ARTIGOS

Avaliação de desempenho docente, supervisão e desenvolvimento profissional

 

Ana Patrícia Silva I; Maria da Conceição Machado II; Teresa Leite III

IAgrupamento de Escolas Pintor Almada Negreiros. Unidade de Investigação do Instituto de Educação – UL

ana.patricia.work@gmail.com

II Agrupamento de Escolas de Vialonga

saocostamachado@gmail.com

III Escola Superior de Educação de Lisboa – IPL. Unidade de Investigação do Instituto de Educação – UL

teresal@eselx.ipl.pt  

Contacto

 


Resumo

Este texto incide sobre o papel da supervisão pedagógica no contexto da avaliação de desempenho docente (ADD), procurando aprofundar a forma como a dimensão formativa da avaliação foi equacionada e desenvolvida nas escolas. Para tal, foram realizados dois estudos num agrupamento de escolas da periferia de Lisboa, abrangendo professores avaliadores e avaliados do 1º e do 2º/3º ciclos. Os estudos tinham como objetivos gerais: i) conhecer as conceções de avaliadores e avaliados sobre os fundamentos e as práticas de avaliação de desempenho desenvolvidas nos seus contextos profissionais; ii) e definir o papel que avaliadores e avaliados atribuem à supervisão neste processo. Para a recolha de dados usou-se a entrevista semi-diretiva, recorrendo-se à análise de conteúdo para tratamento dos dados. O confronto dos resultados das entrevistas permite concluir que as conceções sobre a avaliação de desempenho dos docentes dos diferentes ciclos são semelhantes, mas o processo de avaliação e de supervisão foi vivido de forma distinta. O papel da supervisão na ADD depende, em larga escala, da competência dos avaliadores como supervisores e como professores e é facilitado pela existência prévia de uma cultura de colaboração entre docentes.

Palavras-chave: supervisão pedagógica, avaliação de desempenho docente, avaliação formativa, desenvolvimento profissional

 

Abstract

This paper focuses on the role of the educational supervision in the context of the evaluation of teachers' performance (ETP), trying to understand how the formative dimension of the evaluation was considered and developed in schools. To this end, two studies were conducted in a group of schools of the outskirts of Lisbon, encompassing teachers (evaluators and evaluated) from the 1st, 2nd and 3rd grades. The studies had as overall objectives: i) to get to know the conceptions of evaluators and evaluated on the fundamentals and practices of the ETP developed in their professional contexts; ii) to define the role conferred to supervision by evaluators and evaluated in this process. For data collecting, we resorted to semi-directive interview, using content analysis for data processing. The analysis of the interviews' results shows that the conceptions about ETP, of different grade teachers, are similar but the process of evaluation and supervision was experienced differently. The supervision role in the ETP depends in large degree on the competence of evaluators, as supervisors and as teachers, and is facilitated by the prior existence of a collaboration culture among teachers.

Key words: educational supervision, teacher evaluation, formative evaluation, professional development.

 

Résumé

Ce texte met l'accent sur le rôle de la supervision pédagogique dans l'évaluation de la performance des enseignants, cherchant à approfondir la façon dont la composante d'évaluation formative a été assimilée et développée dans les écoles. À cette fin, nous avons élaboré deux études qui ont eu lieu dans une école de la région de Lisbonne. Les objectifs des deux études sont: i) connaitre les conceptions des enseignants (évaluateurs et évalués) sur les principes et les pratiques d'évaluation développés dans leurs contextes professionnels; ii) et établir le rôle que les évaluateurs et évalués attribuent à la supervision pédagogique dans ce processus. Pour le recueil des données, nous avons utilisé des entretiens semi-directifs qui ont ensuite été soumis à une analyse de contenu. Les répondants étaient enseignants évaluateurs et évalués du 1er et du 2e/3e cycles d’enseignement. La confrontation des résultats des entretiens montre que les conceptions sur l'évaluation de la performance des enseignants des différents cycles sont semblables, mais que le processus de supervision pédagogique a été vécu différemment. Le rôle de la supervision dépend, dans une large mesure, de la compétence des évaluateurs en tant que superviseurs et enseignants et est facilité par l’existence préalable d’une culture de collaboration entre les enseignants.

Mots clés: supervision pédagogique, évaluation des enseignants, évaluation formative, développement professionnel.

 


INTRODUÇÃO

No discurso dos principais atores educativos, designadamente dos próprios professores, a avaliação de desempenho é hoje reconhecida como uma necessidade. Mas, como afirmavam Rodrigues e Peralta já em 2008, o consenso acaba nesse reconhecimento da necessidade de avaliação e desaparece de todo quando se trata de conceber e implementar um sistema que leve a efeito essa avaliação. Segundo as autoras, essa ausência de consenso deve-se, em primeiro lugar, à falta de clareza na definição do referente em relação ao qual se avalia - o desempenho profissional docente.

Atualmente, existe um substancial conjunto de trabalhos de investigação sobre as caraterísticas da profissionalidade docente que poderia ajudar a desenhar esse referencial; no entanto, as diferentes perspetivas com que se aborda a escola, o ensino e o currículo dão origem a diferentes conceções sobre a profissão e o seu desempenho, tornando-se necessário tomar opções, que são, inevitavelmente, contestáveis e provisórias.

Para além da necessidade de especificar o referente de avaliação, parece necessário também clarificar os objetivos desta avaliação, já que deles decorrem as escolhas relativas a modelos, modalidades e dispositivos. Atualmente, a maior parte dos países procura desenvolver sistemas de avaliação docente que se orientem para o desenvolvimento profissional e a melhoria das práticas e, simultaneamente, para o controlo da atividade, a prestação de contas e a gestão da carreira, tentando conciliar a função formativa da avaliação com a sua função de prestação de contas. No entanto, como alertam diferentes autores (Morgado & Sousa, 2010; Marchão, 2011; Alves & Figueiredo, 2011; Tomás & Costa, 2011; entre outros), a articulação entre estas duas dimensões não é uma tarefa fácil.

Equacionar a avaliação de desempenho docente numa perspetiva formativa requer o desenvolvimento de processos supervisivos, sejam estes desenvolvidos por pares ou por profissionais investidos de um estatuto diferenciado em relação ao professor avaliado. Requer ainda uma dimensão de autoavaliação e a de criação de ambientes de aprendizagem colaborativa nas instituições, porque a supervisão é hoje perspetivada não apenas como um facilitador do desenvolvimento individual do docente, mas também como um fator de desenvolvimento organizacional (Alarcão & Tavares, 2003; Alarcão & Canha, 2013).

A discussão que se tem desenvolvido nas últimas décadas neste campo visa compreender até que ponto supervisão e avaliação são conciliáveis, já que os estudos recentes revelam a tendência para que a finalidade sumativa se sobreponha à formativa e o processo de classificação se sobreponha ao processo de supervisão (Sousa, Leal & Cabral, 2011; Marchão, 2011, Vital & Moreira, 2011, Alves & Figueiredo, 2011; entre outros).

Neste artigo, apresentamos os resultados de dois estudos levados a efeito com professores de diferentes níveis de escolaridade do mesmo agrupamento de escolas, através dos quais se visou conhecer as conceções de avaliadores e avaliados sobre os fundamentos e as práticas de avaliação de desempenho nos contextos em que estes se integram e o papel que avaliadores e avaliados atribuem à supervisão neste processo.

 


1.AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO DOCENTE NA PERSPETIVA DO DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL

 

1.1. Finalidades e modelos de avaliação de desempenho docente (ADD)

Ao concluir a sua formação inicial, o docente está a montante de ser considerado um profissional, pois, como refere Silva (2003), ninguém se prepara para toda a vida e os professores muito menos” (p. 106). O conhecimento profissional docente desenvolve-se também durante o exercício da profissão, exigindo o envolvimento em processos de desenvolvimento profissional.

Segundo Day (2001), “o sentido do desenvolvimento profissional dos professores depende das suas vidas pessoais e profissionais e das políticas e contextos escolares nos quais realizam a sua atividade docente.” (p. 15). Nesta perspetiva, é possível afirmar, como Gonçalves (2009, p. 25), que “cada docente se torna no professor que é como resultado de um processo idiossincrático e autobiográfico de desenvolvimento pessoal e profissional…”

O desenvolvimento profissional engloba, portanto, não apenas os processos formais de formação contínua, mas também todas as aprendizagens realizadas pelo professor, como pessoa e como profissional, que ocorrem sobretudo no contexto em que o professor exerce a ação de ensinar, pelo que afetam e são afetadas pela organização-escola.

Analisando o desenvolvimento profissional na perspetiva do professor e da escola e encarando esse processo como simultaneamente individual e coletivo, parece possível estabelecer uma relação entre desenvolvimento profissional e organizacional e a avaliação de desempenho docente. Se inserida num processo de desenvolvimento profissional, a avaliação de desempenho docente (ADD) pode contribuir para reforçar a reflexão sobre as práticas, servindo de alavanca para que o docente as melhore e consequentemente se desenvolva profissionalmente, contribuindo, em simultâneo, para o desenvolvimento organizacional da escola. Com efeito,

O desenvolvimento profissional acontece quando as informações obtidas da avaliação dos professores os levam à necessidade de refletir na prática de acordo com as informações obtidas e assim a avaliação serve como catapulta para uma melhoria do ensino e da aprendizagem dos alunos. (Afonso, 2009, p. 8)

Por outro lado, como afirma Sanches (2008), “(...) o processo de avaliação de desempenho vai constituir uma fonte, simultaneamente preciosa e abundante, de informação para a auto–avaliação da escola” (p. 298). Portanto, garantir uma articulação adequada entre a dimensão de avaliação da escola e a dimensão de avaliação docente indicia, desde logo, uma maior possibilidade de melhoria da escola e do ensino.

No entanto, é necessário equacionar a finalidade da avaliação de desempenho docente, uma vez que esta pode ser utilizada para promover o desenvolvimento profissional dos professores e das escolas ou reduzir-se apenas a uma lógica de prestação de contas (Barreira & Rebelo, 2008). O modo como os docentes e as escolas percecionam a avaliação de desempenho docente “condiciona o sentido do processo e determina a sua influência na melhoria da ação docente e do serviço público de educação prestado na escola” (Machado & Formosinho, 2009, p. 287). Segundo Moreira (2009), 

a avaliação dos professores deve estar tecida na avaliação da escola e na avaliação das aprendizagens dos alunos, não se podendo delas dissociar. Deve ser encarada numa perspetiva de aprendizagem e desenvolvimento ou, se quisermos, numa perspetiva de utopia transformadora. (p. 256)

Dependendo das finalidades e dos pressupostos que as determinam, é possível identificar diferentes modelos de ADD. Figari (2007) analisa as abordagens da avaliação de docentes à luz dos três paradigmas gerais de avaliação: i) abordagem externa/objetivista; ii) abordagem interna/subjetivista; iii) abordagem negociada/interativa.

Se pretendermos a comparação de desempenho entre docentes, para os classificar segundo a ordem obtida nos vários níveis de desempenho, com base num sistema de quotas, segundo um referencial de caráter institucional, estamos perante uma abordagem externa/objetivista.

Na abordagem interna/subjetivista, o que está em jogo é o próprio docente. Assim, o docente deve ser o responsável máximo, autoavaliando-se, ajudando-o a reforçar os seus conhecimentos e competências. O referencial é, portanto, constituído pelo ou pelos atores envolvidos no processo.

Por fim, a terceira abordagem (negociada/interativa) pressupõe a confrontação entre as opiniões dos intervenientes, incluindo a do avaliador, a do avaliado e a que resultará da comparação e consenso entre ambos.

Por sua vez, Graça et al. (2011) apontam também três modelos de avaliação de professores: i) modelo accountability (responsabilização); ii) modelo do desenvolvimento profissional; iii) modelo misto.

Os autores designam por modelo accountability (responsabilização) aquele que apresenta essencialmente características sumativas e visa medir desempenhos do professor para o posicionar segundo a pontuação atingida numa escala avaliativa.

O modelo do desenvolvimento profissional pressupõe a apresentação de forma descritiva, prevendo momentos de interação e feedback e valorizando as situações de reflexão e aprendizagem quer para o avaliado, quer para o avaliador, que, neste caso, para além de observador e examinador, assume o papel de parceiro, num contexto de trabalho colaborativo.

Ao terceiro modelo Graça et al. (2011) chamam modelo misto, já que este apresenta, em simultâneo, traços comuns com o modelo accountability e o modelo de desenvolvimento profissional, visando a sua complementaridade. Este modelo pretende, por um lado, assegurar as necessidades de desenvolvimento profissional e, por outro lado, privilegiar a qualidade de desempenho do professor.

Em síntese, os modelos de avaliação docente podem ter um teor sumativo, formativo, ou ambos, coexistindo atualmente diferentes tendências. O importante é, como refere Clímaco (2007, p. 30), “questionar a própria estratégia de avaliação e desenvolver mecanismos de meta-avaliação docente para poder gerir em função do que se verificou e aprendeu”.É possível reconhecer as caraterísticas destes modelos nos pressupostos e nas práticas de ADD em diferentes países da Europa e América.

O sistema avaliativo do Chile reúne requisitos interessantes sob o ponto de vista da participação e discussão docente (Avalos, 2010). Pretendia-se acima de tudo que a avaliação tivesse um caráter formativo, permitindo que de acordo com as fragilidades detetadas decorrentes da observação, fossem proporcionadas oportunidades de melhoria. Para tal, apostou-se em procedimentos que permitissem uma diversificada recolha de dados e cujas fontes de informação fossem disponibilizadas pelo docente avaliado. A aceitação, depois de discutida a nível nacional, de critérios de avaliação legitimados e centrados nos processos de ensino, originou um documento acordado em 2002, que rege os domínios sobre os quais incide a avaliação.

Em contraste com um modelo amplamente discutido e mesmo assim não consensual, a avaliação de docentes na Nova Zelândia assenta em mecanismos de auditoria às práticas docentes, visando sobretudo a prestação de contas ao estado. Segundo Fitzgerald (2010), este modelo desvaloriza o papel docente, reduzindo-o a uma dimensão tecnicista, referindo ainda que os sistemas “que valorizam a eficiência e a prestação de contas acentuam o papel dos professores como técnicos e não como profissionais” (p. 73). O sistema configura, portanto, uma forma de controlo do trabalho docente pelo estado, procurando garantir que o produto final, os resultados mensuráveis dos alunos, corresponda às exigências estipuladas.

Pelo contrário, o sistema educativo finlandês, segundo Murillo (2007), baseia-se justamente na confiança dos professores, não existindo sistema externo de avaliação. A função do estado é fomentar uma cultura de avaliação que se deve realizar no seio dos estabelecimentos de ensino, e ainda proporcionar modelos e recursos de forma que cada escola escolha o modelo mais adequado e o possa seguir.

Em França, Hadji (2010) menciona que na avaliação docente está patente a função de controlo, que é assegurada pela prática da inspeção individual do pessoal docente. No decurso da carreira, a inspeção individual é prática corrente, contudo, levada a efeito esporadicamente, dado o número elevado de professores a inspecionar. Esta avaliação tem como finalidade, para além da progressão na carreira, a titularização docente.

Na Austrália, o sistema de recompensa para quem alcança padrões profissionais mais elevados constitui o meio para que a profissão docente seja socialmente respeitada e se obtenha uma orientação concisa para o desenvolvimento profissional, de forma que o mesmo dê acesso a uma certificação profissional por atos docentes relevantes (Ingvarson, 2010). Conduzida por uma entidade profissional independente, o seu principal objetivo é o reconhecimento aos docentes que evidenciem um elevado desenvolvimento profissional relativamente aos padrões estipulados.

Assente em motivações remuneratórias, encontra-se o sistema romeno, no qual a avaliação é feita periodicamente, procurando-se estimular a melhoria da prática profissional através de estímulos externos, uma vez que os resultados da avaliação se refletem em aumentos salariais para os docentes. Os professores elaboram a sua autoavaliação com base numa ficha de avaliação com áreas de competência e indicadores de desempenho pré-definidos: “Os resultados das avaliações anuais constituem um critério eliminatório para a concessão de incentivos remuneratórios, para a promoção na carreira e para o desenvolvimento profissional” (Murillo, 2007, p. 45).

No sistema atual inglês, segundo Day (2010), a avaliação de professores é efetuada por avaliadores externos (inspetores), que observam as suas práticas e os avaliam com base num conjunto de padrões profissionais nacionais definidos para a progressão na carreira. A nível interno da escola, esta avaliação é complementada pela chamada “gestão de desempenho”, que engloba os propósitos e as práticas de avaliação, articulando-se com os resultados dos alunos, progressão na carreira docente e o plano de desenvolvimento anual da escola. Day (2010) salienta ainda a existência da autoavaliação dos professores, pois “trata-se da forma de avaliação que melhor corresponde à promoção da autonomia profissional dos professores, uma vez que é criada, realizada e avaliada pelo próprio indivíduo” (p. 152).

No sistema irlandês, segundo Sugrue (2010), o esforço de remodelação do sistema educativo é sustentado pela autoavaliação e a prestação de contas, sendo que a prestação de contas engloba os resultados da aprendizagem dos alunos, de acordo com as exigências de órgãos internacionais (OCDE, entre outros) e a autoavaliação constitui um instrumento de ajuda para a avaliação externa.

A situação nos Estados Unidos não difere de algumas anteriormente apresentadas. A adoção de padrões para certificação docente tem sido a medida implementada para refletir a eficácia dos professores. A elaboração de portefólios no estado de Connecticut conta com a ajuda de padrões estabelecidos, usados por todos os professores. A avaliação docente ocorre em vários momentos da carreira, sendo asseguradas condições de fiabilidade e validade por avaliadores qualificados (Hammond, 2010).

De salientar também os sistemas de avaliação docente que vigoram em Espanha e Itália, que, contrariamente à maioria dos países antes referidos, fazem avaliação em situações excecionais: ou para a obtenção de uma licença para prosseguir estudos ou para se candidatarem a lugares de liderança. Em Espanha, a avaliação dos professores integra-se na avaliação das escolas, salvo em casos de solicitação de avaliação individual.

Dados sobre a forma de avaliação docente em outros países da Europa, como a Hungria, a Suécia, a Republica Checa e a Irlanda (já focada anteriormente) indicam-nos ainda que a autoavaliação é comummente usada, uma vez que “passou também a ser aplicada em alguns países como um instrumento suplementar à inspeção externa do sistema” (Costa, 2009, p. 26).

Podemos concluir que a tendência para sistemas baseados na autoavaliação ganha relevo em diversos países, concomitantemente com a avaliação interna pelos pares ou a avaliação externa. É de salientar também uma outra faceta, relacionada com a avaliação docente, referente à progressão na carreira e com os incentivos financeiros e diferentes níveis de progressão na carreira. Destacamos aqui os casos da Bulgária e de Espanha, onde, apesar das especificidades de cada sistema, se enfatizam novas formas de responsabilização profissional.

Pedreira (2007) faz notar, contudo, que “todos as medidas e todos os sistemas se têm de adequar a contextos concretos, a contextos do sistema, a contextos da cultura das instituições e dos indivíduos e, em particular a contextos históricos precisos” (p. 79).

 

1.2. A supervisão no processo de avaliação de desempenho docente

Segundo Alarcão e Tavares (2003), a supervisão tem como objetivo “o desenvolvimento profissional do professor”, situando-se “no âmbito da orientação de uma ação profissional“ (p. 16), que implica “uma atividade de mútua colaboração e ajuda entre os agentes envolvidos no processo numa atitude de diálogo permanente que passe por um bom relacionamento assente na confiança” (p. 59).

Moreira (2010) entende que, enquanto atividade de regulação (planificação, monitorização e avaliação), a supervisão visa “o desenvolvimento e aprendizagem dos profissionais e dos sujeitos sobre quem incide a sua ação” (p. 92). Assim, a autora realça que a atividade supervisiva, enquanto espaço de transformação, implica “a aquisição/aprofundamento de competências, aliadas à capacitação para tomada de decisões e para a ação coletiva e informada por valores éticos e pedagógicos” (p. 93).

Também Marchão (2011) entende a supervisão “como um instrumento de formação, inovação e mudança, que se situa num determinado contexto, através de um processo de desenvolvimento e de (re) qualificação e que envolve dois sujeitos” (p. 1).

Neste sentido, parece possível afirmar que a supervisão é, acima de tudo, um meio de promover o desenvolvimento profissional dos professores no qual se torna crucial o papel do supervisor.

A supervisão pode ser desenvolvida através de diferentes modelos. Segundo Moreira e Vieira (2011), o modelo de supervisão clínica é “aquele que, no contexto de avaliação de desempenho, pode apoiar a observação de aulas e a reconstrução das práticas dos professores” (p. 29). No entanto, a reconstrução das práticas dos professores não depende apenas da observação e análise de aulas, requer também capacidade e disponibilidade de/para a colaboração no que respeita à planificação e avaliação (Alarcão & Tavares, 2003).

Em relação ao ciclo de supervisão, Alarcão e Tavares (2003) consideram a existência de quatro fases essenciais ao ciclo da supervisão: o encontro pré-observação, a observação propriamente dita, a análise dos dados, e o encontro pós-observação, no qual é conveniente proceder-se à análise e avaliação do processo realizado e dos efeitos obtidos, podendo, portanto, considerar-se uma quinta fase - a ponderação ou avaliação do próprio processo.

Para Danielson (2010), a reunião pré-observação deverá ter um caráter de planeamento para fornecer provas essenciais da capacidade de um professor planear uma aula. Por sua vez, Moreira e Vieira (2011, p. 29) referem que nesta fase é essencial discutir as intenções e estratégias do professor relativamente à aula a observar, bem como definir objetivos, enfoques e estratégias de observação.

A avaliação de desempenho, enquanto atividade “regulada por um processo de supervisão que implica a observação, a descrição, a análise e a interpretação da atividade” (Monteiro, 2009, p. 3577), exige observação em ambientes de sala de aula. Alves, Machado e Figueiredo (2011) assumem “a virtualidade da observação como fator indutor do desenvolvimento profissional, da melhoria das práticas docentes e da promoção da reflexividade crítica” (p. 10). Por sua vez, Cabral, Leal e Sousa (2011) constatam que:

A observação de aulas, a análise documental e a reflexão sobre as práticas constituem estratégias fundamentais da supervisão, às quais se têm vindo a juntar diversas outras com idêntico potencial formativo e adequação a diferentes situações e sujeitos de formação como os diários e narrativas profissionais, o portefólio e a investigação-ação, entre outras. (p. 33-34)

Na observação de aulas, o supervisor recolhe a informação em função dos objetivos definidos. Nesta fase, o supervisor concilia registos descritivos com registos interpretativos, adotando um comportamento discreto. A este propósito, Cruz (2009) alerta para o facto de que a “observação de aulas pode desencadear processos destrutivos se ambos os atores perderem de vista o verdadeiro objetivo do trabalho: contribuir para o desenvolvimento profissional do professor observado” (p. 142). Segundo o autor, na observação de aulas “os papéis têm de estar definidos, o observador tem de saber o que observar e como fazê-lo” (p. 140), de modo a diminuir a tensão que a observação pode causar ao professor avaliado e os efeitos que a presença de um observador pode ter nos alunos. Relativamente à fase pós-observação, esta é constituída por feedback fornecido num clima favorável à construção de saberes, discutindo-se e analisando-se de forma critica e reflexiva as situações observadas, procurando interpretá-las e antevendo novas estratégias que possam resolver as situações menos bem conseguidas. Como afirma Reis (2010), “o feedback construtivo proporcionado nestas sessões constitui uma componente decisiva do processo supervisivo que pode ter um forte impacto no desenvolvimento profissional dos professores” (p. 32).Esta conceção de supervisão tem lugar num processo de avaliação de desempenho docente, se este não for encarado como uma etapa de medição da situação de desenvolvimento profissional do professor, mas como um meio de promover esse mesmo desenvolvimento (Costa, 2007).

No entanto, a avaliação docente e a supervisão nem sempre têm sido encaradas como processos integrados. Moreira(2009) assinala que as finalidades da supervisão e as finalidades da avaliação são distintas, tendo em conta que “a supervisão visa promover o desenvolvimento profissional do professor…enquanto processo de crescimento e desenvolvimento profissional, centrado na melhoria da ação e do desempenho profissional” (p. 252), e a avaliação “procura formular juízos sobre a sua competência …para o exercício da atividade profissional, com impacto na progressão na carreira” (idem). Esta autora refere que estes dois processos são diferentes no que respeita aos princípios, âmbito e enfoque, bem como na relação entre os participantes e consequentemente na forma que o professor encara os dois processos (Moreira, 2009).

Apesar disso, a avaliação pode constituir uma forma de regulação com vista à melhoria das práticas pedagógicas e ao desenvolvimento profissional docente se for equacionada numa perspetiva formativa (Moreira, 2009). Por seu lado, Marchão (2011) defende que “se a função formativa for subalternizada por uma função apenas classificativa pode determinar uma visão não de apoio, própria dos processos de supervisão, mas hierárquica e autoritária, apenas de avaliação/inspeção” (p. 2).

Nesta perspetiva, a ação do avaliador será essencialmente formativa, assentando em estratégias de supervisão e o seu “papel cumpre-se fundamentalmente na criação de uma cultura de trabalho reflexiva, apoiada no questionamento (auto e hetero)” (Cabral et al, 2011, p. 34). Para que se alcance esta finalidade e visto que os avaliadores acompanham os diversos domínios referentes ao carácter transversal do exercício da profissão docente (vertente profissional, social e ética, participação na escola e relação com a comunidade educativa [1] ), estes deverão possuir um conjunto de conhecimentos e competências no âmbito da supervisão.

Wallace (citado por Vieira, 1993) distingue duas formas de perspetivar o papel do supervisor. Na primeira perspetiva, marcadamente prescritiva, o professor supervisor “é entendido como autoridade, juiz do pensamento e da atuação do professor” (Wallace, citado por Vieira, 1993, p. 30); na segunda perspetiva, equacionada numa linha colaborativa, o papel do supervisor é concebido por um “colega com mais saber, recetivo por excelência ao professor que orienta, coresponsabilizando-se pelas suas opções, ajudando-o a desenvolver-se” (idem).

Alarcão e Tavares (2003) referem que ao supervisor compete a colaboração “no processo de monotorização do desempenho de professores, na dinamização de atitudes de avaliação dos processos de educação e dos resultados de aprendizagem” (p. 150).

A efetivação destas funções requer, segundo Alarcão e Tavares (2003), conhecimentos essenciais, destacando-se os seguintes:

• Conhecimento das estratégias de desenvolvimento institucional e profissional;

• Conhecimento de metodologias de avaliação da qualidade (institucional, das aprendizagens, do desempenho);

• Conhecimentos dos fenómenos inerentes à aprendizagem qualificante, experiencial e permanente;

• Conhecimentos das ideias e das políticas sobre a educação (pp. 150-151)

Na ótica de Monteiro (2009), relativamente à função avaliativa, o supervisor deverá:

ter a capacidade de, por um lado orientar, apoiar, estimular os professores face à sua prática pedagógica e envolvência no meio escolar e de saber gerir as relações humanas sob a base de uma relação democrática, igualitária e simétrica e por outro lado, fazê-lo sob o pendor dos princípios da justiça, fidelidade, imparcialidade e eficiência que devem subjazer ao processo avaliativo da competência profissional. (p. 3580)

Com efeito, o exercício das funções de supervisor no contexto na avaliação de desempenho docente requer a instauração de princípios éticos como a transparência e objetividade, princípios que garantam a confiança mútua em todo o processo avaliativo, de forma a existir uma perspetiva de negociação entre os dois intervenientes (Marchão, 2011).

Silva (2011, p. 113) recorre a Strike (1997) para elencar importantes princípios éticos a ter em conta na avaliação de desempenho docente: i) transparência, equidade e sistematicidade dos processos de aplicação das disposições normativas à diversidade de casos e situações; ii) Relevância dos dados que apoiam a tomada de decisão, evitando com isso situações discriminatórias; iii) Clima de liberdade académica e intelectual de professores e alunos; e iv) Não interferência das avaliações na autonomia profissional dos professores. Estes princípios pode caracterizar, assim, “o sentido ético mais geral a estar presente em qualquer sistema de avaliação docente” (Silva, 2001, p. 113).

 

1.3.Avaliação de desempenho docente em Portugal

A avaliação docente anterior a 2008, regulamentada pelo Decreto-Regulamentar nº 13/1992, de 30 de junho, baseava-se essencialmente na certificação da formação contínua concluída e num relatório de autoavaliação. Este modelo, segundo Flores (2009), revelou-se ineficaz, pois, de acordo com os resultados de alguns estudos (Silva & Conboy; Pacheco & Flores, citados por Flores, 2009), constituiu um processo que de facto “não avaliava”.

A partir de 2007, no sistema educativo português são introduzidas alterações relativas à avaliação de desempenho docente que apontam para procedimentos mais exigentes e uma recolha de dados multifacetada. A implementação do novo modelo (decreto regulamentar, nº 2/2008, de 10 de janeiro) passou por várias fases e por sucessivos processos de simplificação. No Decreto Regulamentar nº 2/2010, de 23 de junho, os principais objetivos incidem na melhoria dos resultados escolares dos alunos e na qualidade das aprendizagens, a par do desenvolvimento pessoal e profissional do docente. Este modelo inclui uma vertente de caráter sumativo a par de uma vertente de caráter formativo, visando a melhoria e o desenvolvimento profissional segundo o perfil de desempenho profissional exigido para o desempenho de funções docentes de acordo com o Decreto-lei nº 240, de 30 de agosto de 2001, normativo que se constitui como quadro orientador fundamental para a avaliação docente.

A recolha de dados para efeitos de avaliação é feita através de instrumentos de registo normalizados, discutidos e aprovados em Conselho Pedagógico, após terem sido analisados na Comissão de Coordenação de Avaliação de Desempenho (CCAD) de cada agrupamento de escolas. O processo inicia-se com a entrega facultativa de objetivos individuais. A observação de aulas ocorre a pedido do interessado, mediante requerimento solicitando duas ou três aulas observadas. O referido decreto indica ainda que o processo de avaliação inclui, por parte do avaliador: reuniões facultativas de pré-observação de aulas; observação de aulas, sua análise e feedback ao avaliado, análise do relatório de autoavaliação e verificação de ações de formação realizadas, preenchendo, no final, a ficha de autoavaliação; a posterior realização de uma entrevista individual entre os avaliadores e os avaliados, que incidirá na proposta de classificação e, posteriormente, reunião com o júri de avaliação, do qual o avaliador faz parte, para validação e atribuição da nota final e respetiva menção.

Todos os processos são analisados pelo júri de avaliação, constituído pelos elementos da CCAD e respetivo avaliador/relator, que, de acordo com as quotas e existência ou não de aulas observadas, atribuem a classificação final qualitativa ao avaliado.

Sabendo que este modelo comporta em simultâneo a melhoria da qualidade do desempenho docente e de prestação de contas, parece necessário ter em atenção “um eventual conflito entre a avaliação de desempenho para o desenvolvimento profissional e a avaliação do desempenho para a progressão da carreira e promover a sua complementaridade e articulação” (OCDE, 2009, p. 2).

Também Ramos (2007) indica que os resultados da investigação nos mostram a necessidade de um equilíbrio entre modalidades de avaliação formativa e sumativa, referindo que cada vez mais estes “vão deixando de ser encaradas de forma dicotómica e alternativa, para passarem a ser vistas, preferencialmente, de forma complementar e sistémica” (p. 11).

Em Portugal, vários têm sido os estudos sobre a problemática da avaliação de desempenho (Silva, 2001; Curado, 2002; Ferreira, 2006; Lourenço, 2008; Eugénio, 2009; Borges, 2009; CCAP, 2009; Gomes, 2010; Couto, 2010; Chagas, 2010; Tarrinha, 2010; Machado, 2012; Silva, 2012, entre outros). Destes, salientamos o Relatório sobre a monitorização e o acompanhamento da avaliação do desempenho docente na Rede de Escolas Associadas ao Conselho Científico para a Avaliação de Professores (CCAP, 2009). Este estudo contou com a participação de 87 escolas e pretendia “dar credibilidade ao conhecimento sobre o processo no terreno, reais dificuldades e dinâmicas, processos (…) bem-sucedidos e variáveis que influenciaram esses processos e resultados.” (p. 6).

De acordo com a opinião maioritária dos participantes, conclui-se que o fator mais forte da resistência e do descontentamento manifestados foi a “aproximação da carreira docente a características (…) das políticas de carreira da administração pública, que não faziam parte da cultura e expectativas de unidades orgânicas e dos professores”(p. 47); ao nível dos papéis dos professores da escola que assumiram práticas relativas à avaliação de desempenho, tanto os avaliadores e avaliados “resistem de forma muito semelhante, por rejeição, ao desempenho de papéis funcionalmente hierárquicos que, a seu ver, afetam a solidariedade no grupo profissional” (p. 47); ao nível da prática docente e do relacionamento no interior da profissão, salienta-se que a avaliação entre pares cria nos professores “desmotivação, conflitualidade, alteração de bons climas relacionais e perda de entusiasmo pelo trabalho“ (idem). Quanto aos fatores relativos à organização e condução do processo de avaliação nas escolas, embora em larga maioria os Conselhos Executivos se tenham empenhado na organização e desenvolvimento da ADD, ressalta no estudo que “coube aos Departamentos Curriculares, seus Coordenadores e Subcoordenadores a parte maior da produção de instrumentos” (p. 51). Por fim, no que respeita aos fatores relativos a processos e resultados da avaliação do desempenho docente, no estudo conclui-se que a maioria dos docentes “cumpriu o que a legislação estabelece no que se refere, nomeadamente, à realização e apresentação de objetivos individuais, estabelecimento dos instrumentos de registo e observação das aulas.” (p. 53). No entanto, “as evidências recolhidas indiciam uma grande dificuldade em transformar as lógicas processuais instaladas e tornadas parte de uma cultura e de uma vivência.” (idem). Quanto aos avaliadores, em 86,6% dos agrupamentos de escolas considera-se que estes deverão ter melhor formação ou mesmo formação pós-graduada. Em 63,3% dos casos, menciona-se que deve ser criada uma bolsa de avaliadores com formação em supervisão e em alguns há mesmo referência à criação da carreira de avaliador (CCAP,2009). A formação em supervisão é, portanto, reconhecida pelos professores como necessária para o bom desenvolvimento da avaliação de professores.

 


2.METODOLOGIA

Como vimos antes, a publicação do Decreto-lei nº 75/2010, de 23 de junho e sua regulamentação (Decreto Regulamentar n.º2/2010) atribuíram à Avaliação de Desempenho Docente duas finalidades distintas: o desenvolvimento profissional e a progressão na carreira. A articulação destas duas finalidades num sistema de avaliação de desempenho é de difícil concretização, pois a finalidade de progressão na carreira aponta marcadamente para uma avaliação sumativa, de caráter seletivo, enquanto a finalidade de desenvolvimento profissional docente orienta o processo para formas de apoio e supervisão de caráter formativo (Vieira & Moreira, 2011; Marchão, 2011).

Na tentativa de aprofundar uma problemática que afetou e mobilizou professores e escolas, realizaram-se dois estudos, que foram desenvolvidos durante a vigência do já referido decreto-lei e tiveram como questões orientadoras

• Quais as perspetivas dos professores avaliadores e avaliados do 1º e do 2º/3ºciclos de um AE sobre a Avaliação de Desempenho Docente?

• De que forma os professores avaliadores e avaliados do 1º e do 2º/3º ciclos viveram o processo de ADD, a nível individual e a nível organizacional?

• Que processos supervisivos foram desenvolvidos durante o processo de Avaliação de Desempenho Docente?

• Qual a conceção dos professores avaliadores e avaliados sobre o contributo da avaliação de desempenho para o seu desenvolvimento profissional?

Destas questões, decorrem os objetivos gerais dos dois estudos:

i) conhecer as conceções de avaliadores e avaliados sobre os fundamentos e as práticas de avaliação de desempenho desenvolvidas nos seus contextos profissionais;

ii) definir o papel que avaliadores e avaliados atribuem à supervisão no processo de avaliação de desempenho docente.

Os estudos foram realizados no mesmo agrupamento de escolas (AE), sendo um desenvolvido com professores do 1º ciclo e outro com professores do 2º/3º ciclos. Tendo em conta entrevistas exploratórias previamente realizadas, através do estudo no 1º ciclo procurou ainda conhecer-se o papel das equipas pedagógicas no processo de ADD, enquanto o estudo no 2º/3º ciclos aprofundou os aspetos relacionados com as competências dos avaliadores consideradas necessárias.

O agrupamento de escolas em que os dois estudos foram desenvolvidos é considerado um território educativo de intervenção prioritária (TEIP) e é constituído por 5 Jardins de Infância, 8 escolas do 1º ciclo e uma escola básica 2/3, existindo ainda 4 turmas do ensino secundário.

O estudo relativo ao 1º ciclo envolveu sete participantes (4 professores avaliados e 3 avaliadores), todos professores do 1º ciclo do ensino básico. Para a seleção dos professores avaliados usaram-se os seguintes critérios: i) ter pedido observações de aulas no processo de avaliação de desempenho; ii) ser professor titular de turma; iii) ter entre 0 a 16 anos de serviço docente; iv) ter entre 0 a 15 anos de permanência no agrupamento; v) lecionar os últimos anos de escolaridade do 1º ciclo (3º e 4º anos). Os critérios relativos ao tempo de serviço docente e tempo de permanência no AE tiveram por base a possibilidade de abranger quer os docentes contratados, quer os docentes do quadro de escola. A opção por docentes com turmas de 3º e 4º ano teve em consideração o facto de, eventualmente, o peso dos resultados escolares dos alunos ser mais sentido pelos docentes destes anos de escolaridade, estando este aspeto incluído num dos parâmetros da ficha de avaliação de desempenho.

Procurou-se que a seleção dos avaliadores fosse feita a partir da seleção dos avaliados, escolhendo-se os docentes que avaliaram os professores anteriormente selecionados como avaliados, o que nem sempre foi possível, sendo necessário selecionar dois outros avaliadores que não se encontravam nesta situação.

O grupo de avaliadores é relativamente homogéneo em relação ao tempo de serviço (entre 29 e 34 anos), sendo a média de 31 anos. Todos os avaliadores exercem cargos de gestão intermédia. Quanto aos avaliados, o seu tempo de serviço varia entre 2 e 16 anos, com uma média de 10 anos. Todos os docentes são licenciados. Importa salientar que um dos docentes avaliados tem habilitações académicas superiores às dos avaliadores.

Relativamente ao estudo realizado no 2º/3º ciclo do ensino básico do mesmo agrupamento, nele participaram oito professores (4 avaliadores e 4 avaliados). Como critérios de seleção dos participantes, tivemos em conta: i) pertencer a diferentes departamentos, de forma a garantir a diversidade e especificidade dos grupos de docência (Departamento de Línguas, Ciências Sociais e Humanas, Matemática e Ciências, e  Departamento das Expressões); ii) ter sido avaliador ou avaliado no biénio anterior; iii) ter solicitado aulas assistidas, no caso dos avaliados.

Ao contrário do 1º ciclo, o grupo de avaliadores do 2º ciclo é heterogéneo em termos de tempo de serviço, variando entre 16 a 30 anos, com uma média de 25,7 anos. Importa destacar que nenhum avaliador possui formação especializada em relação à avaliação de desempenho docente. No grupo dos avaliados, três professores são efetivos na instituição escolar e um professor é contratado (com renovação). Estes docentes têm entre 7 e 17 anos de serviço, sendo a média de 13,7 anos. Todos os docentes são licenciados e também neste grupo se constata que alguns avaliados têm habilitações académicas superiores às dos avaliadores. Por outro lado, todos os avaliadores exercem cargos de gestão intermédia, mas alguns dos avaliados também.

Assim, é possível concluir que, no 1º ciclo, há diferenças claras entre avaliadores e avaliados no que respeita a tempo de serviço e cargos exercidos, enquanto no 2º/3º ciclos essa diferença não é tão evidente. As habilitações académicas não diferenciam avaliadores e avaliados, uma vez que, nos dois níveis educativos, há avaliados com habilitações superiores aos avaliadores.

Os dados foram recolhidos através de entrevistas semi-diretivas. Os guiões foram elaborados de modo que os blocos temáticos e os objetivos específicos fossem idênticos para avaliadores e avaliados, fazendo-se as adequações necessárias ao tipo de entrevistados no formulário de questões. Esta estratégia permitiu-nos, posteriormente, comparar os resultados dos dois subgrupos (avaliadores e avaliados), em relação a cada um dos ciclos de ensino. O guião das entrevistas focava-se nas conceções dos docentes sobre ADD, nas perceções sobre as práticas de ADD vivenciadas na escola (incluindo as práticas de supervisão) e no contributo da ADD para o desenvolvimento profissional.

As entrevistas foram tratadas através de análise de conteúdo categorial, realizada maioritariamente através de procedimentos indutivos ou abertos (Esteves, 2006), embora os temas tenham decorrido diretamente dos guiões. Assim, recortou-se o discurso dos entrevistados em unidades de registo (correspondendo a unidades mínimas de significado completo), que foram agrupadas em indicadores, estes em subcategorias e estas, por sua vez, em categorias que se inseriram nos temas pré-definidos. As unidades de registo foram consideradas também unidades de enunciação e, portanto, quantificadas (Bardin, 2008), Como unidade de contexto considerámos a entrevista. Para a categorização seguimos as regras enunciadas por Bardin (2008): exclusão mútua (cada elemento só pode pertencer a uma única categoria); homogeneidade (as categorias são criadas a partir de um único princípio de categorização); pertinência (face aos objetivos do estudo); fidelidade (o mesmo material, quando submetido a vários codificadores, deve ser codificado do mesmo modo); produtividade (a categorização deve conduzir a resultados).

 


3. RESULTADOS DOS ESTUDOS

 

3.1. Resultados do estudo no 1º ciclo

A análise das entrevistas aos docentes avaliadores e avaliados do 1º ciclo (cf. Machado, 2012) revela que estes indicam duas funções da avaliação: uma de caráter formativo, realçando a necessidade da avaliação para melhorar as práticas, o apoio proporcionado pela partilha de práticas e a forma como a avaliação pode constituir um estímulo à reflexão; outra, de caráter sumativo, relacionada com a função seletiva da avaliação e com o seu efeito na progressão na carreira, salientando a condicionante das quotas. Os dois excertos seguintes ilustram estas duas dimensões e a dificuldade de conciliação entre elas:

não como uma avaliação estanque, mas sim como uma ajuda para a melhoria das práticas.
Eu só vejo a avaliação assim. (EPA2)
Eu sei, eu ouvi, muitos diziam: Ah, isto não adianta muito, porque estamos condicionados pelas quotas! Eu acho que essas quotas (…), não deviam de existir quotas. (EPQ1)

Os entrevistados referem ainda os pontos de discordância e de concordância  face ao modelo de ADD, referindo-se os avaliadores também ao processo de formação para a avaliação docente, que consideram negativo.

Relativamente aos problemas gerados pela ADD, os participantes referiram a sobrecarga de trabalho, a falta de tempo e as dificuldades na participação e colaboração. Ambos os subgrupos de participantes afirmam que a sobrecarga de trabalho se deve à excessiva burocratização do processo, a acrescentar à exigência atual das funções docentes. Os entrevistados perspetivam ainda a avaliação docente como causa de eventuais problemas relacionais entre docentes.

A seleção dos avaliadores é outro dos aspetos focados pelos entrevistados, mas, enquanto os avaliadores referem que esta é realizada sobretudo tendo em conta a experiência/anos de serviço, os avaliados consideram que tem por base a competência profissional. Neste sentido, parece possível inferir que, enquanto os avaliadores têm uma perspetiva administrativa sobre a escolha dos docentes para o exercício desta função, os avaliados têm uma perspetiva predominantemente profissional. Em última análise, estes resultados podem indicar que os avaliadores, inseguros sobre a sua competência para exercer o cargo, se refugiam em parâmetros administrativos para justificar a escolha de que foram alvo.

Quanto à experiência da avaliação de desempenho, os entrevistados apontam como elementos de avaliação a observação de aulas, a definição de objetivos individuais e o relatório de avaliação, mas valorizam sobretudo estes dois últimos processos, considerando que espelham as práticas docentes. Pela ausência de referências expressas, concluímos que os docentes avaliados não efetuaram pedidos de observação de aula com a intenção de melhoria de práticas.

No que respeita ao processo supervisivo, consideraram-se três momentos: a situação pré-observação, observação e pós-observação. Verificámos que, no momento pré observação, se recorreu à preparação de aulas observadas e a reuniões pré observação. Os professores contratados avaliados indicam-nos, contudo, a imposição de áreas curriculares a serem trabalhadas nas aulas observadas. Quanto à observação de aulas propriamente dita, apenas os docentes avaliados se pronunciam, afirmando que não modificaram as aulas por estas serem objeto de observação. A situação pós-observação é mais referenciada que as anteriores, salientando-se as referências à existência de feedback depois das aulas e as reflexões sobre a planificação para as aulas seguintes. Quer os avaliadores, quer os avaliados indicam também a existência de propostas do avaliador para mudanças na prática do avaliado.

Quanto aos constrangimentos identificados pelos docentes no decurso da ADD, estes prendem-se com a falta de esclarecimento e discussão dos diplomas legais, a insuficiência de dados sobre os avaliados, as limitações sentidas quer no trabalho em equipa entre avaliadores, quer na discussão a nível da escola. A escassez de experiência e competência para avaliar foi apontada pelos dois subgrupos participantes como fator de constrangimento, embora com maior relevo e frequência pelos docentes avaliadores.

Relativamente aos aspetos facilitadores, é salientado o trabalho conjunto entre avaliadores e avaliados, com particular enfâse na discussão informal das orientações legais e também na elaboração de fichas de apoio. Um outro aspeto facilitador teve a ver com a discussão em equipa sobre a avaliação docente, destacando-se a reflexão em pequeno grupo (sobretudo pelos docentes contratados) e a existência de discussão relativa ao processo no subgrupo dos avaliadores. O relacionamento positivo entre os participantes terá também facilitado o processo, tendo sido realçada a abertura dos professores em início de carreira para a partilha e reflexão. Por último, a adequação de instrumentos foi outro aspeto facilitador, sobretudo para o grupo dos avaliadores.

Quanto a sugestões para a melhoria do processo, salientam-se as propostas de coexistência de processos de avaliação interna e externa e de simplificação do modelo, sugerindo ainda (apenas o grupo dos docentes avaliados) a apresentação conjunta de objetivos individuais e relatório de autoavaliação e o menor grau de formalidade das aulas observadas. É alvitrado o alargamento do âmbito de recolha de dados, sugerindo os avaliadores a inclusão dos resultados das aprendizagens dos alunos e as formas de organização da sala de aula neste processo, enquanto os avaliados propõem que a avaliação incida sobre documentos elaborados pelo professor no âmbito da prática letiva normal.

Em síntese, a perceção sobre a experiência do processo de avaliação docente parece-nos ser dicotómica. Se, por um lado, a existência de constrangimentos espelha as limitações e dificuldades, sejam elas de carater pessoal ou profissional, sentidas pelos avaliados e avaliadores, estas questões equilibram-se com os aspetos facilitadores, que refletem o trabalho realizado por avaliadores e avaliados em prol do entendimento comum e da clarificação de aspetos relacionados com o diploma e os instrumentos de avaliação, revelando uma base de relacionamento positivo entre ambos os participantes.

Quanto aos efeitos da avaliação de desempenho no desenvolvimento profissional dos professores, os entrevistados indicam que a ADD teve efeitos na sua aprendizagem profissional, decorrentes sobretudo de processos de aprendizagem colaborativa quer entre avaliadores, quer entre avaliados e ainda entre ambos. Avaliadores e avaliados identificam também necessidades de formação, embora as necessidades formativas dos avaliadores incidam sobretudo na formação em avaliação de desempenho docente e as dos avaliados em didáticas específicas das diversas áreas curriculares do 1º ciclo.

No que concerne às mudanças nas práticas profissionais geradas durante a avaliação de desempenho, a mais salientada pelos entrevistados diz respeito ao aumento da colaboração entre docentes durante o processo, com principal destaque para a partilha de práticas de sala de aula, referida por ambos os subgrupos de entrevistados. É de salientar que estas mudanças são especialmente referidas pelos avaliadores, como se pode verificar no excerto seguinte:

Quem vai observar, seja no contexto de avaliação, seja no contexto de formação, quem vai observar, aprende sempre algo. (EPCD

Podemos, pois, concluir que se geraram mudanças durante o processo de avaliação, que estão relacionadas com o desenvolvimento profissional docente. Apesar de já existir partilha entre docentes, a avaliação parece ter contribuído para aumentar a colaboração interpares e fomentado também a partilha de práticas de sala de aula, não apenas entre avaliados, mas sobretudo entre as equipas docentes, dando a conhecer estratégias de ensino e materiais pedagógicos. Como refere uma docente:

tudo, desde a organização de sala de aula, desde ficheiros, desde grelhas, instrumentos de regulação como nós lhe chamamos, que é grelhas de orientação de trabalho, listas, trabalho que pode ser feito em termos autónomos…o conselho de turma, a base do conselho de turma, muita partilha… (EPC1)
Começaram a partilhar mais, que eu dizia ‘olha esta colega fez um trabalho muito giro em sala de aula e vamos falar sobre ele’ e falávamos em conjunto. (EPA2)

As entrevistas dos avaliadores indicam-nos que o processo criou oportunidades de refletir sobre a prática e o conhecimento de outras formas de agir introduziu mudanças pedagógicas. Por sua vez, os avaliados referenciam sobretudo as mudanças relativas à necessidade de pesquisa para melhorar as práticas e às suas responsabilidades nesse processo.

Concluindo, parece possível inferir que, no contexto dos docentes do 1º ciclo, a colaboração pré-existente facilitou a valorização da dimensão formativa face à dimensão classificativa e de prestação de contas que, nestes resultados, parece não ter tido tanto impacto como tem sido referido noutros estudos (Couto, 2010; Chagas, 2010). Essa cultura pré-existente de colaboração interpares parece também ter facilitado a observação de aulas e o feedback supervisivo pós observação.).

 

3.2.Resultados do estudo no 2º ciclo

A análise das entrevistas aos docentes do 2º/3º ciclos (cf. Silva, 2012) permitiu perceber que tanto os professores avaliadores como os professores avaliados discordam do modelo de avaliação, que consideram inexequível, complexo, excessivamente burocrático e pouco credível. Os docentes consideram que o processo e os resultados da avaliação realizada são pouco fiáveis, devido a vários fatores: incoerências do processo, relações interpessoais, distorção da realidade nas aulas assistidas, restrições administrativas relativamente às quotas e ausência de equidade nos procedimentos.

Os avaliadores mostram-se maioritariamente descontentes com a imposição e obrigatoriedade do cargo de avaliador, salientando o desconhecimento sobre os critérios de nomeação para o cargo e a falta ou a insuficiência de informação relativa ao processo a desenvolver no âmbito da ADD, como o excerto seguinte ilustra:

eu não tive formação nenhuma, quem sou eu para dizer que aquele colega está a fazer mal, está a fazer bem, posso dar o meu parecer posso dizer pelo meu ponto de vista que se calhar fazia assim, mas estar a dizer que ele está a fazer bem ou a fazer mal, não posso dizer. (Avaliador B)

Este grupo de entrevistados é aquele que mais se pronuncia sobre a criação de um clima de constrangimento no agrupamento, clima que atribui à forma de seleção dos avaliadores, à falta de competências para observação de práticas pedagógicas e à competitividade gerada entre os docentes.

Relativamente aos avaliados, estes consideram que as aulas assistidas não contribuíram para aumentar o seu empenho profissional e que houve falta de diálogo com o avaliador, o que não estimulou o aperfeiçoamento das suas práticas pedagógicas e não contribuiu para o seu desenvolvimento profissional.

Grande parte dos professores avaliados referiu o desgaste causado pelo excesso de trabalho, pelo processo confuso, pela falta de informação, e por problemas de comunicação entre os órgãos de topo e os intermédios. Na perspetiva dos avaliados, existe uma distorção da realidade na observação de aulas, visto que há uma preparação particular das aulas assistidas tendo em conta a situação de observação, o que faz com que essas aulas não correspondam à prática diária; no entanto, constataram que as aulas assistidas aumentam o seu empenho, bem como aumentam uma efetiva aprendizagem dos alunos devido à preparação das mesmas aulas.

Importa realçar que, embora o guião da entrevista incluísse questões diretamente relacionadas com o papel da supervisão na avaliação de desempenho, os docentes referem muito pouco este aspeto, concentrando-se antes em questões mais gerais da avaliação de desempenho. Por si só, esta constatação parece indiciar que os docentes (avaliadores e avaliados) não atribuem um papel muito relevante à supervisão no processo avaliativo. Na verdade, ambos os grupos de participantes focam sobretudo as questões da ADD que os afetam pessoal ou profissionalmente e, subjacente a essas preocupações, parece estar uma visão essencialmente avaliativa e classificativa. As únicas indicações de uma visão mais formativa da ADD surgem no discurso de alguns avaliados, ao referir a necessidade de diálogo e partilha sobre práticas pedagógicas.

Os entrevistados equacionam a supervisão essencialmente no âmbito da observação de aulas, numa perspetiva que, provavelmente, em muito se ficará a dever às suas experiências como supervisionados na formação inicial. A observação de aulas neste nível de ensino cumpriu o ciclo supervisivo básico: encontro pré-observação, observação e encontro pós-observação. No encontro pré-observação, não existiu uma análise e discussão do contexto pedagógico da turma e apenas alguns docentes referem o diálogo prévio sobre o plano da aula a ser observada. A maior parte dos avaliadores realizou uma observação naturalista. Nesse registo, tiveram em conta os itens da ficha fornecida pela CCAD, o que lhes permitiu posteriormente preenchê-la. No encontro pós-observação, parece ter existido algum feedback, assinalado por avaliadores e avaliados. No entanto, grande parte das referências ao encontro pós-observação incide sobre outras componentes avaliativas e classificativas que não a análise e discussão das aulas observadas. Concluímos que esta falta de discussão terá sido consequência de os avaliadores não se sentirem confortáveis pelo exercício da sua função, quer pela falta de conhecimentos supervisivos, quer pela falta de reconhecimento da sua legitimidade. Segundo a legislação, a observação de aulas constitui um dos momentos de um processo supervisivo-avaliativo que inclui interação e acompanhamento do avaliado, e este objetivo não parece ter sido totalmente atingido neste caso.

Na perspetiva dos avaliadores, a observação de aulas é um problema na avaliação de desempenho docente, geradora de clima de constrangimentos pelo facto de os pares se conhecerem e manterem relações diárias, o que interfere com a imparcialidade que, na perspectiva dos professores avaliadores, é necessária e difícil de realizar. Estes constrangimentos decorrem da forma como eles próprios são selecionados para o desempenho do cargo de avaliadores e da falta de competências para a observação das práticas dos professores. Com efeito, a maior parte dos avaliadores aponta descrença no processo e resultados da avaliação de desempenho, considerando-a inútil. Neste âmbito, referem especialmente a inutilidade da observação de aulas para os avaliados. Com uma posição de base como esta sobre a ADD, parece difícil desenvolver um processo de supervisão consistente e formativo.

Como referimos antes, os avaliados consideram que os seus avaliadores tinham escassa credibilidade para o exercício da função de que foram encarregues e os próprios avaliadores percecionam a sua falta de competências quer no âmbito da avaliação de desempenho, quer especificamente no que se refere à supervisão, como o excerto seguinte mostra:

também não considero também muito justo um professor que não tem (…) formação para tal me venha avaliar a mim. (Avaliado C)

Com efeito, os professores designados para a função consideram que possuir mais tempo de serviço não confere conhecimentos técnicos para avaliar os seus pares, e esta ausência de formação justifica a falta de competências para avaliar e supervisionar. A questão da seleção dos avaliadores com base no tempo de serviço é também equacionada pelos avaliados, que consideram que, para avaliadores, foram escolhidos docentes com muito tempo de serviço, mas sem hábitos de diálogo, reflexão e partilha.

Em relação aos critérios para a seleção dos professores avaliadores foi assim sugerido o fim da seleção dos professores avaliadores pelo número de anos de serviço, sendo, por exemplo, referido por um docente que…

nós vemos muitos professores com muitos anos de serviço que não tem a mínima noção do que é refletir, do que é dialogar, do que é partilhar, quer dizer vivem fechados nas suas casinhas e não falam com ninguém, sobre aquilo que se passa nas suas aulas. O professor que não fala com os colegas sobre o que se passa nas suas aulas como é que vai avaliar os outros professores!? (...) portanto não devia ser pelo tempo de serviço nem pelo escalão. (Avaliado D)

É de salientar, no entanto, que alguns avaliados sugerem que os avaliadores, para além de não terem competências avaliativas e supervisivas específicas, não tinham também competências pedagógicas, sendo considerados maus professores e pouco inovadores. Estas referências levam a crer que, mesmo sem competências específicas no âmbito da avaliação docente, os avaliadores seriam bem aceites (ou, pelo menos, melhor aceites) se fossem reconhecidos pelos avaliados como bons professores.

Para além deste reconhecimento profissional como docentes, porém, a necessidade dos avaliadores possuírem uma formação credível e especializada é reconhecível no discurso de ambos os grupos de entrevistados. No entanto, os avaliadores abordam a questão da falta de formação de modo muito genérico, não especificando as suas necessidades formativas. Os avaliados, pelo contrário, parecem ter uma ideia mais clara das condições requeridas para o desempenho do papel de avaliadores, salientando que estes devem possuir competências científicas e pedagógicas.

Através da análise dos resultados das entrevistas aos avaliados é possível traçar algumas características do perfil ideal do avaliador. Neste perfil, ressaltam as competências relacionais e de interação e os domínios científico, pedagógico e didático, salientando a necessidade de avaliador e avaliado serem do mesmo grupo disciplinar. A capacidade de diálogo, a partilha e reflexão foram as qualidades mais focadas, seguindo-se a imparcialidade.

Ao analisarmos os dados no que se refere ao contributo da avaliação de desempenho docente no desenvolvimento profissional obtivemos duas perspetivas diferentes, de algum modo contraditórias em relação aos resultados e conclusões anteriormente assinalados.

Com efeito, o grupo dos avaliadores, que em todas as outras dimensões de análise se mostrou mais discordante e renitente à ADD, é aquele que mais vantagens e benefícios parece ter retirado desta experiência. Apesar de terem assinalado a inutilidade das aulas assistidas, estes docentes consideram a experiência de observação de aulas muito enriquecedora, não tanto para o observado, mas sobretudo para o observador. Como afirma um dos avaliadores:

para mim esta experiência foi enriquecedora porque eu aprendi muito com as colegas que fui que fui observar. (Avaliador A)

No que se refere às modificações necessárias na ADD, concluímos que grande parte das afirmações dos avaliados incide na necessidade de criação de uma equipa externa; no entanto, a maior parte dos professores avaliadores parece demonstrar, em simultâneo, algum receio relativamente à atuação da possível equipa externa. A equipa externa, na perspetiva de ambos os intervenientes, reduziria os constrangimentos entre os pares da escola e, ao mesmo tempo, permitiria maior ajuda e favoreceria o diálogo e a partilha entre os professores da escola.

De entre as alterações a realizar, destaca-se a necessidade de uniformização de procedimentos dos diferentes agrupamentos bem como a necessidade de uniformização de processos na própria escola. A existência de diferentes procedimentos avaliativos é equacionada como origem de situações de injustiça e suscita várias dúvidas entre os avaliados.

Por fim, no que diz respeito às modificações no modelo da avaliação de desempenho docente, é possível distinguir aspetos de natureza exterior à instituição e os aspetos de natureza interna. Entre os primeiros, destaca-se a criação de uma equipa externa à escola com formação específica e carreira diferenciada e com competência relacional, ética, pedagógica e científica, de forma a poder contribuir para o desenvolvimento profissional através de atitudes de imparcialidade, justiça, diálogo, reflexão e partilha de sugestões para melhoria da prática. A existência de equipas externas permitiria ainda assegurar procedimentos uniformes nos diferentes agrupamentos de escolas. Esta opção é defendida por avaliadores e avaliados, havendo apenas um avaliado que refere a importância da avaliação interna, nomeadamente pelo conhecimento da dinâmica interna da escola.

Relativamente aos aspetos de natureza interna, os entrevistados propõem a promoção de aulas observadas entre docentes “tipo sala aberta”, em que não exista caráter avaliativo, e o estabelecimento de formas de comunicação eficazes entre os órgãos de gestão e os docentes.

Sintetizando, no contexto dos docentes do 2º/3º ciclos, os resultados do estudo revelam que ã vertente formativa da avaliação é bem acolhida pelos avaliados, desde que contribua para a melhoria do desempenho profissional e que seja desenvolvida por profissionais com competências reconhecidas e/ou com formação especializada.

Com efeito, parte da discordância manifestada pelos entrevistados em relação ao processo de avaliação docente deve-se ao facto de esta ser efetuada por pares da própria escola a quem não é reconhecida legitimidade profissional ou académica, o que dá origem a constrangimentos interpessoais e à probabilidade de influência das relações pessoais na atribuição da classificação. Por outro lado, as entrevistas evidenciam problemas de falta de informação e comunicação quer entre os responsáveis pela avaliação e os avaliadores, quer entre estes e os avaliados, o que gerou situações pouco claras para todos os intervenientes.

 


4.CONSIDERAÇÕES FINAIS

Confrontando os resultados obtidos com as questões orientadoras e os objetivos específicos que nortearam os dois estudos realizados neste AE, é possível formular algumas considerações em jeito de conclusão, que devem ser lidas com as limitações inerentes à natureza deste tipo de investigação.

As perspetivas dos avaliadores e avaliados entrevistados nos diferentes ciclos de ensino sobre a ADD têm quase sempre como base o modelo vigente na época e é por referência a ele que nos são reveladas. Esta constatação indicia que a avaliação dos professores foi introduzida nas escolas diretamente através dos normativos que a pretendiam colocar em marcha, focando o debate, desde logo, nos dispositivos, nos intervenientes e nos procedimentos, sem que houvesse tempo para aprofundar as intenções, funções e dimensões de um processo deste tipo (Tomás & Costa, 2011; Jacinto, 2013). No entanto, este debate prévio teria sido essencial, porque a criação de uma hierarquia funcional na escola e a consequente quebra da paridade entre professores, a instalação de um discutível regime de quotas e o escrutínio do desempenho individual não faziam parte da cultura profissional docente e era previsível que com ela entrassem em conflito (CCAP, 2009). Para além das insuficiências e incoerências do modelo, a precipitação ou inabilidade da tutela favoreceu posições de rejeição que, nos resultados destes dois estudos, se manifestam através da discordância face ao modelo de ADD então vigente.

No caso dos docentes do 1º ciclo, essa discordância incide em aspetos específicos como a obrigatoriedade do processo, a necessidade da observação de aulas e a função seletiva da ADD, focada por avaliadores e avaliados (sobretudo os contratados). No caso dos docentes do 2º/3º ciclos, a discordância incide claramente sobre as caraterísticas gerais do modelo, que é considerado inexequível, complexo, excessivamente burocrático e pouco credível.

Nos dois estudos, são os avaliados que equacionam algum benefício no modelo de avaliação, considerando que este pode contribuir para atualizar as práticas (1º ciclo) e criar oportunidades para os docentes mostrarem e divulgarem o seu trabalho pedagógico e assim obterem reconhecimento pelos pares (2º/3º ciclos). Os avaliadores, pelo contrário, incidem nas desvantagens, dando especial relevo aos problemas relacionados com a formação necessária para assumir funções de avaliador, quer porque foi insuficiente (2º/3º ciclos), quer porque deveria ter sido gratuita (1º ciclo).

No entanto, os docentes do 1º ciclo consideram que a avaliação pode ter como função essencial a melhoria da prática profissional, podendo constituir um estímulo à reflexão sobre essa mesma prática, perspetiva que sugere a orientação para a dimensão formativa da avaliação de desempenho (Cf. Afonso, 2009). No caso dos docentes do 2º/3º ciclos, as únicas indicações de uma visão formativa sobre a ADD surgem no discurso de alguns avaliados, que realçam a necessidade de diálogo e partilha de práticas pedagógicas. Assim, apesar das chamadas de atenção de alguns autores (Rodrigues & Peralta, 2008; Morgado & Sousa, 2010; Moreira & Vieira, 2011, entre outros), a ausência de debate sobre as finalidades e dimensões da avaliação de desempenho parece ter constituído, para as escolas e para a classe docente, uma oportunidade perdida de orientar o processo para o desenvolvimento profissional, tomar decisões sobre a profissão e definir percursos de profissionalidade…

Neste quadro, não é de estranhar que, quando inquiridos sobre ADD em termos gerais, os docentes raramente refiram a supervisão como componente do processo. Avaliadores e avaliados focam-se sobretudo nas questões que os afetam profissionalmente e as suas preocupações tendem a centrar-se em aspetos processuais (Cf. Tomás & Costa, 2011).

Quanto ao modo como os docentes viveram o processo de ADD a nível individual e organizacional, identificam-se aspetos comuns e aspetos divergentes nos ciclos de escolaridade estudados. Por outro lado, em ambos os ciclos são evidenciados ainda questões comuns a avaliadores e avaliados e questões em que estes dois subgrupos de docentes se diferenciam.

Com efeito, quer no 1º ciclo, quer no 2º/3º ciclos, a ADD decorreu com alguns constrangimentos e dificuldades que a colaboração entre docentes ajudou, em parte, a superar, sobretudo no caso do 1º ciclo (Cf. Alarcão & Tavares, 2003; Formosinho & Machado, 2009). O constrangimento mais focado reporta-se, como vimos, à falta de competências específicas dos avaliadores/supervisores e consequentes dificuldades no desempenho desse papel, aspeto já identificado em diversos estudos (Borges, 2009; Tomás & Costa, 2011). Embora a insegurança dos avaliadores face à sua competência para o desempenho do papel que lhes foi atribuído seja evidente nos docentes dos dois ciclos, esta teve mais consequências no 2º/3º ciclos do que no 1º, o que parece ficar a dever-se ao facto de, neste último ciclo, os avaliados reconhecerem a experiência profissional dos avaliadores enquanto professores, o que já não acontece nos avaliados do 2º/3º ciclos. Para além disso, importa relembrar as diferenças claras existentes entre avaliadores e avaliados do 1º ciclo no que respeita a tempo de serviço e cargos exercidos, enquanto no 2º/3º ciclo estas variáveis apresentam diferenças bem menos óbvias.

Neste sentido, é possível concluir que, na ausência de formação e/ou competências específicas de avaliação e supervisão, o reconhecimento da experiência e competência como docente é essencial para a aceitação dos avaliadores.

No que concerne aos processos supervisivos desenvolvidos durante a avaliação de desempenho docente, estes cumpriram o ciclo supervisivo básico (Alarcão & Tavares, 2003). No entanto, enquanto no 1º ciclo os encontros pós-observação se centraram no feedback das aulas observadas, tendo contribuído para a análise das situações de ensino e para melhorar o planeamento das aulas subsequentes, no 2º/3º ciclos o encontro pós-observação incidiu sobre componentes avaliativas e classificativas e não sobre a análise e discussão das aulas observadas. Subjacente a esta situação parece estar a descrença dos avaliadores do 2º/3º ciclos no processo e nos efeitos da ADD em geral e da observação de aulas em particular, mas também o desconforto que sentem na sua posição de avaliadores e supervisores. Já no 1º ciclo, o processo parece ter assumido uma forma menos ameaçadora e mais formativa, provavelmente porque o bom relacionamento avaliador/avaliado salientado nas entrevistas e ainda o reconhecimento da experiência e competência docente dos avaliadores permitiram que os intervenientes centrassem a atenção nas situações curriculares.

Coerentemente com as conclusões anteriores, a conceção de avaliadores e avaliados sobre o contributo da avaliação de desempenho para o seu desenvolvimento profissional reveste diferentes caraterísticas conforme se trate do 1º ou do 2º/3º ciclos. No 1º ciclo, os inquiridos consideram a experiência positiva quer dentro de um quadro de aprendizagem colaborativa, quer em termos de desenvolvimento profissional individual, realçando o contributo da avaliação para a melhoria profissional em geral e para a prática pedagógica em particular, numa perspetiva que se enquadra nos termos em que Alarcão redefine, em 2000, a noção de supervisão. Curiosamente, dos resultados sobressai a ideia de que os avaliadores parecem ter aprendido mais com a observação de aulas do que os avaliados. Assim, para além do desenvolvimento de capacidades supervisivas propriamente ditas (reveladas por mudanças na sua atitude face à observação de aulas), o desempenho das funções de supervisão permitiu aos avaliadores o contacto com outras práticas de ensino, que deram origem a mudanças na sua própria prática pedagógica.

No 2º/3º ciclos, os docentes entrevistados estão de acordo relativamente à perspetiva de que a ADD não contribuiu para o desenvolvimento profissional dos avaliados, embora assinalem motivos diferentes. Os avaliadores referem que os avaliados rejeitaram as suas recomendações; os avaliados, por sua vez, consideram que não existiram recomendações dos supervisores para a melhoria da prática profissional. No entanto, também neste ciclo, o grupo dos avaliadores é aquele que mais vantagens e benefícios parece ter retirado desta experiência, aparentemente porque a situação de observador lhes permitiu tomar contacto com práticas pedagógicas e didáticas diferentes, desenvolvidas pelos docentes mais novos.

Os dois estudos permitem ainda tirar conclusões sobre as competências supervisivas consideradas necessárias aos avaliadores. No 1º ciclo, são sobretudo os avaliadores que se debruçam sobre o perfil desejável para o exercício da função de avaliador, focando a necessidade de este ser um professor experiente, responsável e atento às práticas (Cf. Alarcão & Tavares, 2003). Avaliadores e avaliados consideram que a principal função dos primeiros é o apoio aos docentes avaliados, numa perspetiva próxima da defendida por Alarcão e Roldão (2008). No 2º/3º ciclos, o perfil desejável é definido de forma mais completa, identificando-se capacidades relacionais, comunicacionais e éticas, bem como conhecimentos científicos, pedagógicos e didáticos (Cf. Silva, 2011). No entanto, as funções de apoio e acompanhamento, focadas pelos docentes do 1º ciclo, não têm a mesma visibilidade no discurso dos professores do 2º/3º ciclos.

Retomando os objetivos gerais, parece possível concluir que os docentes destes ciclos, neste AE, apresentam vários fatores de discordância em relação ao modelo de ADD então vigente, mas que o processo teve configurações e efeitos diferentes no 1º e no 2º/3º ciclos. No 1º ciclo, a colaboração já instalada nas equipas docentes e a credibilidade atribuída aos avaliadores, não tanto nesse papel, mas fundamentalmente como professores experientes e com práticas pedagógicas reconhecidas, parece ter dado origem a um processo percecionado pelos docentes com alguns constrangimentos, mas também com diversos fatores facilitadores. No entanto, a exigência de uma classificação final gerou situações de mal-estar (evidentes na ausência de discussão sobre os resultados finais, quando existiu discussão nas diversas etapas anteriores), tornando patente a dificuldade de conciliação entre as finalidades formativa e sumativa da avaliação de desempenho.

No 2º/3º ciclos, a dimensão formativa da avaliação é bem acolhida pelos avaliados, desde que contribua com recomendações para o desempenho profissional e que venha de profissionais com competências reconhecidas e/ou com formação especializada, o que consideram não ter acontecido nesta situação. Assim, podemos concluir que um dos maiores problemas da ADD se relaciona diretamente com a falta de credibilidade e de preparação dos avaliadores, que é percecionada pelos avaliados e assumida pelos próprios avaliadores. A dimensão formativa da ADD exige, segundo os entrevistados, capacidades de colaboração e ajuda e uma atitude de diálogo permanente, principalmente durante o ciclo supervisivo.

Nesta perspetiva, ganha especial relevo o facto de, em ambos os contextos, os avaliadores terem beneficiado mais do que os avaliados com a sua participação na ADD, considerando que esta (e sobretudo a observação de aulas) lhes abriu novas perspetivas e contribuiu para o seu desenvolvimento profissional.

Da análise e confronto dos resultados destes dois estudos realizados em diferentes ciclos de um mesmo AE, parece possível concluir que: i) o papel da supervisão na ADD depende, em larga escala, da experiência e competência dos avaliadores não apenas como supervisores, mas também como professores; ii) a supervisão é facilitada pela existência prévia de uma cultura organizacional de colaboração entre docentes que contribui para centrar o processo nas dificuldades e potencialidades das situações curriculares, orientando-o para o desenvolvimento profissional.

 


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Referências legislativas

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Decreto Regulamentar n.º 2/2008, de 10 de janeiro - Estabelece o sistema de avaliação de desempenho do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário).

Decreto-Regulamentar nº 13 de 30 de Junho de 1992.

 

Contacto: Teresa Leite, Unidade de Investigação do Instituto de Educação – UL e Departamento de Ciências Humanas e Sociais, Escola Superior de Educação de Lisboa, Instituto Politécnico de Lisboa, Campus de Benfica do IPL, 1549 - 003 Lisboa, Portugal

(recebido em abril de 2014, aceite para publicação em julho de 2014)


NOTAS

 


[1] Decreto-Regulamentar n.º2/2010, de 23 de Junho, artigo 45.º