ARTIGOS

Estudo sobre as diferenças interativas e comunicativas de educadores e educadoras com crianças em idade em pré-escolar

 

Andreia Ferreira I; Isabel Barroso II; Miguel Branco III; Isabel Fernandes IV; Ana Ladeiras V; Tiago Osório VI; Filipe Pinto VII; Mário Relvas VIII; Catarina Veloso IX; Holger Brandes X; Otília Sousa XI;Marina Fuertes XII

I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, XI, XII CIED, Escola Superior de Educação de Lisboa do Instituto Politécnico de Lisboa

XII Centro de Psicologia da Universidade do Porto

X Evangelische Hochschule Dresden, Protestant University of Applied Sciences for Social Work, Education and Nursing

XI UIDEF, Instituto de Educação, Universidade de Lisboa  

Contacto

 


Resumo

A educação de infância tem sido assegurada maioritariamente por mulheres e associada ao género feminino. Recentemente, o número de homens na profissão aumentou na Europa. Contudo, o contributo do educador masculino tem sido pouco estudado. No intuito de contribuir para esse corpo de conhecimento, procurámos estudar as diferenças e semelhanças nos comportamentos interativos dos educadores e das educadoras com crianças de 3 anos sem problemas de desenvolvimento. Neste estudo, educadores e educadoras foram observados independentemente na mesma situação experimental como parceiros numa atividade lúdica de construção, sendo analisada a qualidade interativa e comunicativa dos Educadores. Para o efeito, foi pedido a 10 educadores e 11 educadoras que realizassem, em 20 minutos, um produto com as crianças com os materiais e ferramentas disponibilizadas à escolha de ambos.

Pretendia-se: i) descrever e comparar os produtos realizados pelas díades masculinas e femininas, bem como as escolhas de materiais; ii) comparar a qualidade interativa dos educadores e das educadoras quanto à empatia, atenção, reciprocidade, cooperação, elaboração/fantasia e desafio proposto; e iii) a qualidade da comunicação. Os dados parecem indicar que existem algumas diferenças na forma de comunicar das educadoras e dos educadores mas poucas diferenças na qualidade interativa. A experiência profissional, a situação de emprego e o facto de serem ou não pais condicionou o comportamento dos Educadores.

Palavras-chave: Educação de infância; Género dos Educadores; Qualidade Interativa; Comunicação verbal

 

Abstract

Early childhood education has been ensured mostly by women, and this profession is traditionally associated with the feminine gender. Recently, the number of men in this profession has increased in Europe. However, the role of the male educator is understudied. In order to contribute to this body of knowledge, we studied the differences and similarities of the interactive behavior of male and female educators with children with 3 years old without developmental problems. In this study, female and male educators were observed independently in the same experimental situation as partners with the child in a playful activity of construction. Later, we analyzed the interactive and communicative quality of Educators. For that purpose, 10 male educators and 11 female educators built a product of their choice, with the child, with the materials and tools available in about 20 minutes.

This study aims were to: i) describe and compare products made by male and female dyads, as well as the choice of materials; ii) compare the interactive behavior of male and female educators regarding empathy, ability to challenge the child, dialogical interaction, communication contends and cooperativity with child; and iii) the quality of communication. Our findings indicate differences in the way male and female educators communicate but fewer differences in the interactive quality. The professional experience, employment status and parenthood seemed to affect their behavior.

Key words: Early Childhood Education; Educators’ gender; Interactive Quality; Verbal Communication

 


INTRODUÇÃO

A representação da profissão de Educador de Infância encontra-se ligada a uma herança histórica, política e social de uma profissão construída por mulheres e associada às características femininas. Até 1974, em Portugal, não era permitida a existência de homens-educadores de infância (Sarmento, 2002b), refletindo a sociedade atual esse espólio na taxa de feminidade elevada: 97,2% dos Educadores de Infância (usamos Educador grafado com maiúscula quando referimos o profissional independentemente do género)  são mulheres (Vasconcelos, 2004; Sarmento, 2002a).

Esta não é, meramente, uma questão  nacional. Por exemplo na Alemanha a proporção de educadores varia entre 3% e 8% (Calmbach, Cremers, & Krabel, 2010). ). Com efeito, na Europa, incluindo a Escandinávia, apenas, um pequeno número de homens trabalha nos serviços de cuidados infantis, particularmente com crianças menores de 3 anos (Jensen, 2004).

Não obstante a baixa representatividade de educadores na profissão de educação de infância, alguns autores debatem se um corpo docente de um mesmo género pode educar crianças para acreditarem em oportunidades iguais para ambos os géneros (e.g., Jensen, 2004). Adicionalmente, a inclusão de educadores permite à criança estabelecer laços afetivos com os dois géneros (Calmbach, Cremers, &  Krabel, 2010).  Do ponto de vista pedagógico, a prática dos educadores caracteriza-se por uma grande oferta de jogos e atividades educativas (Rohrmann, 2009). Acresce ainda, que os educadores comparados com as educadoras desenvolvem mais jogos físicos, de movimento, e mostram-se mais predispostos a permitir às crianças que corram mais riscos (BVZ Frankfurt & Kreb, 2006; Kasiske, Krabel, Schädler, & Stuve, 2006; Vandenbroeck & Peeters, 2008; Waterman, 2006). Porventura produto da ação do educador, observa-se mais autonomia, criatividade e originalidade nos produtos das crianças (Molinier, 2004).

Neste estudo, procurámos comparar as diferenças e semelhanças nos comportamentos interativos dos educadores e educadoras portuguesas, na mesma situação de atividade cooperativa com a criança com materiais e ferramentas pré-definidos. Nas mesmas condições, será que os Educadores escolhem os mesmos materiais, ferramentas, realizam os mesmo produtos e se comportam de forma semelhante?

 


Qualidade das respostas educativas e envolvimento da criança na tarefa

A investigação tem indicado que a qualidade do contexto educativo é determinante na qualidade do desenvolvimento cognitivo, linguístico, e competências sociais da criança (e.g., Burchinal & Cryer, 2003).

Duas dimensões marcantes dessa qualidade são: a componente estrutural (corresponde a fatores relativamente imutáveis no tempo como, por exemplo, rácio de crianças por sala, dimensão da sala de atividades) e a componente processual (corresponde aos processos em atualização como as interações ou as experiências educativas) (e.g., Bairrão, 1998; Pinto, 2006; Tietze, 1986). Os elementos estruturais, como o rácio de crianças por sala, afetam de forma determinante a qualidade educativa, as interações e o envolvimento da criança na tarefa (McWilliam & Kruif, 1998). Todavia, a nossa investigação centra-se numa tarefa pré-definida de um-para-um (um adulto com uma criança) num espaço e com materiais pré-definidos. Deste modo, o nosso ponto de observação centra-se nos processos, mais especificamente, nas interações e oportunidades de participação da criança.

Neste quadro, a investigação (revisão em Grande, 2010) indica que o comportamento do Educador(a) é determinante para o nível de envolvimento da criança incluindo o tempo dedicado à tarefa e o grau de sofisticação de envolvimento na tarefa (composto pela capacidade de generalizar aprendizagens, de recorrer a narrativas/fantasias associativas ou recriar a própria brincadeira a partir do seu próprio sentido). Comportamentos de afeto positivo e sensibilidade de resposta por parte dos Educadores estão fortemente associados ao envolvimento da criança (Ridley, McWilliam, & Oates, 2000) porque mantêm os seus comportamentos dentro da tarefa e favorecem a motivação para a mestria. Igualmente, a instrução (orientações para a tarefa, indicações sobre o processo, antecipação da sequência das tarefas, etc.) e o apoio emocional de elevada qualidade permitem à criança enfrentar desafios com maior competência (Rimm-Kaufman, La Paro, Downer & Pianta, 2005).

Adicionalmente, diferentes atividades favorecem diferentes estilos de interação (Majorano, Cigala & Corsano, 2009) que, consequentemente, favorecem níveis de envolvimento distintos. Atividades em pequeno grupo permitem à criança maior espaço de participação e ao educador dedicar mais atenção a cada uma delas (Rimm-Kaufman et al., 2005).

Com recurso ao CLASS, que avalia três dimensões das interações educador-criança: Apoio Emocional (relações de apoio calorosas, sensibilidade do educador, consideração pela perspetiva das crianças), Organização da Sala (gestão do comportamento, produtividade e organização do espaço/materais de apoio à aprendizagem) e Apoio à Aprendizagem (incentivar a análise e raciocínio da criança, promover a compreensão; espirais de feedback que expandem a aprendizagem e a compreensão; utilização de estratégias que estimulam e facilitam a linguagem), as práticas de educadoras portuguesas foram analisadas (Gamelas & Aguiar, 2014). Neste estudo, verificou-se que existe nas salas portuguesas muito boa qualidade nas dimensões Apoio Emocional e Organização da Sala. Já a dimensão, Apoio à Aprendizagem, em contexto nacional, obteve resultados apenas moderados.  Os autores sugerem a necessidade de atividades em pequeno grupo ou individualizadas, por constituírem melhores oportunidades para a criança tomar decisões e fazer escolhas (auto-realização), com resolução de problemas por si ou em grupo, apoiada num feedback construtivo, estimulante da sua iniciativa e das suas competências emergentes (Gamelas, 2015).

Adicionalmente, a comunicação com o adulto na zona de desenvolvimento próximo ou potencial da criança , e a qualidade e quantidade da linguagem é fundamental na sua aquisição (Hart & Risley, 1995). O uso da língua em contexto é a força e motivação para a criança aprender o vocabulário, a gramática e a pragmática (Tomasello, 2003).  Se a importância do input materno está bem estabelecida na aquisição e desenvolvimento da linguagem (Hoff-Ginsberg, 1986), há menos estudos sobre a interação educadores-criança. Reconhece-se a importância da conversa e da qualidade e estilo internacionais do educador na criação de contextos de aprendizagem e de desenvolvimento da criança (Henry & Pianta, 2011; Burchinal, Howes, Pianta, Bryant, Early, Clifford, et al. 2008; Dickinson, Darrow, Ngo, D’Souza, 2009). Majorano, Cigala & Corsano, 2009, num estudo sobre contexto educativos italianos (creche e pré-escolar), apontam a diversidade de tarefas em sala como promotora de qualidade da produção discursiva tanto da criança como do educador (ibidem).

Interagindo com adultos (pais ou Educadores), a criança aprende a usar a linguagem com fins comunicativos ao interpretar os enunciados que lhe são dirigidos. Albanese, Antoniotti & Quagliarini (1998) analisando a linguagem dirigida a crianças (perguntas) durante a leitura de histórias, concluem que mais do que a quantidade é a sua diversidade das perguntas (perguntas abertas: pessoais, de opinião, enciclopédicas, de inferência) que promove o desenvolvimento de competências. Outros autores (Ramos & Salomão, 2012) estudam os estilos comunicativos das educadoras e a comunicação de crianças em creche e concluem que existe influência mútua entre estilos comunicativos das educadoras e a comunicação das crianças.

O presente estudo, permite observar numa atividade adulto-criança alguns destes comportamentos de apoio à aprendizagem e de apoio emocional. Importa-nos, igualmente, comparar o estilo interativo e comunicacional dos educadores e das educadoras.

Comparando o comportamento interativo de educadores e de educadoras: Estudo TANDEM

Em 2010, um grupo de investigadores desenvolveu o estudo Tandem (Brandes, Andra, Roseler, & Schneider-Andrich, 2015) baseado nos estudos da vinculação e qualidade da interação adulto-criança para comparar o comportamento dos educadores e educadoras com meninos e meninas em idade pré-escolar. O conceito TANDEM surge do trabalho a pares de Educadores na mesma sala. Deste modo o nome dado ao estudo (Tandem), surge como uma alusão às bicicletas de dois lugares (ambos “pedalam” na mesma direção), i.e., “tandems” de educadores-educadoras e educadoras-educadoras correspondentes a pares profissionais.

Cada educador ou educadora era observado com uma criança, na construção de um produto final, utilizando materiais e ferramentas pré-definidos, durante 20 minutos. Na amostra o género dos adultos e das crianças está igualmente representado. O estudo Tandem comtemplava 5 dimensões do comportamento interativo dos profissionais (empatia, desafio, qualidade interativa, tipo de cooperação e conteúdo da comunicação) bem como a análise do produto final e dos componentes utilizados.

As conclusões preliminares do estudo Tandem parecem indicar que não existem efeitos relevantes de género em relação às qualidades formais de comunicação e de interação dos educadores e educadoras (Brandes et al., 2015). Desta forma, as hipóteses desse estudo de que as educadoras iriam interagir de uma forma mais empática e com maior envolvimento na orientação da tarefa, e que a interação dos educadores se revestiria de maior desafio e exploração, não foram confirmadas.

O estudo Tandem indicou, contudo, que o género das crianças combinado com o género do adulto, afetou a escolha do tipo de materiais e interesses e em consequência, o resultado do produto final, nomeadamente:

- As educadoras tendem a construir mais sujeitos enquanto que os educadores produziram mais objetos;

- Os educadores usam mais ferramentas do que materiais;

- As educadoras tendem a usar mais fantasias com as meninas e a comunicar de forma mais objetiva e concreta com os meninos.

Presente estudo. Face à escassez de investigação com Educadores portugueses, julgamos que o presente estudo pode contribuir para o conhecimento sobre o modo como os educadores interagem e comunicam com as crianças, aumentando a compreensão do papel do educador na profissão.

Nesta pesquisa recorremos à mesma situação experimental, instrumentos de análise e materiais usados no estudo Tandem. Não obstante, sublinha-se a originalidade de observar o mesmo Educador com duas crianças de género diferente em duas observações independentes. Ainda que se possa equacionar se a repetição da atividade não influencia o desempenho do Educador (devido ao conhecimento de materiais e de tarefa), podemos, também, verificar se o Educador adapta o seu comportamento de acordo com o género da criança.

Em suma, neste estudo, procurámos comparar os comportamentos dos educadores e das educadoras no que respeita:

- à empatia, atenção, reciprocidade, cooperação, elaboração/fantasia e desafio proposto durante a realização do produto;

- aos produtos realizados pelas díades educador-rapaz, educador-rapariga e educadora-rapaz, educadora-rapariga, bem como as escolhas de materiais.

O nosso estudo é, também, original ao incluir o estudo da comunicação do adulto com a criança, nesse sentido é nosso intuito observar as verbalizações dirigidas à criança durante a interação (e.g., uso de sugestões, ordens, elogios, críticas). Consideramos que o comportamento verbal e não verbal fazem parte de uma síntese comunicativa que importa compreender em conjunto e num sentido dinâmico.

Adicionalmente, pretendemos estudar de que forma os dados da criança (e.g., o género, a idade) e dos educadores (e.g., idade, a experiência profissional, paternidade)  podem afetar os resultados.

 


MÉTODOS

Participantes

Participaram neste estudo 42 díades de Educadores-criança, dos quais 20 díades educador-criança e 22 díades educadora-criança. Nas duas amostras de conveniência as crianças foram igualmente distribuídas por género. As crianças, com 3 anos, não apresentavam problemas de desenvolvimento. As crianças frequentavam a creche ou jardim-de-infância e pertenciam a famílias portuguesas de classe média.

Dos 21 Educadores de Infância 11 eram educadoras e 10 eram educadores. Oito educadores pertenciam a instituições educativas privadas e dois a instituições particulares de solidariedade social (IPSS), enquanto as educadoras pertenciam todas a instituições privadas. Os restantes dados dos educadores e educadores são apresentados na tabela 1.

 

Procedimentos

Aos participantes foram apresentados os objetivos e procedimentos do estudo e entregue um folheto explicativo. Nesse momento, os investigadores responderam a todas as perguntas colocadas pelos participantes. A participação dos educadores, pais e crianças regeu-se pelas normas do livre consentimento informado de acordo com as normas da APA.

A recolha de dados demográficos foi realizada através de um questionário entregue aos Educadores. Nesse questionário foram colocadas questões relativas à Instituição de Formação do Educador, situação de emprego do educador, número de anos de serviço e em que contexto (creche, pré-escolar), número de filhos, género dos mesmos e tipo de brincadeiras que têm com eles (se existentes).

A recolha de dados foi realizada através da filmagem da interação Educador – Criança (sem a presença da investigadora), em contexto de Creche/Jardim-de-Infância (espaço conhecido da criança), numa atividade lúdica de construção conjunta com materiais pré-determinados (sempre os mesmos em todas as atividades de construção). Para o efeito, foram fornecidas duas malas, uma contendo materiais (anilhas de metal, arame fino, ataches, bolas de esferovite, caixa de ovos, canudos de papel higiénico, feltro, fio de pesca, lã, limpa cachimbos, marcardores, missangas coloridas, olhos autocolantes, palhinhas, palitos, papel canelado, papel colorido, placas de madeira, rolhas,),  outra contendo ferramentas (alicate, cola líquida, martelo, pistola de cola quente, e tesoura),  foi também disponibilizado um cronómetro para que os participantes controlassem o tempo da atividade (figura 1).

 

Cotação e aferição dos dados

Tal como no estudo Tandem (Brandes et al., 2012) foi analisado: o tipo de figuração (sujeito (com olhos) e objeto (sem olhos) e os componentes (número de objetos que compõem o produto final); o número de materiais e as ferramentas utilizadas; e a Qualidade da Resposta do Adulto através da escala Tandem. Esta escala está organizada em 6 dimensões: empatia; desafio; qualidade interativa e atenção; reciprocidade; tipo de cooperação e conteúdo da comunicação  de 1 a 5, correspondendo 1 ponto a “discordo totalmente” e 5 a “concordo totalmente” (cf quadro 1).

 

Quadro 1 Escala de avaliação da qualidade interativa

 

Dimensão

Itens

Empatia

1.1 O/A educador/a reage às observações e emoções da criança de forma adequada e com prontidão.

1.3 O/A educador/a apoia a criança de forma adequada (sem intromissão indesejada nem regras).

1.4 O/A educador/a dá feedback positivo e respeitador.

 

 

 

Desafio

1.2 O/A educador/a encoraja a criança a experimentar e analisar problemas desconhecidos.

 

2.3 O/A educador/a coloca perguntas que estimulam a reflexão.

2.4 O/A educador/a usa conceitos desconhecidos da criança.

3.5 A criança perde o interesse durante a atividade e revela sinais de aborrecimento.

3.6 O/A educador/a organiza a atividade como uma situação de competição.

 

Qualidade interativa

(atenção e reciprocidade)

2.1 O/A educador/a adota as sugestões e/ou iniciativas da criança.

2.2 O/A educador/a espera com paciência pelas decisões da criança.

2.8 O/A educador/a está virado para a criança e procura o contacto visual com a mesma.

 

Tipo de cooperação

3.1 O/A educador/a observa a criança e só participa verbalmente.

3.2 O/A educador/a atua ele/ela próprio/a e deixa a criança observá-lo/la.

3.3 O/A educador/a e a criança seguem diferentes projetos parciais em atividades paralelas e existe uma conciliação de interesses apenas pontual.

3.4 Ambos trabalham conjuntamente num objeto, existindo uma conciliação de interesses contínua.

 

Conteúdo da comunicação

2.5 O/A educador/a exprime-se, principalmente, de forma objetiva, concreta e funcional sobre a atividade ou adota essa forma, se isto partir da criança.

2.6 O/A educador/a acompanha a atividade por meio de fantasias associativas e narrações ou adota as mesmas, se estas partirem da criança.

2.7 O/A educador/a tematiza a relação ou aspetos pessoais (atributos, experiências, sentimentos) ou adota os mesmos, se estes partirem da criança.

 

A cotação dos dados foi realizada independentemente por um mínimo de 4 cotadores (distruibuídos por género, com e sem filhos) e, posteriormente, as cotações individuais foram discutidas em conferência mediadas por um quinto observador que arbitrava a decisão final.

Cotação do comportamento verbal do adulto

Para a análise e cotação do comportamento verbal do adulto, apoiados em bibliografia e após análise prévia de alguns vídeos, criámos as categorias apresentadas no quadro 2.

 

Quadro 2 Categorias de análise do comportamento verbal do adulto

 

Categorias de Comportamento Verbal do Adulto

Definição

Exemplo

Perguntas de conteúdo

Perguntas em que se estabelece relação entre a atividade/produto e o conhecimento do mundo (conceitos).

“Para que é que o pai usa o martelo e o alicate?”

Perguntas de processo

Perguntas em que são pedidas pistas relativamente à escolha de materiais e técnicas a utilizar no decorrer da atividade.

“A ponte passa por cima de alguma coisa?”

Sugestões

O adulto faz propostas, aceita as escolhas da criança, não impondo a sua vontade.

”Se calhar precisamos da tesoura.”

Dirige

O adulto orienta e/ou faz prevalecer as suas escolhas.

“Faz lá os braços.”

Ordens

O adulto dá uma ordem à criança dirigindo o seu comportamento/ação.

“Não toques na cola.”

Ensino

O adulto explica, informa ou ensina algo.

“Temos aqui o grande, o médio e o pequeno.”

Elogios/Estímulo

O adulto faz comentários positivos valorizando o desempenho da criança e/ou o produto realizado.

“Fica tão giro.”

Desaprovação/comentários negativos

O adulto faz comentários negativos relativamente ao desempenho, ao produto realizado e/ou ao comportamento da criança.

“Tens de falar mais alto senão não se percebe nada.”

 

A categorização dos enunciados teve em conta a sua finalidade comunicativa. A identificação subjacente à análise foi estabelecida a partir de critérios linguístico-enunciativos. Contámos como enunciado uma produção – sequência de palavras – delimitada por uma pausa ou por uma mudança de entoação. Os enunciados foram classificados de acordo com as categorias referidas. Na cotação, as categorias eram mutuamente exclusivas. Assim, ainda que o mesmo enunciado veiculasse duas intenções, era cotado tendo em conta a intencionalidade mais saliente. Apresentam-se, de seguida, as diferentes categorias. Na categoria perguntas - enunciados que se definem fundamentalmente pelo seu contorno entoacional -, distinguiram-se,(i) perguntas de conteúdo e (ii) perguntas de processo. Nas primeiras a finalidade do educador era estabelecer uma relação entre a tarefa ou o gesto e o conhecimento do mundo quer ativando conceitos, quer favorecendo a emergência dos mesmos; nas segundas a intencionalidade estava relacionada com estratégias associadas ao fazer, com gestos que visavam a consecução da tarefa ou de micro tarefas. Os enunciados diretivos visavam dirigir a criança na atividade. Foram subdivididos em (iii) ordens – enunciados com caráter imperativo em que o adulto dirige o comportamento da criança; (iv) sugestões o adulto dirige o comportamento da criança, distinguindo-se dos anteriores pela formulação linguística, mas sobretudo pela relação entre os interlocutores, e (v) enunciados para dirigir a ação da criança; avaliação, subdividida em (vi) elogios e estímulos e (vii) desaprovação e comentários negativos: nesta categoria o adulto posiciona-se face ao comportamento ou ação da criança. Na categoria (viii) ensino a intencionalidade do educador é instruir, por isso, são integrados nesta categoria enunciados explicativos, informativos, etc.

 


Análise de resultados

Os dados foram analisados com recurso a estatística descritiva e inferencial usando a versão 22 do programa SPSS. A estatística descritiva foi usada para calcular as médias e os respetivos desvios padrão dos comportamentos das educadoras e dos educadores. A estatística inferencial foi usada para calcular as diferenças de média das educadoras e dos educadores na pontuação dos itens da escala de interação e nos comportamentos de comunicação verbal. O estudo correlacional permitiu descrever a associação entre os comportamentos dos adultos e variáveis da criança ou do Educador.

 


RESULTADOS

Análise da frequência de componentes e materiais usadas na construção do produto final.

O primeiro objetivo deste estudo consistia em descrever e comparar os produtos realizados pelas díades educador-menino, educador-menina e educadora-menino, educadora-menina (20 díades educador-criança e 22 díades educadora-criança), bem como as escolhas de materiais. Verificou-se que todas as díades concluíram um produto por si (cf. Figura 2).

Destes, 29 foram sujeitos, 7 objetos e 6 composições mistas (com sujeitos e objetos). Embora os resultados não sejam significativos, verificou-se uma predominância de sujeitos quer nas díades educadora-criança, quer nas díades educador-criança (ver quadro 3).

 

Quadro 3 Frequência do tipo de produto de acordo com o género do Educador

 

 

Tipo de produto

 

 

Total

Sujeito

Objeto

Misto

Género do adulto

Masculino

13

5

2

20

Feminino

16

2

4

22

Total

29

7

6

42

 

Tal como no género do adulto, não se verificam diferenças consideráveis quanto à distribuição do tipo de produtos conforme o género das crianças (cf. Quadro 4).

 

Quadro 4 Frequência do tipo de produto de acordo com o género da criança

 

                                                                                                     Tipo de produto

 

Sujeito

Objeto

Sujeitos e Objetos

 

Total

Género da criança

Masculino

        16

4

2

21

Feminino

13

1

4

21

Total

29

7

6

42

No conjunto das díades, verificámos que os produtos produzidos tinham em média um componente e meio e foram elaborados com, em média, 20 materiais e 5 ferramentas. (cf. Quadro 5). Contudo, quando observamos os intervalos máximos e mínimos destas categorias notamos uma elevada dispersão indicativa de uma grande diversidade de produtos.

 

Quadro 5 Estatística descritiva relativamente ao número de componentes, materiais e ferramentas usados na atividade

 

 

N

Mín.

Máx.

M

DP

Número de componentes

42

1

5

  1.45

.916

Número de materiais usados

42

3

12

  6.26

2.4

Número de ferramentas

42

1

6

  3.33

1.183

 

Segundo o teste de proporções de Kruskal Wallis não foram encontradas diferenças significativas para o tipo de produto (sujeito, objeto e misto), nem foram encontradas correlações significativas quanto aos materiais usados, número de componentes dos produtos e comportamentos dos educadores e educadoras, nem para o género da criança.

Análise da distribuição da autoria dos produtos realizados pelas díades educador-criança versus educadora-criança

Na amostra estudada, a tendência de distribuição da autoria do produto final foi aproximada entre os educadores e as educadoras, salientando-se o facto de a grande maioria dos produtos finais ser elaborada maioritariamente pela criança ou por ambos em conjunto (cf. Quadro 6).

 

Quadro 6 Frequência da distribuição da autoria do produto de acordo com o género do educadores

 

                      Feito por

 

Criança

Ambos

Adulto

 

Total

Criança com

Educador

        8

8

4

20

Educadora

9

9

4

22

Total

17

17

8

42

 

Diferenças na qualidade interativa diádica e no comportamento verbal durante a realização da tarefa das educadoras e dos educadores

Para além dos objetivos já referidos, procurámos comparar os comportamentos das educadoras e dos educadores no que respeita a: i) a qualidade interativa dos educadores quanto à empatia, atenção, reciprocidade, cooperação, elaboração/fantasia e desafio proposto avaliada através da escala de cotação Tandem; ii) às verbalizações dirigidas à criança durante a interação (e.g., uso de sugestões, ordens, elogios, críticas).

Não se encontraram diferenças significativas no que respeita à qualidade interativa dos educadores e das educadoras, excepto para o item 3.6 no qual os educadores organizam mais a atividade como uma situação de competição [t(34)= -2.623; p<.05; M educadoras=1.23; DP=.89; M educadores 1.23; DP=.53].

Porém, encontramos diferenças entre a comunicação verbal dos educadores de ambos os géneros. Com efeito, as educadoras fazem mais perguntas de conteúdo dos que os educadores que, por seu lado, sugerem, dirigem, elogiam e dão mais ordens do que as educadoras (cf. Quadro 7).

Relação entre as variáveis demográficas e a qualidade interativa diádica, comportamento verbal e escolhas dos Educadores

A experiência profissional dos Educadores correlacionou-se positivamente com os itens:

- o educador espera com paciência pelas decisões da criança (Rho= .327; p<.05);

- o/a educador/a observa a criança e só participa verbalmente (Rho= .329; p<.05).

Por outro lado, a experiência profissional dos Educadores correlacionou-se negativamente com os comportamentos verbais diretivos. Assim, os Educadores com mais anos de experiência profissional dirigiram menos o comportamento da criança.

Ter ou não filhos foi uma variável igualmente influente nos comportamentos verbais dos Educadores, pois os Educadores sem filhos fazem mais perguntas de conteúdo do que os outros. Em contrapartida, os Educadores com filhos fazem mais sugestões e elogios bem como dirigem mais a atividade (cf. Quadro 8).

Algumas variáveis, como a idade dos Educadores, o género e a idade da criança, não apresentaram resultados significativos.

 


DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

O presente estudo tinha como objetivo investigar as diferenças no comportamento (interação e comunicação) de educadores e educadoras com crianças de 3 anos no decorrer de uma atividade lúdica de construção. Nesta situação semiexperimental, era pedido ao adulto que construísse algo com a criança durante aproximadamente 20 minutos, recorrendo aos materiais e às ferramentas disponibilizados para o efeito. Participaram 11 educadoras com 11 meninas e 11 meninos e 10 educadores com 10 meninas e 10 meninos.

Em primeiro lugar, no que respeita aos produtos, observamos que existe uma prevalência de sujeitos ou sujeitos combinados com objetos na nossa amostra, contrastando com a investigação Tandem alemã, na qual se verificou uma prevalência de objetos (Brandes et al., 2015). Esta caraterística nas construções das díades portuguesas poderá não ser arbitrária, já que este resultado foi igualmente encontrado, numa investigação análoga, numa amostra com díades de pais, mães e filhos (Fernandes, 2015). A maior personificação dos produtos da amostra portuguesa dificilmente pode ser explicada por comparações culturais diretas com a cultura alemã (também ela tão diversa). Contudo, a forma de realização das crianças é indicador da sua representação e valorização das relações humanas, do papel dos adultos e da família. Com efeito, no estudo, as crianças portuguesas não só representam com frequência figuras humanas como famílias. Este importante “transporte” da criança da família para a escola merece reflexão no seio da educação de infância. Que papel é dado às famílias na educação em creche? E qual o espaço e tempo dado à criança para representar a família na creche e para operar sobre estas representações? Ora, a investigação indica benefícios da relação escola-família para as práticas educativas (revisão em Assis & Fuertes, 2014), desenvolvimento e bem estar da criança (revisão em Fuertes, 2010). Sublinhamos que as práticas educativas dão “voz à criança” quando respondem à sua necessidade de pertença à família.

Pese embora os nossos objetivos de pesquisa se centrarem no estudo do género não se verificaram diferenças significativas entre educadores e educadoras no número de componentes, bem como quanto ao número de materiais e ferramentas usadas durante a atividade. Igualmente, o género da criança não influenciou as opções pelos materiais e ferramentas. Estes resultados contrastam com os obtidos no estudo alemão em que as crianças usaram mais materiais aos quais se podiam associar conotações de género, como bolas de esferovite nas meninas e pregos nos rapazes (Brandres et al., 2015). No nosso estudo, o Educador foi mais igualitário com as meninas e meninos e menos afetado pelas caraterísticas da criança. Importa sublinhar que, no nosso estudo, todos os Educadores participantes eram licenciados em Educação de Infância ao contrário do estudo alemão em que muitos Educadores tinham, apenas, treino médio em educação. De que modo, questionamo-nos, a profissionalidade é um construto decorrente da prática do educador ou é condicionada pela sua formação académica?

Relativamente à autoria dos produtos, verificámos que educadores e educadoras deixaram a criança ter protagonismo na atividade ou trabalharam conjuntamente com ela na construção do produto. Porventura, a formação académica dos Educadores pode contribuir para este estilo de interação dado que os profissionais de Educação de Infância são formados para valorizarem a participação da criança, assumindo nas suas práticas o papel de facilitador da aprendizagem e não o de ator principal no processo educativo.

Comparando educadores e educadoras quanto à qualidade interativa durante a atividade, podemos observar que os educadores organizaram mais a atividade como uma situação de competição do que as educadoras. Tal como indica a bibliografia (Gamelas & Aguiar, 2014), possivelmente os educadores assumem o objetivo de construir algo como o principal foco da atividade tal como solicitado pelo investigador.

Tal  como as mães relativamente aos pais (Alves, Fuertes & Sousa, 2015), as educadoras falaram mais do que os educadores. Adicionalmente, os educadores mostraram-se mais diretivos e orientados para a tarefa do que as educadoras. Tal pode relacionar-se, novamente, com o facto de organizarem a atividade mais como uma situação de competição do que as educadoras. Sendo mais diretivos, e concomitantemente dando mais ordens à criança durante a atividade, condicionam de certa forma a sua escolha, tendo em vista a realização do produto final. As educadoras, por sua vez, fizeram mais perguntas de conteúdo do que os educadores. As perguntas de conteúdo são formas de atuar sobre o conhecimento do mundo, alargando  o universo conceptual  e o vocabulário da criança. Solicitar a intervenção da criança na conversa pode ser facilitador da autonomia, uma vez que ao estender a verbalização da criança com uma pergunta, podemos dar-lhe pistas sobre o caminho a perseguir na atividade, sozinha ou com a ajuda do adulto. Pode ser, igualmente, uma estratégia de desafiar a criança quer a pegar o turno, quer a preencher o espaço de reflexão subjacente, por isso, as perguntas (abertas) possibilitam aos Educadores colocar a criança no centro da interação verbal, dando-lhes espaço para pegarem na palavra, refletirem e intervirem. Por seu turno, os educadores sugerem e elogiam mais do que as educadoras. Este resultado merece mais reflexão. Num outro estudo sobre comunicação de pais e de mães (Castro, 2015), verifica-se que as mães elogiam mais e este dado está de acordo com estudos internacionais sobre a fala dirigida à criança por pais e mães (Abkarian, Dworkin, & Abkarian. 2003). O facto de os educadores elogiarem mais do que as educadoras pode abrir caminhos de investigação futura, quer com amostras mais alargadas, quer observando outras tarefas e situações.

Sabe-se que o elogio direto pode ser uma indicação clara e positiva mas outras formas de reforço positivo das competências da criança surtem mais efeito no seu comportamento e autoestima (Rimm-Kaufman, et al. 2005). Com efeito, os estudos da aplicação do CLASS em Portugal (Gamelas, 2015) referem, precisamente, o elogio como o ponto mais fraco dos educadores portugueses, por ser excessivamente usado como forma de incentivo direto e estar centrado nos objetivos do adulto. O melhoramento passa por incluir alguns incentivos à criança e fazer comentários mais concretos ao desempenho da criança e à atividade em si. A investigação prévia indica, igualmente, que os educadores portugueses fazem poucas perguntas abertas, que estimulem a criança e provoquem algum acrescento ou desencadeiem a aquisição de novos conhecimentos (Gamelas & Aguiar, 2014).

Intrigantemente, os nossos resultados indicam que a parentalidade dos Educadores afetou os seus comportamentos verbais. Os Educadores sem filhos parecem mais centrados na instrução ou componente pedagógica da atividade, ao realizarem mais perguntas de conteúdo. Em contrapartida, os Educadores com filhos parecem mais centrados no apoio à atividade fazendo mais sugestões ou dirigindo a atividade. Igualmente, os Educadores com filhos elogiaram mais a criança, este pode também ser visto como um comportamento simultaneamente de apoio à atividade, dando indicação à criança de que é aceite (uma forma de direção e de avaliação), mas também uma resposta afetiva positiva (um reforço da relação). Assim, parece que os Educadores com ou sem filhos assumem comportamentos distintos, existindo uma relação entre a parentalidade e gestos profississionais. Numa investigação semelhante mas com Pais (Fernandes, 2015), os papéis dos pais e das mães assemelham-se aos papéis dos Educadores com filhos em termos dos comportamentos afetivos e elogios à criança. Especulamos que os papéis pedagógicos vão incorporando outras dimensões como a experiência da parentalidade.

Por fim, a experiência profissional do Educador parece contribuir para uma atitude mais paciente, menos diretiva dando maior liberdade de ação à criança. Possivelmente maior experiência (e especulamos confiança) profissional permite ao Educador antecipar o que a criança consegue fazer por ela se lhe for dado tempo e espaço. Portanto, parece haver um efeito do desenvolvimento profissional sobre a qualidade dos gestos profissionais. Na base parece estar uma maior capacidade de avaliação das capacidades atuais da criança na sua zona de desenvolvimento próxima.

 


LIMITAÇÕES E FUTUROS ESTUDOS

Neste artigo apresenta-se um estudo observacional com 42 díades. Na verdade, reunir este número de participantes, numa investigação nacional, é um elemento difícil (até porque o número de educadores na prática é baixo). Não obstante, é importante continuar a recolher dados e ampliar esta amostra. O aumento da amostra permitirá refinar o tipo de análises produzidas (distinguir, por exemplo, se o modelo educativo ou o tipo de instituição que emprega o educador afetam o seu comportamento) bem como generalizar resultados.

Apesar dos contributos enunciados, não podem deixar de ser assinaladas algumas limitações nesta pesquisa. Em primeiro lugar, temos que referir que foram feitas adaptações ao procedimento Tandem alemão (Brandes et al., 2015) o que dificulta comparações diretas entre os dois trabalhos. No presente estudo, os Educadores participaram na atividade  experimental duas vezes e em cada observação com uma criança distinta. Contrariamente, no estudo alemão, os Educadores participaram somente uma vez no estudo. Esta opção foi tomada para aumentar o número de observações e observar o mesmo educador com crianças de género distinto. Pese embora esta limitação, foi testado o efeito da “aprendizagem da situação” por parte dos participantes. Expectavelmente, na segunda vez, os Educadores poderiam ter refletido sobre o seu comportamento e alterado a sua prestação (ou seja, comparámos os resultados entre a primeira e a segunda aplicação). Todavia, não encontramos diferenças estatisticamente significativas entre as duas observações, isto é, o efeito de “aprendizagem na situação” não se verificou. Assim, da nossa limitação resultou, também, a compreensão de que os códigos e a conduta do Educador são pouco sujeitos a efeitos situacionais, porventura forjados ao longo da formação e da prática profissional,compondo a identidade destes profissionais.

Não obstante as limitações encontradas, os resultados produzidos são originais e relevam os papéis de educadores e educadoras portuguesas. Ao analisarmos a atuação destes profissionais, encontramos formas de comunicação distintas. Este resultado é importante por ser no espaço da diferença que a criança cria a sua síntese, aprende diferentes papéis, expande o seu conhecimento e adquire mestria sobre o mundo.

Ao longo do trabalho realizado, fomos propondo que os processos de reflexão crítica desejavelmente desencadeados na formação académica dos educadores poderiam contribuir para atenuar as diferenças explicativas entre o comportamento de educadores e educadoras. Com efeito, os estudantes de educação de infância são desafiados a construir uma identidade profissional integrando nessa identidade uma ética bem como modelos científicos e pedagógicos de atuação. Noutras pesquisas nacionais, com o mesmo procedimento, realizadas em díades maternas e paternas também se observam poucas diferenças de género (Fernandes, 2015). As dissemelhanças mais evidentes foram encontradas entre educadoras e mães (Barroso, 2015) – isto é, adultos com e sem formação profissional. Por outras palavras, as diferenças parecem, mais do que associadas ao género, decorrer da formação pedagógica e científica o que, por si, é um contributo para o reconhecimento do trabalho das instituições formadoras.

Este corpus de conhecimento consolida o argumento de que a formação académica e científica do Educador pode regular o seu comportamento na interação com a criança, mapeando o papel que atribui à criança e a si próprio. Neste âmbito, propomos a replicação desta investigação com auxiliares de ação educativa. As auxiliares são profissionais de educação, em muito casos, experientes. A experiência prática de resposta às crianças, de trabalho em equipa e de apoio ao trabalho e à ação da educadora regem o seu dia a dia profissional. Necessariamente, ao longo da prática, estas profissionais construem uma identidade e ética profissionais sem apoio no conhecimento científico e pedagógico. Como farão? Reproduzem os modelos dos educadores (mimetizando os gestos ou perseguindo a intencionalidade do educador)?

Como corolário deste trabalho regressamos à criança, como objeto e objetivo da nossa ação, com o propósito futuro de estudar a linguagem dela em interação com o adulto. A nossa pesquisa perscrutou a linguagem do adulto, falta compreender a relação entre as linguagens concorrentes do adulto e da criança. Em futuros estudos, o foco de atenção deverá ser o comportamento e linguagem da criança na interação com o adulto. E, por fim, procurar o sentido último, adquirido e resultante nesta troca comunicativa, a forma como o comportamento de cada parceiro se afeta mutuamente,  adaptando o seu estado ao outro e criando uma “intersubjetividade partilhada” (Beeghly, Fuertes, Liu, & Delonis, 2010).

 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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(recebido em janeiro de 2016, aceite para publicação em julho de 2016)