhecem as limitações dos textos apresentados pelo manual escolar e a forma como, na maioria dos casos, estes se afastam do que é preconizado pelos programas, em termos de aprendizagem? Será que há reflexão sobre materiais e recursos de modo a repensar o papel do manual enquanto recurso privilegiado da sala de aula? Por que razão os manuais estão tão distantes dos documentos orientadores, no que concerne à concetualização da aprendizagem e da construção de conhecimento?

 


8. CERTIFICAÇÃO DO MANUAL ANALISADO

Em 2006 (Lei n.º 47/2006, de 28 de agosto), foi legislado o regime de avaliação, certificação e adoção aplicável aos manuais escolares. Pretendia-se que existisse uma atualização dos manuais adotados nas escolas, baseada em critérios de avaliação que foram definidos no Decreto-lei n.º 258-A/2012, de 5 de dezembro.

O manual analisado foi certificado pela Entidade Acreditada sediada na Escola Superior de Educação de Viseu e foi publicado em 2013 (cf. Rodrigues, Pereira, Borges, & Azevedo, 2013).

Uma vez que no âmbito da investigação sobre o manual publicado em 2010 foram colocadas algumas questões bastante pertinentes para a temática da compreensão na leitura, considerou-se importante perceber se havia alterações a este nível no novo manual.

Assim, procedeu-se à análise do novo manual, embora menos exaustiva do que a realizada no manual anterior [5] , de forma a verificar as alterações efetuadas, nomeadamente no que se refere à utilização de estratégias de compreensão na leitura.

No geral, o manual apresenta uma estrutura semelhante ao manual anterior, no entanto, a comparação dos índices dos dois manuais permitiu verificar que não existem grandes alterações ao nível da distribuição dos conteúdos abordados. O bloco “Á Descoberta dos Materiais e Objetos” passou a estar em quinto lugar, ficando em último lugar, no bloco 6, o tema “À Descoberta das Inter-relações entre a Natureza e a Sociedade.

Foram introduzidas atividades experimentais em todos os blocos, à exceção do bloco 2 “À Descoberta dos Outros e das Instituições”. Estas propostas estão normalmente associadas ao tema em estudo no bloco em que aparecem.

Por sua vez, as páginas dedicadas às perguntas sobre os temas abordados passaram a denominar-se “Aplico Conhecimentos”. Neste caso, verificou-se que, à semelhança do manual antigo, não há uma definição de estratégias que permitam ao aluno construir o seu conhecimento, visando apenas a reprodução de informações recolhidas no momento da leitura dos textos.

Ao contrário do anterior manual, este apresenta separadores temáticos de bloco, em que é feita a “apresentação das diferentes unidades de cada bloco através de imagens motivadoras e curiosidades que visam desenvolver no aluno a capacidade de se interrogar e de relatar experiências e emitir opiniões críticas” (cf. Rodrigues et al. 2013, p. 4). Também aparecem nestas páginas propostas de trabalhos de projeto que “introduzem o aluno nos conteúdos que irá aprender ao longo do bloco” (p. 4). Estes separadores poderiam preencher uma das lacunas existentes no anterior manual e que se relacionava com a inexistência de estratégias de ativação de conhecimentos prévios e a ausência de questões que permitissem a formulação de hipóteses sobre a informação que poderia estar no texto e sobre o tema que aparece no título. No entanto, a ausência de questões que guiem o aluno para este objetivo não nos permite perceber se, em situação de sala de aula, estes objetivos serão atingidos. Para além disso, para que este objetivo seja atingido, será necessário o apoio do professor, limitando, desta forma, a autonomia do aluno no acesso ao conhecimento.

A análise do primeiro tema do bloco 1 permitiu também perceber que não foram efetuadas grandes alterações ao nível da estrutura dos textos apresentados. No início do tema, antes da apresentação do texto, encontram-se duas ou três questões que implicam que o aluno troque impressões sobre o tema com os colegas e registe as informações recolhidas num texto, o que parece insuficiente quando se procuravam atividades que permitissem ao aluno fazer uma ativação dos conhecimentos que já possui sobre o tema e a cruzá-los com a informação nova que encontra no texto, privilegiando sempre a sua autonomia como construtor do seu próprio conhecimento. Denota-se ainda a introdução, ao longo dos textos, de algumas informações sobre o tema que permitiram complementar o que já aparecia no manual anterior. Relativamente às imagens, existem ligeiras alterações, mantendo-se, no entanto, a apresentação de imagens legendadas ao longo dos textos, bem como de quadros e caixas de texto com informação complementar. Continuam a não existir atividades que auxiliem os alunos na compreensão dos textos ao longo da leitura dos mesmos. Para além disso, continuam a não ser sugeridas atividades que levem os alunos a cruzar a informação nova com a já conhecida, no sentido de construírem conhecimento.

No que se refere às páginas dedicadas às perguntas sobre os temas em estudo, denominadas “Aplica Conhecimentos”, denota-se alguma preocupação em diversificar a tipologia das questões. Continuam a aparecer perguntas em que é solicitada a legenda de figuras, a classificação de frases como verdadeiras ou falsas e a redação de uma resposta, embora esta última apareça com menor predominância. No entanto, mantém-se a abordagem dos conteúdos do tipo: lê, responde. Na maioria dos casos, os alunos continuam a ler um texto sobre um determinado assunto, observam algumas figuras, quadros ou até caixas de destaque de texto com curiosidades e depois são convidados a transpor essas informações para os espaços dos questionários, sem que para isso tenham de ter compreendido o que leram.

É de notar ainda que as páginas de “Atividades e expressão plástica” já não aparecem no novo manual e que a secção “Aprendo a estudar!” passou a denominar-se “Bloco de Notas”. Os esquemas preenchidos que apareciam nestas páginas foram substituídos por listagens exaustivas dos aspetos mais importantes de cada bloco. Mais uma vez, não existe espaço para a construção do conhecimento por parte do aluno, uma vez que os alunos não são convidados a trabalhar as informações veiculadas pelos textos, através, por exemplo, da construção de esquemas ou da redação de resumos que lhes permitam estudar e compreender melhor o que foi lido. Neste novo manual, a informação já aparece selecionada, resumida e organizada de forma a facilitar o estudo por parte do aluno.

Por fim, no final do novo manual existe um “Glossário” com a explicitação de conceitos do Programa.

Em suma, percebe-se que houve uma preocupação em introduzir alterações de forma a seguir os critérios definidos na legislação. Contudo, no que se refere à temática deste artigo, as nossas escolas continuam a ter um manual que não apresenta estratégias de compreensão na leitura que promovam o desenvolvimento de competências que permitam aos alunos construir o seu próprio conhecimento.

 


9. CONCLUSÃO

Com a análise deste manual pode-se concluir que ainda existe muito trabalho a fazer no âmbito da melhoria deste tipo de recurso pedagógico-didático no que se refere à aprendizagem da compreensão na leitura, uma vez que:

a) não existe uma grande diversidade ao nível da estrutura dos textos expositivos que ocorrem no manual analisado; como se verificou, a maioria (87%) insere-se na categoria “descrição”;

b) os textos não têm como intenção/finalidade ajudar os alunos a desenvolver estratégias de compreensão na leitura que lhes permitam aceder ao conhecimento;

c) as atividades que acompanham os textos não favorecem o desenvolvimento de competências de leitura de nível diferenciado;

d) as questões, em particular, apelam a estratégias cognitivas de nível elementar;

e) os pressupostos de curriculum, conceção de aluno e conceção de aprendizagem no manual analisado não vão ao encontro do que é preconizado pelos documentos oficiais.

De acordo com as orientações oficiais, espera-se, por um lado, que os alunos sejam ensinados a ler e compreender textos expositivos e que desenvolvam competências para selecionar, interpretar e organizar a informação e, por outro lado, que realizem experiências de aprendizagem ativas, significativas, diversificadas, integradas e socializadoras, associadas, nomeadamente ao nível do Estudo do Meio, à valorização, reforço, ampliação e sistematização das experiências e saberes (Ministério da Educação, 2004). No caso do manual analisado, não é possível encontrar propostas a este nível, uma vez que o manual se limita a apresentar um texto para cada conteúdo do programa seguido de um questionário com uma clara preponderância de questões literais.

Assim, é importante contrapor que se devem privilegiar questões que ajudem os alunos a inferir, relacionar e reorganizar, pensar sobre o assunto do texto e confrontar a informação fornecida pelo autor com os seus próprios conhecimentos, porque são estes processos que ajudam os alunos a compreender verdadeiramente os textos. Note-se que é precisamente neste domínio que se centram as principais dificuldades para os alunos. Tal como refere o PISA (2000), “quando se trata . . . de textos informativos extensos, em que as respostas exigem grande precisão, os alunos portugueses alargam negativamente a amplitude que os separa dos valores médios da OCDE” (Ministério da Educação, 2001, p. 28).

Confrontando este nosso estudo com outros já realizados em Portugal, nomeadamente com o de Duarte (2011), concluiu-se que os manuais analisados apresentam uma estrutura e um conjunto de propostas didáticas longe das que seriam desejáveis, isto é, em que “os alunos possam fazer mais do que limitar-se a receber informação sobre factos, isto é, sejam chamados a agir, a construir o seu conhecimento, a um nível mais exigente, o da descoberta da criatividade (Duarte, 2011, p. 121).

A breve análise realizada ao manual certificado (que veio substituir o manual analisado) permitiu verificar que não foram realizadas grandes alterações ao nível da definição de estratégias de compreensão na leitura, continuando-se a seguir uma lógica de aplicação nas perguntas de informações veiculadas pelos textos, sem ser necessário uma compreensão da informação para conseguir atingir os objetivos propostos.

 

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Contacto: Teresa Costa, Colégio Cesário Verde

Otília Costa, UIDEF e Departamento de Educação em Línguas, Comunicação e Artes, Escola Superior de Educação de Lisboa, Instituto Politécnico de Lisboa, Campus de Benfica do IPL, 1549 - 003 Lisboa, Portugal

Adriana Cardoso, Departamento de Educação em Línguas, Comunicação e Artes, Escola Superior de Educação de Lisboa, Instituto Politécnico de Lisboa, Campus de Benfica do IPL, 1549 - 003 Lisboa, Portugal

(recebido em fevereiro de 2015, aceite para publicação em março de 2015)


NOTAS

 

[1] O presente trabalho tem como base a dissertação de mestrado da primeira autora (cf. Costa, 2012).


[2] Note-se que, embora o Programa Nacional de Ensino do Português já tenha terminado, ainda existia no momento da realização desta investigação.


[3] A apresentação do manual é feita tendo por base uma grelha de avaliação de manuais elaborada no decurso de um seminário de formação de formadores para a avaliação de manuais escolares para o ensino primário, na École Internationale de Bordeaux, em outubro de 1992 (cf. Gérard & Rogiers, 1998, pp. 312-313).


[4] Este documento foi anulado pelo Despacho n.º 17169/2011, de 12 de dezembro de 2011, mas ainda estava em vigor quando o manual foi elaborado e no momento em que foi realizado este estudo.


[5] A comparação entre os manuais incidiu apenas na organização geral do manual e no primeiro tema do bloco 1.