ARTIGOS
Compreensão na leitura num manual de estudo do meio
Teresa Costa I; Otília Costa e Sousa II; Adriana Cardoso III
I Colégio
Cesário Verde terese_alex@hotmail.com
II Escola Superior de Educação de Lisboa, UIDEF otilias@eselx.ipl.pt
III Escola Superior de Educação de Lisboa, Centro de Linguística da Universidade
de Lisboa acardoso@eselx.ipl.pt
A aquisição de competências ao nível da compreensão na
leitura apresenta-se, cada vez mais, como o caminho para chegar ao
conhecimento. O tipo de texto que se assume como o meio privilegiado de acesso
ao conhecimento é o texto expositivo. Como tal, é importante que os textos a
que os alunos têm acesso diariamente na sala de aula (nomeadamente, os textos
dos manuais) sejam adequados ao desenvolvimento dessas competências.Neste estudo,
analisaram-se os textos expositivos do manual de
Estudo do Meio do 4.º ano mais adotado em Portugal no ano letivo 2010/2011. Em
concreto, apurou-se a percentagem de textos expositivos existentes no manual,
analisou-se a sua estrutura (Meyer, 1985), o tipo de questões que os
acompanham, bem como as relações entre as perguntas e as respostas (Raphael,
1986, cit. em Giasson, 2000). O manual foi ainda analisado à luz do que é
preconizado pelos documentos oficiais do Ministério da Educação. [1] Palavras-chave:
didática da Língua Portuguesa; texto expositivo; compreensão na leitura; manual
escolar; acesso ao conhecimento.
Abstract The acquisition of
skills for reading comprehension is increasingly presented as the way to
knowledge. Expository texts stand out as preferred means of access to
knowledge. As such, it is important that the texts that students have access to
daily in the classroom (eg, textbooks) are suitable for development of these
skills. In this study, we analyzed the textbook of Environmental Studies for
the 4th year that was more used in Portugal in the academic year 2010/2011.
Specifically, we ascertained the percentage of expository texts, we analyzed
their structure (Meyer, 1985), the type of issues that accompany them, as well
as the relation between questions and answers (Raphael, 1986 cit. in Giasson,
2000). The textbook was also analyzed in the light of what is recommended by
the official documents of the Ministry of Education. Keywords:
teaching of the Portuguese language; essay; reading comprehension; textbook;
access to knowledge.
Résumé L'acquisition de
compétences de compréhension de lecture constitue, de plus en plus, le moyen
d'obtenir des connaissances. Le type de texte qui se démarque comme le moyen
privilégié d'accès à la connaissance est le texte expositif. C’est pourquoi, il
est important que les textes auxquels les élèves ont accès quotidiennement dans
la salle de classe (par exemple, les textes des manuels) soient adaptés pour le
développement de ces compétences. Dans cette étude, nous avons analysé les
textes informatifs du manuel d’étude de l’environnement de la 4ème année, le
plus utilisé au Portugal durant l'année scolaire 2010/2011. Plus précisément,
nous avons calculé le pourcentage de textes informatifs existants dans le
manuel, nous avons analysé leur structure (Meyer, 1985), le type de questions
qui les accompagnent, ainsi que les relations entre les questions et réponses
(Raphael, 1986 cit. dans Giasson, 2000). Le manuel a également été analysé à la
lumière de ce qui est recommandé par les documents officiels du ministère de
l'Éducation. Mots-clés:
didactique de la langue portugaise; texte expositif; compréhension de la
lecture; manuel scolaire; accès à la connaissance
Tendo em conta as exigências da
sociedade atual relativamente às competências de leitura, considera-se que a
leitura é uma das competências fundamentais a desenvolver ao longo da vida. Sim-Sim
(2007, p. 5) afirma mesmo que “saber ler é uma condição indispensável
para o sucesso individual, quer na vida escolar, quer na vida profissional”. A
mesma posição é defendida no relatório PISA de 2009 (OECD, 2010, p. 18):
“success in reading provides the foundation for achievement in other subject
areas and for full participation in adult life”. A compreensão na leitura tem sido
alvo de diversos estudos, nomeadamente através do PISA. Os últimos dados
disponíveis, relativos à avaliação realizada em 2012, situam Portugal um pouco
abaixo da média da OCDE, apresentando, no entanto, uma evolução desde a última
avaliação. Em 2009, encontrava-se a 9 pontos da média e, em 2012, encontra-se a
sete (OECD, 2014). Apesar de Portugal se situar perto da média da OCDE, a
verdade é que os resultados a este nível não melhoram significativamente e
ainda existe muito trabalho a fazer para se continuar a progredir ao nível da
leitura. Se é verdade que já foi percorrido um
longo caminho, também se nos afigura necessário desenvolver competências de
leitura de nível mais avançado. Na análise dos resultados do PIRLS de 2011,
verificou-se que só 9% dos alunos de 4.º ano alcançam o nível avançado e 47%
alcançam o nível elevado. Os investigadores tentam explicar
os resultados equacionando várias causas, entre elas o facto de os textos que
aparecem nos manuais (e que são, por vezes, o recurso a que mais facilmente os
alunos podem aceder) não estarem construídos de forma a auxiliá-los no processo
de compreensão dos mesmos. Considerando que a compreensão do texto expositivo é
essencial para o percurso académico dos estudantes, tentou-se, com este estudo,
perceber de que forma é que este tipo de texto é abordado e como é concebido o
desenvolvimento das competências de leitura no manual de Estudo do Meio do 4.º
ano mais adotado em Portugal no ano letivo 2010/2011. Apesar de os manuais serem alvo de
diferentes abordagens na literatura, no presente trabalho a análise adotada
centra-se conteúdo, explorando-se, sobretudo, a abordagem dos textos
expositivos do ponto de vista do desenvolvimento de competências de compreensão
na leitura e do acesso ao conhecimento
Ainda que importantes e
omnipresentes nas Áreas Disciplinares, normalmente, os alunos apresentam muitas
dificuldades na compreensão do texto expositivo, originadas, por um lado, pela
falta de ensino explícito de estratégias de leitura direcionadas para a
compreensão (Colomer & Camps, 2002) e, por outro, pela sua diversidade
estrutural. Ao contrário do texto narrativo,
que tem como intenção contar uma história, respeitando, normalmente, sempre a
mesma estrutura, cada texto expositivo pode apresentar uma estrutura diferente,
por vezes bastante complexa, sendo frequentes textos compostos por mais do que
uma estrutura. Dadas a diversidade e a mistura de estruturas, é importante que,
desde cedo, as crianças comecem a desenvolver competências ao nível da leitura
e da compreensão de textos expositivos. Assim, assume-se como essencial a
melhoria das práticas de ensino neste domínio. É um trabalho que tem de passar necessariamente
por uma dinâmica de sala de aula em que explicitamente se ensine a ler e se
desenvolvam estratégias cognitivas e metacognitivas, mas também em que se
desenvolva a capacidade de questionamento do real. É ainda crucial que se dê
primazia à explicitação das diferentes estruturas apresentadas por estes textos
e se ensinem os alunos a extrair informação do que é lido (Reis et al., 2009). Quando se analisou a situação
nacional, percebeu-se que existem documentos orientadores que guiam os
professores no sentido de otimizarem o trabalho que desenvolvem em torno dos
textos expositivos. Para além dos documentos publicados, foi ainda implementado
o Programa Nacional de Ensino do Português [2], que pretendia levar os
professores a refletir sobre as suas práticas e a melhorá-las de acordo com o
que os estudos apontam ser o caminho para o sucesso dos alunos. No entanto, os últimos dados das
provas de aferição nacionais revelam que a compreensão na leitura é uma
competência que, ao nível do quarto ano, ainda apresenta resultados baixos.
Numa análise mais aprofundada dos estudos efetuados no âmbito das práticas dos
professores, percebeu-se que estas não estão a alterar-se como seria desejável,
porque estes ainda utilizam como recurso primordial o manual escolar,
colocando-o, muitas vezes, em substituição dos Programas Oficiais (Nunes, 2005;
Pinto, 2003; Reis et al., 2009). Tal facto significa que, para haver uma
mudança das práticas, terão de existir, obrigatoriamente, alterações ao nível
dos manuais escolares. É importante, então, perceber que
tipo de problemas e, consequentemente, de alterações é que precisam de ser
realizadas nos manuais, quando nos direcionamos especificamente para o trabalho
com os textos expositivos. De acordo com Miguel (1993), os problemas
apresentados pelos textos escolares podem agrupar-se em torno de 4 dimensões: 1- Uma
pressuposição do conhecimento dos alunos excessiva e pouco realista:
- introduzem-se
muitos conceitos novos em poucas palavras; - toma-se como ponto de partida um
assunto que não foi referido anteriormente e que, provavelmente, é desconhecido
para o leitor; - requerem-se
muitas inferências por parte do leitor. 2- Os textos requerem do aluno uma
contribuição excessiva para garantir a coerência:
- faltam elementos de continuidade entre
o título do texto e o início do texto, o que pressupõe a realização de muitas
inferências. 3- Os textos precisam de definir
metas claras em termos de conteúdo e um plano correspondente para as alcançar:
- apresenta-se uma lista de ideias sobre
o tema do texto mas não existe uma ligação entre as mesmas. 4- Os textos não são transparentes
no que diz respeito à sua estrutura:
- escrevem-se os textos de uma forma que
não deixa perceber como se devem unir as ideias umas às outras, como se pode
diferenciar o seu grau de importância e como é que se devem articular entre si. Acredita-se que a solução para
estas situações passa, entre outras hipóteses, pela reescrita dos textos, uma
vez que os alunos que leem textos reescritos apresentam melhores resultados ao
nível da compreensão do que os alunos que leem textos originais (cf. Beck &
Mckeown, 1991; Miguel, 1993). Pelo que se pode constatar, ainda
há um longo caminho a percorrer no que se refere à melhoria dos textos
expositivos nos manuais. É necessário que os autores respeitem as necessidades
do leitor: o que já é suposto saber sobre o assunto; o vocabulário que já
conhece e o que é novo e implica uma explicitação; e uma definição de estrutura
em que as ideias estão organizadas e articuladas, privilegiando a utilização de
elementos de ligação para que o texto seja o mais coerente possível. Pelos motivos apontados, a questão
das caraterísticas e da qualidade dos textos continua a ser uma reflexão
bastante pertinente para a comunidade educativa, uma vez que os textos
expositivos acompanham os alunos ao longo da sua vida académica e profissional,
constituindo-se como um meio privilegiado para a construção do conhecimento.
Os dados dos relatórios de
aplicação das Provas de Aferição de Língua Portuguesa do 1.º ciclo, realizados
em 2010, 2011 e 2012 e disponibilizados pelo GAVE, sustentam esta tese,
indicando que a classificação média nacional por competência situa, em termos
percentuais, a leitura em 68%, 72% e 69%, respetivamente, enquanto a escrita se
situa nos 73%, 65% e 60%, respetivamente, e o conhecimento explícito da língua
se situa nos 73%, 70% e 68%, respetivamente. Todos estes resultados espelham
necessidades de ensinar a ler com mais qualidade. Os resultados obtidos ao nível da
compreensão na leitura levantam, pois, algumas questões importantes no que diz
respeito à compreensão dos diferentes tipos de texto, em geral, e do texto
expositivo, em particular. Neste âmbito, o texto expositivo merece especial
atenção, dado que é o tipo de texto que veicula por excelência os conteúdos
escolares (Heydari & Mustpha, 2009). Colomer e Camps (2002) referem que
o problema se situa ao nível do trabalho da sala de aula, uma vez que “os
alunos leem textos relacionados com as diferentes matérias do currículo para
aprender os seus conteúdos, sem que, de uma maneira geral, lhes tenham ensinado
a ler textos informativos” (p. 53). O guião de implementação do Novo
Programa de Língua Portuguesa dedicado à leitura refere que o “trabalho mais
habitual incide sobre o texto narrativo” (Silva, Bastos, Duarte, & Veloso, 2010,
p. 10). No entanto, segundo os mesmos autores, é importante diversificar os
tipos textuais, uma vez que o nível de compreensão do texto será tanto maior
quanto mais desenvolvido estiver o conhecimento das diferentes estruturas dos
textos (cf., entre outros, Dymock, 2005; Montelongo, Berber-Jiménez, Hernandéz,
& Hosking, 2006; Montelongo, Herter; Ansaldo, & Hatter, 2010). Estudos recentes continuam a dar
grande importância ao trabalho da compreensão na leitura desde os primeiros
anos, defendendo mesmo que devem ser utilizadas estratégias com vista ao
aumento do vocabulário das crianças logo desde o jardim de infância. Para além
disso, estes estudos alertam-nos para o facto de o trabalho de compreensão na
leitura ter diminuído ao nível do 1.º ciclo, o que poderá vir, a longo prazo, a
ter impacto substancial nos resultados, tal como é referido, entre outros, por Duke
e Block (2012). Assim, é importante que os
professores tomem consciência de que os alunos precisam de aprender a
compreender o texto expositivo, o que deve passar especificamente por uma
explicitação das diferentes estruturas que este pode apresentar. O trabalho de
sala de aula que os vários autores consideram essencial para uma melhoria ao
nível da compreensão na leitura poderá ser apoiado por recursos construídos
tendo por base a importância do desenvolvimento de competências de leitura
ligadas ao acesso ao conhecimento. Um desses recursos é, sem dúvida, o
manual escolar. Os manuais deverão servir de apoio ao trabalho de sala de aula,
mas também ao trabalho autónomo dos alunos, ajudando-os a progredir no caminho
do conhecimento. Devem ser manuais que, para além de apresentarem textos bem
organizados, contemplem: (i) atividades de pré-leitura que permitam a ativação
de conhecimentos prévios sobre o tema em questão; (ii) atividades que
acompanhem a leitura do texto, como estratégia de monitorização da compreensão
da leitura e (iii) atividades de pós-leitura, para que o aluno consiga ligar a
informação que já conhecia à informação veiculada pelo texto e, a partir daí,
construir novo conhecimento.
O manual selecionado para esta
investigação foi o manual de Estudo do Meio mais comercializado em Portugal: Pasta
Mágica ‑ Estudo do Meio 4, da Areal Editores (cf. Rodrigues, Pereira,
Borges, & Azevedo, 2010). Este manual [3] está
estruturado em 6 blocos, que correspondem aos blocos estabelecidos no programa.
Os blocos estão divididos em capítulos e os capítulos em temas ou lições de
extensão média. A organização do manual obedece a uma lógica de aprendizagem
(do conhecimento do eu para o conhecimento do que me rodeia). As aprendizagens
não incluem objetivos, resumos, nem a indicação de pré-requisitos. Depois dos
textos, aparecem somente exercícios de aplicação, esquemas dos conteúdos
abordados e atividades ligadas à Expressão e Educação Plástica. Ao longo do
manual, constata-se uma certa regularidade na repartição dos objetivos da
aprendizagem, que segue uma progressão adequada às exigências da didática
específica e denota-se coerência interna do manual. A informação presente no manual
permite inúmeras abordagens e reflexões. Para a presente investigação, interessaram
apenas os aspetos relevantes para o estudo da compreensão na leitura em textos
expositivos. A secção identificada pelas autoras
como “Desenvolvimento dos temas” não está delineada fisicamente no manual. Pela
análise da informação apresentada por este recurso, pode-se deduzir que se
integram nesta secção todos os textos com informações sobre os diversos
conteúdos do programa, bem como todas as atividades que os acompanham.
5. ESTRUTURA DOS TEXTOS APRESENTADOS PELO MANUAL
A análise dos textos do manual foi
realizada tendo por base a tipologia de textos apresentada no Dicionário
Terminológico, a saber: textos conversacionais, textos narrativos, textos
descritivos, textos expositivos, textos argumentativos, textos instrucionais,
textos preditivos e textos literários. Após a análise de cada um dos textos e
da sua categorização, concluiu-se que o manual é bastante homogéneo no que se
refere à tipologia de textos apresentados, dado que todos eles são do tipo
expositivo (ver Figura 1). Embora pertençam todos à mesma
tipologia, os textos diferem na sua organização e podem ser agrupados em
diversas categorias, de acordo com a sua organização lógica de base. Para a
realização desta categorização, utilizou-se a classificação apresentada por
Meyer (1985), que comporta cinco categorias ou modos de organização: coleção;
causalidade; resposta; comparação e descrição. Dado que os textos nem sempre
pertencem inequivocamente a apenas uma destas categorias, foram tomadas algumas
opções metodológicas para a classificação dos textos. Como refere Adam (1993),
em geral não há textos homogéneos, mas sim sequências textuais complexas e
heterogéneas. Dada a heterogeneidade dos textos que compõem o manual, seguiu-se
na classificação a estrutura dominante (como referido em Adam, 1993). Por
motivos metodológicos, na nossa análise considerou-se para efeitos de
classificação somente o texto que é apresentado para cada conteúdo, excluindo
caixas de destaque de texto que possam surgir no meio ou no final dos textos.
Os dados recolhidos são apresentados na Figura 2. A análise da Figura 2 permite-nos
verificar que existe uma categoria de textos (descrição) que predomina em
relação às restantes. Existem apenas 6 textos classificados como descrição e coleção,
1 texto classificado como coleção e 1 texto classificado como resposta e
coleção. Verifica-se também a inexistência de textos das categorias
causalidade, resposta e comparação. 6. O TRABALHO DE COMPREENSÃO NA LEITURA NO MANUAL ANALISADO
Após a análise do texto e das
questões que o acompanham, foi possível concluir que a abordagem veiculada pelo
manual não respeita os princípios propostos na literatura sobre o trabalho da
compreensão na leitura. Em primeiro lugar, porque não há uma boa ativação de
conhecimentos prévios nem de formulação de hipóteses sobre a informação que
poderá estar no texto e sobre o tema que aparece no título, por exemplo. Em
segundo lugar, porque, durante a leitura do texto, não são propostas atividades
que auxiliem os alunos na monitorização da compreensão. Finalmente, porque,
depois da leitura do texto, não são sugeridas atividades que levem os alunos a
cruzar a informação nova com a já conhecida, no sentido de construírem
conhecimento. É ainda importante referir que, ao
longo das páginas em que são apresentadas as questões (Secções “Já aprendi. Vou
praticar”), não há uma conceção do aluno como construtor dos conhecimentos, não
há atividades guiadas para a construção de conhecimentos nem intencionalidade
de ensinar a ler/desenvolver na fase em que os alunos se encontram: ler para
aprender (Chall, 1983; Sousa, 2007). Ainda no âmbito da reflexão sobre
as atividades de compreensão na leitura existentes no manual, procedeu-se a uma
análise da tipologia das questões apresentadas, bem da relação
pergunta/resposta. A análise visava perceber, por um lado, se as questões e
atividades propostas refletem o que é proposto na literatura sobre este tema,
ou seja, se contemplam os três momentos essenciais do processo de leitura
(pré-leitura, durante a leitura e após a leitura, tal como proposto por
Giasson, 2000). Por outro lado, pretendia-se perceber se, de alguma forma, as
questões e as atividades propostas auxiliam os alunos no cruzamento da
informação já conhecida com a informação nova, no sentido de construir
conhecimento. Por fim, procurava-se identificar se as questões visavam a
mobilização de estratégias cognitivas diferenciadas, isto é, se existia uma
diversificação em termos de tipologia de perguntas (cf. Albanese 1999; Raphael
1986, cit. em Giasson, 2000). Em termos de tipologia, decidiu-se
classificar as questões de acordo com os itens que, normalmente, aparecem nas
provas de aferição nacionais. Já quanto à relação pergunta/resposta, os itens
apresentados foram selecionados da lista de descritores de desempenho de
leitura do 3.º e 4.º anos do Novo Programa de Português (Reis et al., 2009), de
acordo com o tipo de texto apresentado pelo recurso analisado. Relativamente à tipologia de
questões, a recolha de dados foi realizada tendo em conta as seguintes
categorias: construção de resposta; escolha múltipla; ligação; classificação de
verdadeiro ou falso; legendagem de figuras/siglas; preenchimento de quadros;
ordenação de itens; preenchimento de lacunas. Os dados obtidos através da
contagem e classificação das questões são apresentados na Figura 3.
A análise da Figura 3 permite-nos
verificar que: - há uma predominância das questões
em que é solicitada a redação de uma resposta (63%); - o preenchimento de lacunas
apresenta a segunda maior percentagem (12%); - não existem questões que
solicitem aos alunos a ordenação de itens; - há uma proximidade no número de
questões de legendagem de figuras/siglas (9%), verdadeiro ou falso (5%) e
ligação (8%); - o preenchimento de quadros (1%) e
as perguntas com resposta de escolha múltipla (2%) têm pouca representatividade
nas perguntas propostas. Através da análise dos dados é ainda
possível perceber que existe alguma preocupação com a diversidade das questões
propostas. No entanto, uma vez que estamos perante uma área curricular
disciplinar em que devem ser utilizadas estratégias de cariz mais
investigativo, nomeadamente a recolha e organização de dados (cf. Ministério da
Educação, 2004, p. 103), a predominância de questões de construção de resposta
que exigem apenas a reprodução de conceitos não favorece o desenvolvimento de
competências no âmbito da compreensão na leitura. A análise das relações
pergunta-resposta apresentada de seguida abrange todas as questões das secções
“Já aprendi. Vou praticar” e é realizada à luz da classificação apresentada por
Raphael (1986, cit. por Giasson, 2000). Quando é colocada uma pergunta ao
aluno, a resposta pode encontrar-se numa só frase do texto ou em diversas
frases. Também poderá ser necessário construir a resposta, combinando o que o
aluno sabe com o que o autor diz ou então utilizando somente os conhecimentos
que o aluno possui sobre o tema. Na Figura 4 é apresentada a classificação das
relações entre perguntas e respostas apresentada por Raphael (1986, cit. por
Giasson, 2000): A análise da relação entre as perguntas/respostas tendo por base a tipologia proposta por Raphael (1986) é apresentada na Figura 5. A leitura da Figura 5 permite-nos
verificar que quase metade das questões (47%) implica uma resposta cuja
informação se encontra numa só frase do texto. Dado que, normalmente, a
informação é fácil de localizar, o aluno só terá de a copiar do texto para o
espaço da resposta sem, muitas vezes, ter de fazer alterações ao nível da
construção frásica. Por outro lado, 29% das questões
solicitam ao aluno a localização da informação presente em diferentes frases do
texto. Numa primeira leitura destes dados, poder-se-ia inferir que o objetivo
destas questões será o de desenvolver nos alunos competências ao nível da
compreensão e do relacionamento de ideias tendo em vista a construção de uma
resposta. No entanto, não é isso que acontece. Estas questões foram
classificadas desta forma porque, normalmente, a informação aparece em duas
frases ou dois parágrafos. Contudo, como as frases/parágrafos são contíguos no
texto, a tarefa não oferece qualquer dificuldade ao aluno, que acaba por
realizar o mesmo trabalho que nas questões em que a resposta se encontra numa
só frase: copiar a informação, muitas vezes, literalmente. Na Figura 5, observa-se ainda que 12%
das questões solicitam ao aluno um cruzamento de informação que já conhece com
o que é transmitido pelo autor. O conhecimento que o aluno deverá mobilizar
está, muitas vezes, relacionado com questões de cultura geral e do quotidiano.
Por sua vez, 10% das questões solicitam ao aluno a consulta de imagens ou
esquemas. Normalmente, estes esquemas estão preenchidos e o aluno não precisa
de os compreender para responder à pergunta. Por fim, é de notar que apenas em
2% das questões se espera que o aluno responda tendo em conta somente os seus
próprios conhecimentos. Normalmente, estas questões estão relacionadas com a
pesquisa de dados relativos à comunidade onde vivem os alunos e, dado que o
manual é criado para ser utilizado por alunos residentes em todas as regiões do
país, não é possível colocar informação relativa a todas as regiões no manual. Em suma, após a análise dos dados
acima expostos, verificou-se que este manual, ao nível das questões que coloca,
é um recurso que apresenta uma abordagem dos conteúdos do tipo: lê, responde.
Na maioria dos casos, os alunos leem um texto sobre um determinado assunto,
observam algumas figuras, quadros ou até caixas de destaque de texto com curiosidades
e depois são convidados a transpor essas informações para os espaços dos
questionários. Há uma clara valorização das questões literais em detrimento das
questões inferenciais, críticas e de organização (cf. Viana et al., 2010). Uma vez que a maioria das respostas
às questões se encontra numa só frase do texto e o vocabulário utilizado nas
questões e no texto é muito próximo, o aluno não terá de compreender
verdadeiramente o texto para responder corretamente às propostas. Desta forma,
não se trabalha a compreensão do texto nem se ensina os alunos a compreender
autonomamente um texto expositivo.
No entanto, esta não é a perspetiva
veiculada por um manual que apresenta textos para leitura e depois solicita aos
alunos a mera cópia de algumas informações para os espaços de resposta, sem,
muitas vezes, como foi possível verificar na análise das questões, ser necessária
sequer a transformação das frases do ponto de vista da sua estrutura
gramatical. Para além disso, são textos
distantes dos que normalmente aparecem nas pesquisas dos alunos e não são
acompanhados de propostas de trabalho que guiem a leitura do aluno,
mostrando-lhe quais as estratégias de compreensão na leitura que devem utilizar
quando estão perante textos expositivos. Como é que se pode falar de um
desenvolvimento da “competência de leitura relacionando os textos lidos com as
suas experiências e conhecimento do mundo” (Ministério da Educação, 2004, p.
138), quando não é pedido aos alunos a partilha dos conhecimentos que já
possuem, a formulação de hipóteses sobre o texto que vão ler, o acesso a
significados desconhecidos, a seleção e esquematização da informação e a
verificação, no final, das hipóteses colocadas inicialmente? O conceito de interdisciplinaridade
indica-nos um caminho de cruzamento e interação entre várias disciplinas que,
de acordo com Berger (1972), citado em Pombo (s.d., p. 2) “pode ir desde a
simples comunicação das ideias até à integração mútua dos conceitos directivos,
da epistemologia, da terminologia, da metodologia, dos procedimentos, dos dados
e da organização da investigação e do ensino correspondentes.” No entanto, a análise realizada
permitiu-nos verificar que, neste manual, não são mobilizadas as competências
de leitura trabalhadas ao nível da Língua Portuguesa, ou seja, pretende-se
somente transmitir conhecimentos relativos aos temas do programa de Estudo do
Meio sem ter em atenção a explicitação de estratégias de compreensão na
leitura. Dado que as autoras do manual de
Estudo do Meio analisado são também as autoras do manual de Língua Portuguesa
da mesma coleção – Pasta Mágica –, esperar-se-ia uma maior articulação
entre as duas áreas, através da utilização, no manual de Estudo do Meio, de
estratégias de compreensão na leitura que, provavelmente, existirão no manual
de Língua Portuguesa da mesma coleção. Conseguia-se, desta forma, um desenvolvimento
de competências ao nível da aprendizagem da compreensão na leitura e ao nível
das literacias da informação. Seria também importante que os
autores se preocupassem em estender o ensino de estratégias de compreensão a
outros tipos de texto e não apenas ao narrativo, apostando em atividades de
leitura que privilegiassem a mobilização de competências da Língua Portuguesa,
como processo de ativação de conhecimentos, capacidades e estratégias, tal como
é referido no currículo do ensino básico. Assim, os alunos poderiam ser
incentivados a realizar trabalho ao nível da compreensão na leitura de textos
expositivos, no momento de leitura dos textos que aparecem nos manuais de
Estudo do Meio, tornando, assim, a aprendizagem da leitura mais significativa.
Com este tipo de dinâmica, conseguir-se-iam melhores resultados ao nível da
compreensão na leitura e, consequentemente, do acesso ao conhecimento. Finalmente, no que se refere ao
ensino por competências, considerou-se importante verificar o que é veiculado
pelo Currículo Nacional [4]. As orientações curriculares
apresentadas em 2001, retomadas, em larga medida, pelos autores dos programas
de Português em 2009, remetem-nos para uma dinâmica de trabalho diferente da
que tinha vindo a ser implementada nos anos anteriores. Procurava-se a passagem
de um ensino mais transmissivo (embora os programas de 1991 já tentassem
ultrapassar este paradigma) para um trabalho sobre os conteúdos baseado na
resolução de problemas, no trabalho cooperativo, na utilização das TIC, na realização
de atividades investigativas, no desenvolvimento de projetos e na intervenção
no Meio, por exemplo. Estes pressupostos deveriam servir de base à construção
dos manuais escolares, uma vez que são estas as orientações oficiais que devem
nortear o trabalho do professor como gestor de um currículo que se quer aberto
e flexível. O manual de Estudo do Meio em
análise não reflete estes princípios orientadores da atividade pedagógica. Pelo
contrário, trata-se de um manual que se afasta das questões com que os alunos
se confrontam no seu quotidiano e que não apresenta situações concretas do
dia-a-dia, que podem ocorrer quer na escola quer no meio que rodeia os alunos.
Ora estas situações poderiam constituir motores de aprendizagem e ser
analisadas experimentalmente através da observação, da colocação de hipóteses e
da busca de soluções. No manual analisado não há, desta
forma, espaço para um percurso de questionamento, de reflexão e de
desenvolvimento do pensamento crítico, para a resolução de problemas ou até
para o desenvolvimento de trabalhos de projeto. Dito de outro modo, não se
promove a construção de atitudes investigativas em que se espera também o
desenvolvimento de competências ao nível da comunicação oral e escrita. Em suma, apesar de haver uma referência,
no início do manual, ao Programa do 1.º Ciclo e ao Currículo Nacional, ao longo
deste não são apresentadas estratégias que sigam o que é preconizado por estes
documentos. Assim, é possível concluir que,
mesmo dez anos após a publicação do Currículo Nacional, ainda se continua a
encontrar nas nossas escolas manuais escolares que não respeitam o espírito e a
letra dos currículos e que não servem as finalidades apontadas pela tutela nos
princípios orientadores dos programas, não estando, por isso, adaptados às
mudanças previstas pela legislação portuguesa. Esta situação leva-nos a levantar
algumas questões, nomeadamente: Será que os professores conhecem as limitações
dos textos apresentados pelo manual escolar e a forma como, na maioria dos
casos, estes se afastam do que é preconizado pelos programas, em termos de
aprendizagem? Será que há reflexão sobre materiais e recursos de modo a
repensar o papel do manual enquanto recurso privilegiado da sala de aula? Por
que razão os manuais estão tão distantes dos documentos orientadores, no que
concerne à concetualização da aprendizagem e da construção de conhecimento?
O manual analisado foi certificado
pela Entidade Acreditada sediada na Escola Superior de Educação de Viseu e foi
publicado em 2013 (cf. Rodrigues, Pereira, Borges, & Azevedo, 2013). Uma vez que no âmbito da
investigação sobre o manual publicado em 2010 foram colocadas algumas questões
bastante pertinentes para a temática da compreensão na leitura, considerou-se
importante perceber se havia alterações a este nível no novo manual. Assim, procedeu-se à análise do
novo manual, embora menos exaustiva do que a realizada no manual anterior [5] , de forma a
verificar as alterações efetuadas, nomeadamente no que se refere à utilização
de estratégias de compreensão na leitura. No geral, o manual apresenta uma
estrutura semelhante ao manual anterior, no entanto, a comparação dos índices
dos dois manuais permitiu verificar que não existem grandes alterações ao nível
da distribuição dos conteúdos abordados. O bloco “Á Descoberta dos Materiais e
Objetos” passou a estar em quinto lugar, ficando em último lugar, no bloco 6, o
tema “À Descoberta das Inter-relações entre a Natureza e a Sociedade. Foram introduzidas atividades
experimentais em todos os blocos, à exceção do bloco 2 “À Descoberta dos Outros
e das Instituições”. Estas propostas estão normalmente associadas ao tema em estudo
no bloco em que aparecem. Por sua vez, as páginas dedicadas
às perguntas sobre os temas abordados passaram a denominar-se “Aplico
Conhecimentos”. Neste caso, verificou-se que, à semelhança do manual antigo,
não há uma definição de estratégias que permitam ao aluno construir o seu
conhecimento, visando apenas a reprodução de informações recolhidas no momento
da leitura dos textos. Ao contrário do anterior manual,
este apresenta separadores temáticos de bloco, em que é feita a “apresentação
das diferentes unidades de cada bloco através de imagens motivadoras e
curiosidades que visam desenvolver no aluno a capacidade de se interrogar e de
relatar experiências e emitir opiniões críticas” (cf. Rodrigues et al. 2013, p.
4). Também aparecem nestas páginas propostas de trabalhos de projeto que
“introduzem o aluno nos conteúdos que irá aprender ao longo do bloco” (p. 4).
Estes separadores poderiam preencher uma das lacunas existentes no anterior
manual e que se relacionava com a inexistência de estratégias de ativação de
conhecimentos prévios e a ausência de questões que permitissem a formulação de
hipóteses sobre a informação que poderia estar no texto e sobre o tema que
aparece no título. No entanto, a ausência de questões que guiem o aluno para
este objetivo não nos permite perceber se, em situação de sala de aula, estes
objetivos serão atingidos. Para além disso, para que este objetivo seja
atingido, será necessário o apoio do professor, limitando, desta forma, a
autonomia do aluno no acesso ao conhecimento. A análise do primeiro tema do bloco
1 permitiu também perceber que não foram efetuadas grandes alterações ao nível
da estrutura dos textos apresentados. No início do tema, antes da apresentação
do texto, encontram-se duas ou três questões que implicam que o aluno troque
impressões sobre o tema com os colegas e registe as informações recolhidas num
texto, o que parece insuficiente quando se procuravam atividades que
permitissem ao aluno fazer uma ativação dos conhecimentos que já possui sobre o
tema e a cruzá-los com a informação nova que encontra no texto, privilegiando
sempre a sua autonomia como construtor do seu próprio conhecimento. Denota-se ainda
a introdução, ao longo dos textos, de algumas informações sobre o tema que
permitiram complementar o que já aparecia no manual anterior. Relativamente às
imagens, existem ligeiras alterações, mantendo-se, no entanto, a apresentação
de imagens legendadas ao longo dos textos, bem como de quadros e caixas de
texto com informação complementar. Continuam a não existir atividades que auxiliem
os alunos na compreensão dos textos ao longo da leitura dos mesmos. Para além
disso, continuam a não ser sugeridas atividades que levem os alunos a cruzar a
informação nova com a já conhecida, no sentido de construírem conhecimento. No que se refere às páginas
dedicadas às perguntas sobre os temas em estudo, denominadas “Aplica
Conhecimentos”, denota-se alguma preocupação em diversificar a tipologia das
questões. Continuam a aparecer perguntas em que é solicitada a legenda de
figuras, a classificação de frases como verdadeiras ou falsas e a redação de
uma resposta, embora esta última apareça com menor predominância. No entanto,
mantém-se a abordagem dos conteúdos do tipo: lê, responde. Na maioria dos
casos, os alunos continuam a ler um texto sobre um determinado assunto, observam
algumas figuras, quadros ou até caixas de destaque de texto com curiosidades e
depois são convidados a transpor essas informações para os espaços dos
questionários, sem que para isso tenham de ter compreendido o que leram. É de notar ainda que as páginas de
“Atividades e expressão plástica” já não aparecem no novo manual e que a secção
“Aprendo a estudar!” passou a denominar-se “Bloco de Notas”. Os esquemas
preenchidos que apareciam nestas páginas foram substituídos por listagens
exaustivas dos aspetos mais importantes de cada bloco. Mais uma vez, não existe
espaço para a construção do conhecimento por parte do aluno, uma vez que os
alunos não são convidados a trabalhar as informações veiculadas pelos textos,
através, por exemplo, da construção de esquemas ou da redação de resumos que
lhes permitam estudar e compreender melhor o que foi lido. Neste novo manual, a
informação já aparece selecionada, resumida e organizada de forma a facilitar o
estudo por parte do aluno. Por fim, no final do novo manual
existe um “Glossário” com a explicitação de conceitos do Programa. Em suma, percebe-se que houve uma
preocupação em introduzir alterações de forma a seguir os critérios definidos
na legislação. Contudo, no que se refere à temática deste artigo, as nossas
escolas continuam a ter um manual que não apresenta estratégias de compreensão
na leitura que promovam o desenvolvimento de competências que permitam aos
alunos construir o seu próprio conhecimento.
a) não existe uma grande
diversidade ao nível da estrutura dos textos expositivos que ocorrem no manual analisado;
como se verificou, a maioria (87%) insere-se na categoria “descrição”; b) os textos não têm como
intenção/finalidade ajudar os alunos a desenvolver estratégias de compreensão na
leitura que lhes permitam aceder ao conhecimento; c) as atividades que acompanham os
textos não favorecem o desenvolvimento de competências de leitura de nível
diferenciado; d) as questões, em particular,
apelam a estratégias cognitivas de nível elementar; e) os pressupostos de curriculum,
conceção de aluno e conceção de aprendizagem no manual analisado não vão ao
encontro do que é preconizado pelos documentos oficiais. De acordo com as orientações
oficiais, espera-se, por um lado, que os alunos sejam ensinados a ler e
compreender textos expositivos e que desenvolvam competências para selecionar,
interpretar e organizar a informação e, por outro lado, que realizem
experiências de aprendizagem ativas, significativas, diversificadas, integradas
e socializadoras, associadas, nomeadamente ao nível do Estudo do Meio, à
valorização, reforço, ampliação e sistematização das experiências e saberes
(Ministério da Educação, 2004). No caso do manual analisado, não é possível
encontrar propostas a este nível, uma vez que o manual se limita a apresentar
um texto para cada conteúdo do programa seguido de um questionário com uma
clara preponderância de questões literais. Assim, é importante contrapor que
se devem privilegiar questões que ajudem os alunos a inferir, relacionar e
reorganizar, pensar sobre o assunto do texto e confrontar a informação
fornecida pelo autor com os seus próprios conhecimentos, porque são estes
processos que ajudam os alunos a compreender verdadeiramente os textos. Note-se
que é precisamente neste domínio que se centram as principais dificuldades para
os alunos. Tal como refere o PISA (2000), “quando se trata . . . de textos
informativos extensos, em que as respostas exigem grande precisão, os alunos
portugueses alargam negativamente a amplitude que os separa dos valores médios
da OCDE” (Ministério da Educação, 2001, p. 28). Confrontando este nosso estudo com
outros já realizados em Portugal, nomeadamente com o de Duarte (2011), concluiu-se
que os manuais analisados apresentam uma estrutura e um conjunto de propostas
didáticas longe das que seriam desejáveis, isto é, em que “os alunos possam
fazer mais do que limitar-se a receber informação sobre factos, isto é, sejam
chamados a agir, a construir o seu conhecimento, a um nível mais exigente, o da
descoberta da criatividade (Duarte, 2011, p. 121). A breve análise realizada ao manual
certificado (que veio substituir o manual analisado) permitiu verificar que não
foram realizadas grandes alterações ao nível da definição de estratégias de
compreensão na leitura, continuando-se a seguir uma lógica de aplicação nas
perguntas de informações veiculadas pelos textos, sem ser necessário uma
compreensão da informação para conseguir atingir os objetivos propostos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Adam, J.-M.(1993). Le texte et ses composantes: Théorie
d'ensemble des plans d'organisation. Semen,8, 15-40. Albanese, O. (1999). Children’s story comprehension. Psychology of Language and
Communication, 3(1), 7-17. Beck, I., & Mckeown, M. (1991). Social studies texts are hard to understand: Mediating
some of the difficulties (Research directions). Language Arts, 68, 482-490. Chall, J. (1983). Stages of reading development. New York: McGraw-Hill Book Company. Colomer, T., & Camps, A. (2002). Ensinar a ler, ensinar a compreender. Porto
Alegre: Artmed. Costa, T. A. (2012).O texto expositivo num manual de Estudo do Meio (Dissertação de
mestrado, Escola Superior de Educação, Lisboa). Consultada em http://repositorio.ipl.pt/bitstream/10400.21/1301/1/O%20texto%20expositivo%20num%20manual%20escolar%20de%20estudo%20do%20meio.pdf Dicionário Terminológico para consulta em linha (s.d.). Consultado em http://dt.dgidc.min-edu.pt/ Duarte, J. B. (Coord.) (2011).Manuais Escolares: Mudanças nos discursos e nas práticas.Lisboa: Edições Universitárias Lusófonas. Duke,N., & Block, M. (2012). Improving reading in the primary grades. Literacy
Challenges for the Twenty-First Century, 22(2), 55-72. Dymock, S. (2005). Teaching expository text structure awareness. The
Reading Teacher, 59(2), 177-181. GAVE (2010). Provas de Aferição 1.º Ciclo – Língua Portuguesa. Relatório. Lisboa:
GAVE. GAVE (2011). Provas de Aferição 1.º Ciclo – Língua Portuguesa. Relatório. Lisboa: GAVE. GAVE (2012). Provas de Aferição 1.º Ciclo – Língua Portuguesa. Relatório. Lisboa: GAVE. Gérard, F.-M., & Roegiers, X. (1998). Conceber e avaliar manuais escolares. Porto: Porto Editora. Giasson, J. (2000). A compreensão na leitura. Porto: Edições ASA. Goldman, S. (2012). Adolescent literacy: Learning and understanding content. Literacy
Challenges for the Twenty-First Century, 22(2), 89-116. Heydari, M., & Mustpha, G. (2009). Text structure awareness: Another look reading
comprehension strategy in L2 classes. The Journal of International
Management Studies, 4(2), 254-258. Meyer, B. (1985). Prose analysis: Purposes, procedures, and problems. In B. K. Britton
& J. Black (Eds.), Analysing and understanding expository text(pp.
269-304). Hillsdale, NJ: Erlbaum. Miguel, E. S. (1993). Los textos expositivos.
Madrid: Santillana. Ministério da Educação (2001). Currículo Nacional do Ensino Básico – Competências
Essenciais. Lisboa: Ministério da Educação. Ministério da Educação. (2004).Organização Curricular e Programas. Lisboa: Ministério
da Educação. Montelongo, J., Berber-Jiménez, L., Hernandéz, A. C., & Hosking, D. (2006). Teaching
expository text structures. The Science Teacher, 73(2), 29-31. Montelongo, J., Herter, R. J., Ansaldo, R., & Hatter, N. (2010). A lesson cycle for
teaching expository reading and writing. Journal of Adolescent & Adult
Literacy, 53(8), 656–666. Moss, B. (2004). Teaching expository structures through information trade book retellings.
The Reading Teacher, 57(8), 710-718. Nunes, M. T. (2005). Como lidam os professores do 1.º Ciclo com o Currículo prescrito da
Matemática e qual o papel mediador dos manuais nesse processo (Dissertação
de mestrado não publicada). Universidade de Lisboa,
Lisboa. OECD. (2010). PISA 2012 Results: What Students Know and Can Do – Student
Performance in Mathematics, Reading and Science (Volume I). Consultado em
http://dx.doi.org/10.1787/9789264091450-en OECD.(2014). PISA 2012 Results: What Students Know and Can Do – Student
Performance in Mathematics, Reading and Science (Vol. I, Edição revista). Consultado em http://dx.doi.org/10.1787/9789264201118-en Pinto, M. (2003). Estatuto e funções do manual escolar de língua portuguesa. Revista Iberoamericana
de Educación. Consultado em http://repositorio.ipv.pt/handle/10400.19/598 PIRLS 2011‑ Progress in International Reading Literacy Study: Desempenho na leitura.
(2012). Consultado em http://www.portugal.gov.pt/media/793498/PIRLS%202011%20Read%204.pdf Pombo, O. (s.d.). Contribuição para um vocabulário sobre
interdisciplinaridade. Consultado em http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/mathesis/vocabulario-interd.pdf
Reis, C. (Coord.), Dias, A., Cabral, A., Silva, E., Viegas, F., Bastos, G., Pinto, M.
(2009). Programa de Português para o Ensino Básico. Lisboa: Ministério
da Educação/Direção Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular. Rodrigues, A., Pereira, C., Borges, I., & Azevedo, L. (2010). Pasta Mágica – Estudo do
Meio 4. Porto: Areal Editores. Rodrigues, A., Pereira, C., Borges, I., & Azevedo, L. (2013). Pasta Mágica – Estudo do
Meio. Porto: Areal Editores. Schmar-Dobler, E. (2003). Reading on the internet: The link between literacy and technology. Journal
of adolescent & Adult literacy, 47(1), 80-85. Silva, E., Bastos, G., Duarte, R., & Veloso, R. (2010). Guião de implementação do
Programa de Português do Ensino Básico. Lisboa: Ministério da
Educação/Direção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular. Sim-Sim, I. (2007). O ensino da leitura: A compreensão de textos. Lisboa: Ministério
da Educação/ Direção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular. Sousa, O. C. (2007). O texto literário na escola: Uma outra abordagem - círculos
de leitura. In F. Azevedo (Coord.), Formar Leitores - Das teorias
às práticas (pp. 45-68). Lisboa: Lidel. Tavares, C. F. (2007). Didática do Português – Língua Materna e Não Materna – No Ensino
Básico. Porto: Porto Editora. Viana, F., Ribeiro, I., Fernandes, I., Ferreira, A., Leitão, C. Gomes, S. Mendonça, S.,
& Pereira, L. (2010). O ensino da compreensão leitora. Da teoria à
prática Pedagógica. Um programa de intervenção para o 1.º Ciclo do Ensino
Básico. Coimbra: Almedina. Contacto: Teresa Costa, Colégio Cesário Verde Adriana Cardoso, Departamento de Educação em Línguas, Comunicação e Artes, Escola Superior
de Educação de Lisboa, Instituto Politécnico de Lisboa, Campus de Benfica do IPL, 1549 - 003 Lisboa, Portugal (recebido em fevereiro de 2015, aceite para publicação em março de 2015)
Resumo
1. INTRODUÇÃO
A presente investigação insere-se no domínio da
didática da Língua Portuguesa, em particular no âmbito da competência leitora. A maioria das investigações já realizadas sobre a compreensão na leitura
centra-se, essencialmente, nas questões didáticas e nas estratégias que deverão
ser utilizadas pelos professores em sala de aula. Contudo,
dado o papel que os manuais desempenham no processo de ensino-aprendizagem, considerou-se
que uma linha de investigação a explorar seria a de analisar manuais escolares
(de diversas áreas disciplinares) tendo em conta os géneros textuais
predominantes e o desenvolvimento de competências de compreensão na leitura que
preconizam.
2. O TEXTO EXPOSITIVO NOS MANUAIS
ESCOLARES E O ACESSO AO CONHECIMENTO
Os textos expositivos têm como objetivo informar,
descrever ou relatar (Moss, 2004). A sua importância prende-se com o facto de
constituírem o principal recurso textual utilizado pelos alunos no acesso ao
conhecimento, pois são a forma de organização da maioria da informação
pesquisada, tanto em livros, como na internet, por exemplo (Schmar-Dobler, 2003).
De acordo com os estudos de Goldman (2012), ser alfabetizado significa ser
capaz de utilizar a leitura e a escrita para adquirir conhecimento, resolver problemas
e tomar decisões no âmbito académico, pessoal ou profissional. O
desenvolvimento de competências ligadas ao processo de alfabetização lança,
tanto a alunos como a professores, quatro desafios que devem ser tidos em
consideração quando se trabalha nesta área: os leitores de sucesso devem conseguir
aceder a informação que esteja para além do que está explícito no texto; os
leitores eficazes devem ser capazes de adaptar as suas habilidades de leitura às
especificidades do texto que estão a ler, recorrendo ao conhecimento que já
possuem e usando diferentes estratégias de leitura; os leitores devem dominar e
compreender uma grande diversidade de géneros textuais (que se diversificaram
exponencialmente com o desenvolvimento das novas tecnologias); por último, é
importante que o leitor seja capaz de avaliar as fontes de informação a que têm
acesso, adotando uma postura crítica perante a leitura.
3. A COMPREENSÃO DO TEXTO
EXPOSITIVO
A compreensão na leitura é uma
competência que aparece no currículo como a capacidade de os alunos lerem um
texto, compreenderem o que leram e utilizarem a informação existente no texto
para construir conhecimento sobre os mais diversos temas. Apesar de ser uma
competência transversal a todas as áreas do currículo, a verdade é que nem
todos os alunos conseguem apresentar bons resultados ao nível desta
competência. Vejam-se, entre outros, os resultados das provas de aferição e os
resultados do PIRLS (2011).
4. MANUAL SELECIONADO PARA O ESTUDO
Na impossibilidade de analisar
todos os manuais existentes no mercado, solicitou-se diretamente à Direcção de
Serviços de Desenvolvimento Curricular (DSDC) da Direção Geral da Inovação e
Desenvolvimento Curricular (DGIDC) a listagem dos manuais mais adotados em
Portugal no ano letivo 2010/2011.
Neste estudo, um dos nossos
objetivos foi o de verificar de que forma é que as orientações sobre o tipo de
textos e atividades que devem surgir no manual dos alunos são seguidas pelos
autores do manual em análise.
7. O MANUAL ESCOLAR E O PROGRAMA, A INTERDISCIPLINARIDADE E O ENSINO POR COMPETÊNCIAS
O programa do 1.º ciclo
apresenta-nos uma perspetiva de ensino muito interessante e claramente
direcionada para o que se acredita ser uma abordagem de qualidade em sala de
aula: “incentivar a aquisição de competências para selecionar, interpretar e
organizar a informação que lhe é fornecida ou de que necessita” (Ministério da
Educação, 2004, p. 15).
8. CERTIFICAÇÃO DO MANUAL ANALISADO
Em 2006 (Lei n.º 47/2006, de 28 de
agosto), foi legislado o regime de avaliação, certificação e adoção aplicável
aos manuais escolares. Pretendia-se que existisse uma atualização dos manuais
adotados nas escolas, baseada em critérios de avaliação que foram definidos no
Decreto-lei n.º 258-A/2012, de 5 de dezembro.
9. CONCLUSÃO
Com a análise deste manual pode-se
concluir que ainda existe muito trabalho a fazer no âmbito da melhoria deste
tipo de recurso pedagógico-didático no que se refere à aprendizagem da
compreensão na leitura, uma vez que:
Otília Costa, UIDEF e Departamento de Educação em Línguas, Comunicação e Artes, Escola Superior
de Educação de Lisboa, Instituto Politécnico de Lisboa, Campus de Benfica do IPL,
1549 - 003 Lisboa, Portugal
NOTAS
[2] Note-se que, embora o Programa Nacional de Ensino do Português já tenha
terminado, ainda existia no momento da realização desta investigação.
[3] A
apresentação do manual é feita tendo por base uma grelha de avaliação de
manuais elaborada no decurso de um seminário de formação de formadores para a
avaliação de manuais escolares para o ensino primário, na École Internationale
de Bordeaux, em outubro de 1992 (cf. Gérard & Rogiers, 1998, pp. 312-313).
[4] Este documento foi anulado pelo Despacho n.º 17169/2011, de 12 de dezembro de
2011, mas ainda estava em vigor quando o manual foi elaborado e no momento em
que foi realizado este estudo.
[5] A
comparação entre os manuais incidiu apenas na organização geral do manual e no
primeiro tema do bloco 1.